Os Fabelmans (2022)
Em 2015, quando eu trabalho em um estúdio de desenhos animados aqui de Porto Alegre, fui questionado pelo diretor do estúdio sobre quem seria, em minha opinião, o melhor diretor de todos os tempos. Acredito que a impressão dele a meu respeito fosse a de um cinéfilo pedante, e que provavelmente responderia o nome de um cineasta obscuro do período pré-guerra, de quem somente um grupo muito seleto de arrogantes estudiosos de cinema haviam ouvido falar sobre. Ouvi uma exclamação de escárnio quando não titubeei para dizer: “Spielberg”. Como poderia um cara que via tanto filme como eu designar a um cineasta tão… popular (acho que foi a palavra dele) como o maior de todos os tempos. Eu não lembro de ter tentado explicar, mas sei exatamente porque disse isso. E Os Fabelmans, que assisti na última quarta-feira a convite da Universal Studios me lembrou exatamente o porquê.
Os Fabelmans é uma obra de ficção declaradamente baseada em fatos reais. Autobiográfica, pra ser mais exato. Desde seu anúncio, grande parte das expectativas aplicadas ao filme se davam pelo fato de que o filme seria uma espécie de abertura de uma cápsula do tempo daquele que é um dos maiores (senão o maior) de sua época. Eu posso revisitar esse filme em um momento futuro, não muito distante dado o tempo em que vivemos hoje, mas enquanto este filme estiver em exibição nos cinemas, minha primeira e maior recomendação é: vá e assista na maior tela possível. Sem sombra de dúvida a experiência de assistir a esse filme nos cinemas tem um peso fundamental. Justamente por o filme se debruçar em um resgate emocional dessa experiência, tão modificada pelos eventos mundiais recentes e transfigurada pelos novos meios de fruição do cinema (streamings, em grande parte).
Dito isso, tentarei o máximo possível manter esse texto completamente livre de spoilers, mas com a intenção de transmitir o que senti assistindo ao filme, e se possível, convencê-lo, caro leitor, a fazer o mesmo. Ao sair do cinema, fui questionado pelo rapaz que organiza os eventos da cabine sobre o que achei do filme. Só havia uma palavra em minha mente: inesquecível. Não acho que qualquer outro adjetivo daria conta de descrever para mim o que vi. Spielberg é um prolífico e talentosíssimo diretor. E confesso que a estatura artística que ele sempre teve em minha vida, e sou de uma geração que cresceu o assistindo não apenas como diretor em E.T, Tubarão e Contatos Imediatos de Terceiro Grau, como tendo ele como uma figura mitológica de nosso espírito dos tempos. Associa-se a isso o fato de que a carreira dele é tão influente que muitos dos grandes diretores que têm mais ou menos a minha idade nos dias de hoje (ie.: Jordan Peele, Edgar Wright, M. Night Shyamalan) veem seu trabalho como pedra fundamental do próprio trabalho. Em Os Fabelmans, Spielberg revisa e explica, de forma muita singela e relacional como isso se deu.
Tanto cômico quanto trágico, elementos presentes na maioria de seus filmes, a narrativa se desenrola de maneira natural e humana, parecendo replicar os campos emocionais de cada fase da vida do protagonista. Essa dinâmica é apoiada por um elenco extremamente adequado de novos talentos, sustentados de maneira muito gentil por grandes nomes como Paul Dano, Michelle Williams e Seth Rogen, cada um adicionando suas cores e toques para tornar seus personagens únicos. O filme se passa entre os anos 50 e 70, e o capricho da produção nos detalhes ampliam a imersão na história, aliados a uma fotografia impecável e a sempre trilha sonora de John Williams (parceiro de longa data de Spielberg) harmonizam todos os elementos em uma narrativa simples, emocionante e puramente eficaz.
Os Fabelmans é uma jornada emocional concisa e gratificante. Em uma gaveta de categorias abstratas, guardo junto de filmes como Cinema Paradiso e A Noite Americana. Filmes que, ao lembrar-nos sobre porque amamos cinema, redescobrem o sentido dos próprios filmes em existir.
Marcel Trindade não é crítico de cinema, mas gosta de falar sobre. Você pode ver o trabalho dele como ilustrador em www.marceltrindade.com
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Este artigo foi escrito por Marcel Trindade e publicado originalmente em Prensa.li.