Paciente 63: entre a ficção e a física
Arte de capa do podcast "Paciente 63" (Créditos: Spotify)
Aquele parecia ser um dia comum para a Dra. Elise Amaral. Seu dia-a-dia como médica psiquiatra seguia no vai e vem do consultório, atendendo seus pacientes e prescrevendo tratamentos e medicamentos.
Contudo, a chegada de um misterioso homem abalaria sua história, de um jeito que ela jamais poderia imaginar.
Encontrado desorientado em uma via pública, ele parecia não falar coisa com coisa. Com uma disposição invejável, defendia até o último suspiro que era um viajante do futuro, do ano de 2062.
Questionado sobre o que ele estaria supostamente fazendo no passado, o homem afirmou que tinha uma missão, e seu sucesso seria determinante para a sobrevivência da humanidade.
Nas mãos de Dra. Elise estava uma importante decisão: acreditar ou não acreditar nessa narrativa absurda?
Essa é a premissa básica do podcast Paciente 63, uma produção original Spotify que conta com o protagonismo de Mel Lisboa e Seu Jorge vivendo os papéis principais.
Seu Jorge e Mel Lisboa nos bastidores das gravações (Foto: Bruno Poletti/Spotify)
Num misto de ficção científica, reflexões sobre memória e história, e um mergulho pelo funcionamento da mente humana, sem dúvida este é um programa que vale cada minuto de escuta, com os fones bem ajustados, para não perder nenhum detalhe.
Uma distopia entre presente, passado e futuro
A narrativa evolui a cada episódio, aumentando a frequência e a velocidade a cada descoberta. Acompanhamos os eventos a partir das gravações da Dra. Elise, que está tentando compreender o que o paciente 63, Pedro Roiter, lhe explica a cada sessão.
Seguindo sua história, descobrimos que o mundo tal qual conhecemos havia chegado ao fim a partir de um vírus letal, de codinome Pegasus. Até chegar nele, uma série de eventos desencadeariam uma grande contaminação em níveis mundiais, ao ponto de impossibilitar a vida na Terra.
Os sobreviventes, entrincheirados em colônias, desenvolveriam um sistema de viagem no tempo, com o intuito de combater ou mesmo inibir o nascimento do super vírus.
O apocalipse não é mais zumbi. Os vírus são os novos agentes do caos no podcast Paciente 63 (Imagem/reprodução: Climainfo)
Ouvindo atentamente a tudo isso, a Dra. Elise trafega pelo ceticismo completo e pela sedução de acreditar em algo tão incrível.
Paciente 63 constrói sua narrativa num contexto em que o coronavírus já se tornou um dos agentes infecciosos mais importantes do século XXI.
Se até os anos 2000 nosso medo era de uma invasão alienígena, ou de um cataclisma cósmico universal que decretasse o fim do planeta, hoje, num mundo pós-pandêmico, são os vírus que inspiram o medo de um futuro incerto, um futuro que pode guardar a aniquilação humana.
O efeito “Garnier Malet”
Como a viagem ao passado acontece? O homem do futuro diz que graças à compreensão de como o “efeito Garnier Malet” poderia estabelecer uma ponte entre futuro e passado através de linhas do tempo paralelas.
A teoria do desdobramento do tempo foi desenvolvida por Jean Pierre Garnier Malet, Físico (PhD em mecânica dos fluidos), autor da Teoria da duplicação do espaço e do tempo (The Doubling Theory, 1988).
Essa teoria trata da perspectiva de que nós existimos também em tempos subliminares que não são processados pelo cérebro consciente. Ou seja, pode haver tempos imperceptíveis presos entre dois tempos perceptíveis. Como linhas do tempo de uma realidade paralela.
Desse modo, no podcast Paciente 63, os seres humanos do futuro viajariam entre essas linhas do tempo, retornando a um ponto em que pudessem fazer algo para impedir a catástrofe final.
Claro, isso vai muito além do que o físico Garnier Malet escreveu sobre este assunto. É a liberdade poética do autor Julio Rojas, um dos roteiristas mais aclamados do Chile e entusiasta de ficção científica.
Mas é tentador imaginar: e se fosse possível?
Ouvir histórias, uma experiência ímpar
Sempre fui fascinado em ouvir histórias. Das contadas por meu pai às escritas no papel, é como se eu pudesse viver vidas que jamais teria a oportunidade nessa linha do tempo.
Lembro-me de um vinil antigo com contos de bruxas, príncipes e princesas que ouvi na casa de minha avó há décadas. Eu tinha muito medo mas, ao mesmo tempo, precisava ouvir o que iria acontecer no final.
Ouvir Paciente 63 foi ter esse gostinho de volta. Com um roteiro escrito de modo fenomenal e com vozes capacitadas dando vida aos personagens, não estaria exagerando ao dizer que o ouvinte pode maratonar todos os episódios das duas temporadas sem nem sentir o tempo passar.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.