Paço da Liberdade: História, cultura e espaço de interação social
A construção
A primeira Prefeitura e também Câmara de Vereadores de Curitiba foi inaugurada em 24 de fevereiro de 1916, a fim de atender às demandas da cidade que, em constante crescimento, necessitava de um administrativo mais bem consolidado do que reuniões na igreja ou em casas de vereadores ou de moradores da região.
O então prefeito era Cândido Ferreira de Abreu, conhecido por seus projetos de urbanização. O presidente de estado (cargo correspondente ao de atual governador) era Carlos Cavalcanti de Albuquerque. O diretor de obras municipais era Adriano Gustavo Goulin, e o arquiteto foi Roberto Lacombe.
A escolha do lugar não foi por acaso. O prédio foi erguido exatamente onde antes funcionava o Mercado Municipal, inativo desde 1912, e utilizou recursos da antiga construção para erguer a nova.
A obra, idealizada desde 1913, começou a ser realizada em 1914, e levou 560 dias para ser concluída. Além dos materiais do antigo mercado, as diversas matérias-primas vinham de outras partes da cidade e do estado, com o objetivo de incentivar o desenvolvimento da região.
Todo o Centro, atualmente chamado de Histórico, na época crescia em torno da construção da Prefeitura. Por isso, outro marco importante é a estátua do Barão do Rio Branco. Feita de bronze, está no mesmo lugar desde dezembro de 1914, em homenagem ao barão que é considerado o Patrono da Diplomacia Brasileira.
De frente para o prédio da Estação Ferroviária, a estátua representa um olhar voltado ao futuro, e tinha como intenção servir de guia a quem chegava de trem à cidade, mostrando o caminho até o Paço Municipal.
O prédio foi construído com uma arquitetura eclética, com a mistura de diversas tendências. É extremamente imponente e reflete a imagem desejada para Curitiba. Todos os componentes, da decoração à escolha de materiais, são cheios de significado.
O dia da inauguração também é bastante simbólico, pois remete à data da Promulgação da 2ª Constituição Federal, a 1ª republicana, em 1891.
Há alguns elementos trazidos do exterior, como o telhado, vindo da Bélgica, e o elevador, o primeiro de Curitiba, fabricado pela empresa estadunidense Otis Elevator Company. Todavia, o objetivo da importação também era o desenvolvimento da cidade.
O edifício abrigou o gabinete de 42 prefeitos, até 1966, e reuniões de vereadores até 1955. A mudança da prefeitura para o Centro Cívico deve-se à idealização de Curitiba com um espaço maior, onde os serviços públicos estivessem concentrados.
A decadência
De 1973 a 2002, o paço abrigou o Museu Paranaense (MP). Embora ser a sede do museu significasse receber pessoas para exposições e ter uma equipe toda trabalhando intensamente dentro do prédio, a partir de 1980 problemas surgiram. Havia necessidade de reparações, pois a construção estava se degradando, e também era preciso aumentar o corpo funcional. Todavia, as exposições continuaram acontecendo.
O acervo ganhou visibilidade e comentários positivos na imprensa. Porém, o prédio tornou-se alvo de matérias a respeito das condições precárias de conservação. Tudo indicava a necessidade de revitalização doa estrutura.
Em 2002, o MP migrou para nova sede no Largo da Ordem. Por 5 anos, o Paço da Liberdade ficou completamente abandonado.
Em 07 de julho de 2006, foi assinado o Decreto de Permissão de Uso do Paço, dando ao Sistema Fecomércio Sesc Senac PR o direito de usar o monumento como centro cultural nos 25 anos seguintes.
Houve então o início da restauração, cujos responsáveis foram Abrão Assad e Humberto Fogassa.
A revitalização: estrutura original resgatada
O objetivo da revitalização foi manter o prédio do Paço da Liberdade fiel à sua aparência original. Muitos dos detalhes do exterior haviam caído ou estavam danificados e partes da tubulação foram roubadas enquanto o prédio ficara abandonado. O objetivo foi cumprido.
Após 2 anos de intervenção, o exterior sustenta a grandiosidade de quando foi construído, e as estátuas agora podem ser vistas em um estado perfeito, com todo o significado que possuem.
Na alta arcada da entrada principal, dois grandes “Hércules” sustentam o prédio e, sendo um velho e outro jovem, representam a força da mocidade e a sabedoria da velhice, bem como caracterizam os poderes executivo e legislativo. Há leões indicando poder. E acima, Curitiba está representada na forma de uma moça que segura uma tocha, a esperança.
Na lateral do prédio, as portas contam com esculturas de bagres, que limpam as entradas e saídas, demonstrando a intenção de obter uma política pura. No alto, um menino e uma menina mostram que a cidade ainda estava em crescimento.
Por toda a volta, a erva-mate é entalhada nas paredes, símbolo da economia daquele tempo.
Do lado de dentro, as simbologias também estão presentes.
Detalhe dos entalhes no saguão
O saguão, único cômodo restaurado completamente, isto é, com absolutamente todas as características originais, exibe rostos de ninfas, que podem ter muitas interpretações. Também apresenta como características marcantes a erva-mate e o café.
Há mais duas salas que foram recriadas para mostrar como eram antigamente. Embora os móveis não sejam originais, a sala de reuniões com os vereadores e o gabinete do prefeito (a sala Cândido de Abreu), foram recriadas de forma a dar uma dimensão de como as coisas funcionavam naquele tempo.
Os móveis também são tombados e a prefeitura concede uma permissão de uso que é revista anualmente, a fim de verificar se estão sendo cuidados. Entretanto, esses recintos contam também com objetos que realmente estiveram na sala, como o telefone e a câmera fotográfica do prefeito.
A orientadora de atividades do centro cultural, Maria Luiza Gomes, comentou a respeito desses cômodos. Disse que são interessantes pela questão cultural que envolvem. “Essa sala é uma sala mais cultural, pela questão da cultura, de como viviam as pessoas neste período.
Então... a cadeira namoradeira, como era a cultura da época, como se comportavam as pessoas... Mas isso eu abordo muito com os menores para perceberem como era, perguntarem para os mais velhos como era na época deles e saber como a gente teve um avanço”, declarou.
Ainda sobre os móveis e estruturas antigas do prédio, Maria Luiza comentou sobre a reação que as crianças têm ao visitarem. “Crianças quando vêm ao prédio, é o mais legal de tudo. Porque elas olham e caracterizam as semelhanças com outros personagens, com os desenhos. Me falaram (...) que o piano é igual ao da Bela e a Fera, (...) que o prédio é igual ao do Percy Jackson e por aí vai, a imaginação vai longe.”
O espaço cultural
As demais salas foram revitalizadas também, mas transformadas para que possam ser utilizadas. Em todos os cômodos, uma parte da parede mostra como era a pintura original, descoberta debaixo de cerca de 11 camadas de tinta que foram removidas pela equipe da intervenção, e o restante das paredes possui pintura normal, simples.
Além dos espaços administrativos, o centro cultural possui muito a oferecer. A biblioteca tem riquíssimo acervo, pode ser consultada por qualquer um, e para fazer empréstimos, basta fazer um cartão.
Há um café cultural, sala de informática, um cinema gratuito, uma livraria que incentiva autores regionais e um estúdio que estabelece um acordo que auxilia músicos autorais.
Há também uma sala de recitais, com capacidade para 66 pessoas, e que tem apresentações toda quinta-feira devido a uma parceria com a Embap (Escola de Música e Belas Artes do Paraná), e um museu, que expõe as obras dos participantes das diversas oficinas que estão sempre acontecendo por lá.
Durante a revitalização, algumas estruturas do Mercado Municipal foram encontradas, não só da prefeitura. Parte do chão do antigo mercado estava em perfeito estado, e pode ser vista através de um vidro no chão.
Entrada principal do Paço, praça Dr. Generoso Marques
As inovações
Obviamente, novas estruturas foram colocadas, como um elevador que substitui o centenário elevador a manivela, que não funciona mais, mas pode ser visitado.
Novo encanamento, fiação, lâmpadas, entre outras estruturas, são bem diferentes das originais, para destacar que não estavam lá antes, e não levar o público a uma confusão entre os diferentes períodos históricos.
Embora a restauração tenha sido minuciosa para que a aparência fosse a original, algumas características foram mantidas de modo a evidenciar o descaso que o prédio suportou, porque esse é um importante registro histórico.
O teto do último andar ruiu enquanto o prédio estava abandonado, e a nova estrutura não segue estritamente a anterior. Ao contrário, possui claraboias, que foram muito propícias para a instalação do museu naquele piso.
No andar térreo, o corredor guarda as marcas da época em que abrigou moradores de rua e até usuários de drogas. Maria Luiza articulou a respeito da conscientização.
“Nós trabalhamos aqui com a educação patrimonial. (...) Dentro desse projeto, os alunos vêm aqui, fazem monitoria, vêm até o prédio e tem toda uma questão bem focada no patrimônio para divulgar e conscientizar as crianças e familiares sobre a importância da conservação do patrimônio.”
Serviço
As visitas guiadas são gratuitas e atendem turmas de até 35 pessoas. Basta agendar um horário pelo telefone 3234-4200.
O Paço fica aberto de terça à sexta das 10h às 20h, aos sábados das 10h às 18h, e aos domingos e feriados das 10h às 17h.
Muitas das atividades culturais são gratuitas e merecem ser acompanhadas pelo site: Sesc Paço da Liberdade abre exposição com desenhos do artista tcheco Jiří Voves – Sesc Paraná (sescpr.com.br)
Mais informações pelo email: pacodaliberdade@sescpr.com.br.
Este artigo foi escrito por Giovana Lucas e publicado originalmente em Prensa.li.