Os Mortos Vivos (1981): nada é o que parece
Imagem: IMBd
Você já imaginou o que moradores de cidades turísticas pensam dos turistas? Talvez você seja de um desses lugares e saiba a resposta para essa pergunta.
Quase uma década após dirigir o lendário “O Metrô da Morte” (nome original em Inglês, Raw Meat), lançado em 1972, o diretor Gary Sherman realizou um filme com uma história que abordava em sua superfície o que poderia acontecer com viajantes desavisados.
No longa “Os Mortos-Vivos” (em Inglês, Dead & Buried), que teve sua estreia em 1981, não há cadáveres em decomposição aqui, gemendo e cambaleando em torno de um estacionamento de carros usados em sua lenta e interminável busca por carne viva.
Na verdade, chamar de filme de zumbi pode ser considerado propaganda enganosa aos olhos da maioria dos espectadores. Mais precisamente, é uma história de detetive obscura, atmosférica e complicada que gradualmente evolui para um filme de terror excêntrico.
As mudanças no roteiro
O roteiro original criado por Jeff Millar e Alex Stern era uma comédia de humor negro com alguns elementos de terror.
O texto foi então reescrito pelos roteiristas Ronald Shusett e Dan O'Bannon, que participou do roteiro de “Alien - O 8º passageiro”, de 1978 (mais tarde este seria um argumento de marketing para vender “Os Mortos Vivos).
Mesmo com essas intervenções, permaneceu uma comédia negra com alguns elementos de terror, o que foi mantido até o primeiro corte final do diretor.
Entretanto, a empresa que apoia o filme foi vendida duas vezes e os patrocinadores finais decidiram que o filme deveria ter outra abordagem, com mais sangue e menos humor, pois isso vendia mais naquela época.
Então, depois que o filme estava na lata e os distribuidores estavam felizes e prontos para rodar, representantes dos novos donos do estúdio fizeram modificações.
Muita comédia foi cortada, novas cenas de sangue foram filmadas e inseridas, e a imagem foi reeditada e reorganizada, deixando várias cenas muito desconcertantes se você prestar atenção.
Assim, para assegurar que ninguém tentaria ressuscitar o interesse na versão original, todas as cópias existentes foram rastreadas e queimadas.
Uma curiosidade que vale citar é a presença de Robert Englund, interpretando um motorista de guincho, um pequeno papel. Poucos anos depois, ele se tornaria o icônico Freddy Krueger (A hora do pesadelo).
A trilha sonora e a história
O estranho é que, mesmo depois de tudo isso, “Os Mortos Vivos” ainda funciona. Mesmo que não seja mais a comédia negra que pretendia ser, o termo “excêntrico” ainda se aplica em vários níveis, desde o trabalho de câmera sutil e (intencionalmente) desorientador, até a trilha sonora.
Os temas sonoros acompanham os personagens e o clima da vila de pescadores de Potter's Bluff, localizada no estado do Maine (EUA). O local é pequeno, sombrio e envolvo em neblina.
A história do longa envolve William G. Dobbs (interpretado por Jack Albertson), um agente funerário alegre, mas sinistro que reanima os mortos para seu próprio entretenimento.
Tudo sobre o filme está um pouco desequilibrado, e essa era a intenção de Sherman.
Ele projetou cada tomada para deliberadamente, mas silenciosamente, deixar o público desconfortável, como as composições perfeitamente equilibradas no estilo Kubrick ao fato de que (com exceção de sangue e uma blusa cuidadosamente selecionada) a cor vermelha não é encontrada em nenhum lugar do filme.
No final do filme, ele até transformou a frase de vizinhança “Bem-vindo ao Potter’s Bluff” em uma ameaça.
O irônico é que, apesar de todos os truques artísticos, todo o trabalho que ele colocou para fazer um filme que foi um passo além da típica história de zumbi, o filme é lembrado até hoje por duas cenas sangrentas.
As sequências foram criadas pelo diretor e especialista em efeitos visuais, Stan Winston: uma agulha hipodérmica no olho de uma vítima de queimadura, e a recomposição em uma única tomada de um cadáver maltratado e apodrecido em uma bela jovem (Lisa Marie).
Por mais notáveis que sejam, é uma pena que ofusquem o resto do filme.
Voltando ao enredo, o xerife Dan Gillis (James Farentino) começa a desconfiar que algo estranho acontece em Potter's Bluff.
Sempre que um turista, um caroneiro, um visitante de qualquer tipo passa por sua cidade, eles acabam brutalmente assassinados.
O que ele não percebe é que eles estão sendo brutalmente assassinados por um bando quieto, mas cruel de moradores, que tiram fotos de suas vítimas antes de incendiá-las ou espancá-las até a morte com pedras.
O xerife leva a maior parte do filme para descobrir que esses mesmos visitantes assassinados reaparecem alguns dias depois com novas identidades e novos empregos, agindo como se tivessem crescido em Potter's Bluff. O curioso é que todos parecem os conhecer e consideram que eles sempre estiveram na vila.
Dessa forma, até mesmo a esposa do xerife, Janet (Melody Anderson), não escapa da investigação.
Conceito e ideias diferentes
É tudo muito sombrio e muito divertido desvendar ao lado do excelente personagem do xerife Dan. Um homem simpático, interpretado de forma excelente por James Farentino.
Embora ele esteja longe de estar sozinho como um grande personagem interpretado por um grande ator. Jack Albertson como o excêntrico agente funerário da cidade se transforma em uma atuação memorável.
Sempre será lembrado por seu papel em “Charlie e a Fábrica de Chocolate”, de 1971, como Vovô Joe, essa performance está lá para causar impacto.
O elenco de apoio são todos muito, ótimos também. Você vai se lembrar de seus personagens. Especialmente porque eles estão todos envolvidos no segredo sombrio desta cidade de alguma forma.
Mesmo que não fosse o filme que deveria ser, “Os Mortos Vivos” ainda é um filme com mais arte do que você esperaria do gênero, pois apresenta um grande estilo e inteligência.
Sua história brincou com alguns conceitos interessantes e ideias instigantes e levou todo o conceito de um “filme de zumbi” em uma direção radicalmente diferente.
Da mesma forma que “Halloween III - A Noite das Bruxas” (em Inglês, Halloween III: Season of the Witch), lançado no ano seguinte (1982), “Os Mortos Vivos” foi algo completamente diferente do que estava em cartaz nos cinemas.
Assim, não deu ao público o mais do mesmo que esperavam e exigiu que prestassem um pouco mais de atenção e refletissem um pouco.
Por isso, vale muito a pena dedicar 94 minutos do seu tempo para assistir “Os Mortos Vivos”.
Este artigo foi escrito por Thais de Paula e publicado originalmente em Prensa.li.