Pandemia acabou? Pessoas acham que sim, vírus mostra que não
Desde março de 2020, a Covid-19 entrou definitivamente na rotina brasileira. Até hoje, 27 meses depois, as vítimas fatais aproximam-se de 680 mil e o número oficial de casos de 34 milhões. Os dados oficiais servem para demonstrar a evolução da doença, mas sua precisão é contestada não apenas no Brasil, mas no mundo todo. Especialistas apontam que o número de casos deve ser três vezes maior e número de mortes idem.
Pesquisa publicada na revista The Lancet estima em 18 milhões as mortes nos dois primeiros anos da pandemia. É um número maior que a população residente em 128 dos 193 países reconhecidos. É o equivalente a um Equador ou duas áustrias que deixasse de existir.
A partir do terceiro decêndio de maio, entramos na quarta onda. Na Europa e Japão, as autoridades sanitárias consideram que os países estão na sétima onda. É um conceito físico, ligado principalmente ao aumento do número de casos. Os fatores que determinam o movimento da pandemia estão ligados a novas variantes, ritmo de vacinação e clima.
Vacinação em marcha lenta
Desde abril, o ritmo global da vacinação cresce mais lentamente. Em 12 de janeiro, 60 % da população mundial havia tomado pelo menos uma dose. Em 22 de julho, são 67,8%. A segunda dose cresceu mais. No mesmo período foi de 51,2 % para 63,3%. As curvas gráficas vão se aproximando, todavia temos mais de 30% da população mundial ainda sem imunizante. São 2,3 bilhões de pessoas.
Fenômeno semelhante ocorre no Brasil, mas com variações. Há um pequeno período de queda no ritmo entre fim do ano passado e meados de janeiro. Entre 12 de janeiro e 17 de julho, foi de 78,5 a 87% com a primeira dose. A segunda dose subiu de 68,2 para 79,8%. Da mesma forma, as curvas se aproximaram. As informações são da publicação digital Our World in Data.
Considera-se vacinação completa com duas ou mais doses. As estatísticas do portal não indicam o percentual de quantos receberam três ou mais doses. Infere-se que os dados estão diluídos na faixa em que se observa a aproximação com a população imunizada com apenas uma dose.
No Brasil, há um mês 45,5% da população estava com a terceira dose. Atualmente, são 46,4%. Baixa adesão e gargalos na distribuição explicam a cobertura deficitária. Em junho, o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou 11 milhões de doses da Pfizer e Astrazeneca que venceriam neste mês. Outras 17 milhões de doses vencem em agosto. O Ministério da Saúde foi acionado para impedir a perda dos imunizantes que custaram R$ 1,3 bi.
Como as vacinas foram desenvolvidas com partes dos vírus original, sua eficácia está condicionada ao reforço com a 3ª dose e, em certos casos, com a 4ª dose, principalmente contra as formas graves da doença que levam à hospitalização, intubação e morte. A baixa adesão é preocupante pelo fato de que atualmente somente temos variantes do vírus de Wuham em circulação.
Por esta razão, os movimentos antivacina são particularmente nocivos ao estimularem a rejeição aos imunizantes. Podem ser responsáveis por aumentar a exposição da população ao patógeno e, consequentemente, ao aumento de casos graves e de mutações.
Vida que segue
A velocidade das mutações do vírus vem prejudicando as pesquisas que visam atualizar a vacina. Por exemplo, quando pesquisas eram realizadas para desenvolver o imunizante para as linhagens alfa e beta, a delta já havia se disseminado.
Vacinas específicas contra a ômicron e suas sublinhagens B.A. 1, B.A. 4 e B.A.5 podem começar a ser disponibilizadas entre setembro e outubro deste ano, possivelmente das farmacêuticas Moderna e Pfizer.
É imprevisível, porém, se até o lançamento da nova geração de vacinas outra variante de preocupação apareça e siga o mesmo roteiro de suas predecessoras. O abandono das medidas de proteção não ajuda. Quanto maior a circulação do vírus, maior é a ocorrência de mutações e as medidas profiláticas foram completamente abandonadas, exceto por alguns heróis da resistência.
Algumas prefeituras ensaiaram endurecer as regras sanitárias em espaços fechados privados, mas ficaram por isso mesmo. A exigência do uso de máscara, álcool em gel e restrições de acesso ficaram limitados ao setor de saúde público e privado e escolas. As transgressões são comuns, ainda assim.
Ainda refletindo as perdas econômicas e o peso das restrições individuais, a população deixou a prudência de lado. Paradoxamente, vasta parcela deixa de comparecer às unidades de saúde para receber o único medicamento capaz de impedir uma progressão grave da Covid.
Na cidade onde moro, Ribeirão Preto, máscaras são facilmente avistadas abandonadas pela rua, em terrenos baldios, calçadas e em locais de grande circulação. Despreocupado, o cidadão sequer se dá ao trabalho de descartar o material em local adequado. Cada um determinou para si até quando a pandemia da Covid-19 seria uma preocupação. E para a grande maioria, no momento, não é mais.
Enquanto isso, outra pandemia parece estar a caminho. É outro vírus. Infelizmente, nesses casos o que os olhos não veem o coração, os pulmões e todo o corpo sentem.
Este artigo foi escrito por Renato Assef e publicado originalmente em Prensa.li.