Os desertos digitais na educação brasileira
Estar conectado nos dias atuais é o mesmo que fazer parte da civilização. É uma condição sine qua non de existência. Não há exagero nisso, já que, praticamente, tudo ao nosso redor depende de conectividade para funcionar.
Do almoço que você pede no delivery, passando pelo boleto pago ou pix feito no app do banco, até falar com familiares e amigos pelos aplicativos de mensageria.
Um levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que, em atividade no Brasil, existem 242 milhões de celulares inteligentes. Quando são somados notebooks e tablets a este dado, o número sobe para 352 milhões de dispositivos.
No entanto, mesmo quando o assunto é tecnologia e acesso à internet, um país como o Brasil apresenta contrastes profundos que simbolizam um desafio permanente para a inclusão digital.
Desertos digitais
Imagine viver em um deserto completo, cercado de areia, com um sol escaldante sobre sua cabeça, queimando o pouco que resta de seu juízo. Imagine, também, que ao longe, você consegue enxergar cidades, com seus prédios e casas, ruas e avenidas, automóveis e pessoas, com acesso à água, comida e demais confortos que a civilização pode proporcionar.
Quanto mais você corre em direção a essa selva de pedra, mais o deserto parece não ter fim.
A metáfora serve para pessoas que vivem em desertos digitais, espaços em nosso país que não têm acesso à internet, ou ao menos possuem uma conexão precária que não permite muito em uma navegação simples.
Algo em torno de 40 milhões de brasileiros vivem esse drama.
Isso ganha reflexos de norte a sul do país. Na Região Norte, por exemplo, 25% da população tem dificuldades no acesso à internet. Os dados são fruto de um estudo realizado pela PwC Brasil, em parceria com o Instituto Locomotiva. Em nível nacional, a maioria das pessoas com dificuldades de acesso à conectividade tem um perfil: fazem parte das classes C, D e E, usam aparelhos pré-pagos, majoritariamente negros e com menor escolaridade.
Esse mesmo estudo mostra informações preocupantes: no contexto da pandemia, 6 milhões de estudantes, do ensino básico à pós-graduação, não conseguiram participar de aulas remotas; 8 milhões de jovens não têm à disposição recursos tecnológicos para o ensino virtual; e uma em cada 4 escola no país não tem acesso à internet.
No Estado de Alagoas, no Nordeste, mais de 100 mil estudantes da rede pública de ensino no nível médio não possuem acesso à internet em suas escolas. Isso equivale a 70% dos jovens matriculados. Os dados fazem parte de um levantamento do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef/Brasil) e do Centro de Referência em Educação Integral (Cenpec/Educação).
Nesse contexto, o problema da alfabetização digital se torna angustiante. Produzido e divulgado pela revista britânica The Economist, um ranking mundial aponta o Brasil na 80ª posição, entre 120, ficando atrás de vizinhos latino-americanos como Chile, em 14ª lugar, e Argentina, em 33º.
O 5G pode resolver isso?
As análises sobre esse ponto são diversas e vão do otimismo pueril ao pessimismo cético.
E, realmente, é uma discussão que precisa ser aprofundada. Primeiro, porque o 5G pode ser compreendido como uma ferramenta potente e fantástica que aumenta a cobertura e a velocidade da conexão, mas que, por si só, não resolve coisa alguma. Muito menos quando falamos de educação.
Neste mês de julho, durante o Festival LED - Luz na Educação, ocorrido no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, a fundadora e presidente do Future Today Institute, Amy Webb, falou sobre a possibilidade de a inteligência artificial e o metaverso terem um papel importante na melhoria educacional brasileira.
O problema é que aproximadamente 4 mil escolas públicas no país sequer tem internet em suas instalações.
A aposta de Webb é que, com investimento em 5G e em estrutura, esse futuro esteja bem próximo.
O problema é que essa questão não se esgota na questão puramente tecnológica. Em audiência pública no Senado, nesta segunda-feira (25/07), a Subcomissão Temporária para Acompanhamento da Educação na Pandemia concluiu os trabalhos com uma resolução sintomática: apenas a conectividade nas escolas não garante a inclusão digital.
O segundo ponto tem a ver com as desigualdades regionais. Assim como diversas outras áreas da sociedade brasileira, também o acesso ao 5G poderá ser marcado por desproporção e concentração.
Enquanto o Distrito Federal tem 99,66% de cobertura 4G, o Amazonas tem apenas 0,82%.
O fato é que, sem uma política pública de distribuição de conectividade, o 5G vai nascer desigual e vai proporcionar ainda mais desigualdade.
Segundo a pesquisadora da Unicamp, Marina Martinelli, doutoranda do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (IG), seria o caso de se criar um Plano Nacional de Banda Larga para o país, algo que integre o setor empresarial e o público excluído do processo de desenvolvimento tecnológico.
Em resumo, e já respondendo à pergunta que abre este último tópico: o 5G não é solução para o problema dos desertos digitais na educação brasileira. Ele é, em verdade, uma poderosa ferramenta de inclusão e de acessibilidade. Mas quem o controla precisa querer proporcionar isso.
Enquanto isso, seguimos correndo entre montanhas de areia e sal.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.