Pandora Papers expõe offshores e riquezas secretas
Riquezas ocultas. No começo de outubro, a caixa de Pandora foi aberta, revelando os segredos financeiros de políticos, bilionários e da elite global no mundo offshore.
A investigação chamada Pandora Papers se baseia em um vazamento de 11,9 milhões de documentos confidenciais envolvendo negócios e ativos ocultos de mais de 330 políticos e funcionários públicos de alto escalão em mais de 90 países, incluindo 35 líderes mundiais.
Do que é feito o Pandora Papers:
6,406,119 documentos (mais de 4 milhões de PDFs;
2,937,513 imagens;
1,205,716 e-mails;
467,405 planilhas;
3,497 áudios;
1,421 vídeos.
Até mesmo Embaixadores, ministros, assessores presidenciais e generais dão as caras nos arquivos.
A apuração foi realizada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), uma rede de jornalistas sem fins lucrativos centrada em Washington, D.C. Foram quase dois anos organizando e liderando uma investigação que abrangeu mais de 600 jornalistas em 117 países.
Jornais do mundo (mas não do Brasil) deram destaque ao caso - poder 360
Participaram da investigação Washington Post, Le Monde, El País, The Guardian e BBC, entre outros. No Brasil, quatro veículos integraram o Pandora Papers:
Metrópoles;
Agência Pública;
a revista Piauí;
o site Poder 360.
As pistas levaram os repórteres a diversos lugares, como uma mansão à beira de um penhasco na Califórnia, uma plantação de açúcar na República Dominicana, uma fábrica poluidora na Itália, arranha-céus em Dubai e um hospital turco onde trabalhadores alegavam maus tratos.
Os documentos obtidos se estendem por cinco décadas, sendo a maior parte de 1996 a 2020. Durante a investigação, os repórteres conseguiram registros financeiros contendo 2,94 terabytes de informações confidenciais de 14 provedores de serviços offshore.
O Gráfico “Quão grande é o Pandora Papers” faz um comparativo com investigações passadas, Panama Papers e Paradise Papers.
O que há de diferente sobre esse vazamento?
Além de mais terabytes envolvidos, os 14 provedores apresentavam diferentes formas de organizar informações. Alguns documentos eram categorizados por cliente, por escritório e outros nem mesmo apresentavam sistema de organização. Havia casos em que um único documento continha anos de e-mails e anexos.
Outra dificuldade estava no fato de parte dos provedores terem digitalizado seus registros em planilhas, e outros mantiveram arquivos de papel, que posteriormente foram digitalizados.
O que são Offshores
Offshores são empresas em paraísos fiscais, cuja finalidade pode ser desde economizar nos impostos, ocultar patrimônio até proteger ativos contra risco político ou confisco, como ocorreu no Brasil em 1990.
Estas empresas estão localizadas em países com pouca transparência e fiscalização. Segundo dados divulgados em julho de 2021 pelo Banco Central, entre os principais paraísos fiscais temos:
Ilhas Cayman: US$ 69,7 bilhões (ativos em contas);
Ilhas Virgens Britânicas: US$ 60,5 bilhões;
Bahamas: US$ 53,5 bilhões;
Luxemburgo: US$ 23,5 bilhões;
Panamá: US$ 9,1 bilhões.
Possuir offshores no Brasil não é ilegal, desde que você faça uma declaração à Receita Federal. A empresa também precisa ser declarada ao Banco Central, caso os ativos da empresa ultrapassem US$ 1 milhão.
Alguns exemplos de riquezas reveladas pela investigação:
O rei da Jordânia comprou três mansões à beira-mar em Malibu através de três empresas offshore por US$ 68 milhões.
O Gráfico “Quanto o Rei da Jordânia gastou com propriedades no Pandora Papers” revela que Abdullah comprou 14 propriedades no Reino Unido e Estados Unidos usando offshores, entre 2003 e 2017.
O ex-primeiro-ministro britânico, Tony Blair, e sua esposa, Cherie, economizaram 312 mil libras (R$ 2,3 milhões) em impostos quando compraram um edifício no centro de Londres.
O primeiro-ministro populista da República Tcheca, Andrej Babis, que havia se manifestado contra a corrupção, comprou um castelo de US$ 22 milhões na Riviera Francesa através de empresas offshore.
Um membro de uma das famílias mais poderosas da Guatemala tinha mais de US$ 13 milhões escondidos em segredo nas Grandes Planícies dos Estados Unidos.
Quem está no Pandora Papers?
Os documentos expuseram 130 bilionários de 45 países, incluindo 46 oligarcas russos que tinham participação secreta em offshores.
A América Latina, por exemplo, possui 3 presidentes e 11 ex-presidentes na lista:
Sebastián Piñera, presidente do Chile;
Luis Abinader, presidente das República Dominicana;
Guillermo Lasso Mendoza, presidente do Equador;
Laurent Salvador Lamothe, ex-primeiro-ministro do Haiti;
Porfirio Lobo Sosa, ex-presidente de Honduras;
Horacio Cartes, ex-presidente do Paraguai;
Andrés Pastrana, ex-presidente da Colômbia;
César Gaviria, ex-presidente da Colômbia;
Francisco Flores, ex-presidente de El Salvador;
Alfredo Félix Cristiani Burkard, ex-presidente de El Salvador;
Juan Carlos Varela, ex-presidente do Panamá;
Ernesto Pérez Balladares, ex-presidente do Panamá;
Ricardo Martinelli Berrocal, ex-presidente do Panamá;
Pedro Pablo Kuczynski, ex-presidente do Peru.
Algumas celebridades também estão na lista. Quem não se lembra quando a cantora colombiana Shakira foi acusada de sonegação de impostos? Bem, a investigação comprovou o fato. A modelo alemã Claudia Schiffer e o cantor espanhol Julio Iglesias foram mencionados também.
Em todo lugar encontramos um brasileiro...
E no caso do Pandora Papers, temos 1.897 brasileiros e pelo menos 27,1 mil offshores mencionados em sua base. Isso deixa o Brasil em 5º lugar no ranking de pessoas envolvidas em cada país.
Constam, neste grupo:
Os irmãos Andrea, Eduardo e Fernando Parrillo, donos do plano de saúde Prevent Senior
Além de ser alvo da CPI da Covid, a rede de hospitais, Prevent Senior, é mencionada na investigação do ICIJ. Os irmãos Parrillo são donos de quatro offshores: a Shiny Developments Limited, a Luna Management Limited, a Hummingbyrd Ventures Limited e a Grande Developments Limited. As empresas têm cerca de US$ 9 milhões em ativos.
Flávio Rocha, dono do grupo Guararapes (Riachuelo) e quase candidato à Presidência da República em 2018
Nos documentos da investigação, consta que Flávio é diretor reserva da offshore Cruzcity Holdings, e sua mulher, Anna Claudia Klein Rocha, é a diretora titular. Segundo documento de criação da organização, a Cruzcity possuía US$ 1 milhão destinados a investimentos em 2016. O dinheiro estava em uma conta do banco J. Safra Sarasin de Genebra, na Suíça.
Pedro e Alexandre Grendene, os donos da Grendene e Azaleia
Não é a primeira vez que os irmãos são alvo de investigações do ICIJ. Suas offshores já foram citadas no Bahamas Leaks (2016) e no Paradise Papers (2017). Agora, quatro anos depois, Pedro e Alexandre aparecem como donos de três offshores, uma delas com US$ 20 milhões em ativos.
O patriarca da família Menin, Rubens Menin, e seus filhos, donos da MRV, do Banco Inter e da CNN Brasil, entre outras empresas;
A família Menin fez parte de operações empresariais de ampla reverberação como a criação da CNN Brasil. O Pandora Papers mostrou a existência de quatro offshores, com pelo menos US$ 82,2 milhões em ativos. Uma delas é a Costelis International Limited, com jurisdição nas Ilhas Virgens Britânicas.
Para abrir esta offshore, a família Menin contou com os serviços da Trident Trust, uma das maiores organizações especializada em abrir offshores em paraísos fiscais, sendo a empresa com a maior quantidade de arquivos no Pandora Papers.
Carteira vazia
O Pandora Papers puxou a cortina e expôs os 66 dos maiores devedores brasileiros de impostos, cujas dívidas somam 16,6 bilhões de reais. Dentre eles, estão o empresário Eike Batista, o ex-deputado José Janene, estrela do Mensalão e morto em 2010, até desconhecidos do público em geral.
No caso de Eike Batista, o empresário já foi conhecido como a pessoa mais rica do Brasil. Atualmente, ele tem uma dívida de 3,8 bilhões de reais. Seu nome está relacionado a duas offshores, a Farcrest Investment e Green Caritas Trust.
E quem disse a lista para por aqui?
Paulo Guedes, Ministro da Economia, e Roberto Campos Neto, Presidente do Banco Central do Brasil (BC), também foram expostos pela investigação. Guedes afirmou que todas as suas atividades privadas foram declaradas à Receita Federal e são legais.
“Toda a atuação privada do Ministro Paulo Guedes, anterior à investidura no cargo de ministro, foi devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes, o que inclui sua participação societária na empresa mencionada” na investigação, informou a assessoria do ministro em uma nota.
Já Campos Neto, informou em nota, que suas empresas foram declaradas à Receita Federal e “constituídas há mais de 14 anos”, com rendimentos obtidos “em 22 anos de trabalho no mercado financeiro”.
Trecho de documento de Campos Neto ao Senado, em 1º de janeiro de 2019, comprometendo-se a não fazer investimentos no Brasil e no exterior enquanto estiver no cargo - Crédito: Poder 360
Caso seja provado o contrário, ambos podem ser enquadrados no primeiro parágrafo do artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, de 2000:
“É vedado o investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função, inclusive investimentos de renda variável ou em commodities, contratos futuros e moedas para fim especulativo, excetuadas aplicações em modalidades de investimento que a CEP venha a especificar.”
O que significa: funcionários de alto nível não podem manter aplicações financeiras passíveis de serem afetadas por políticas governamentais. Neste caso, Guedes e Campos Neto deveriam ter declarado à Comissão de Ética Pública (CEP) seus investimentos 10 dias antes de assumirem seus respectivos cargos.
Este artigo foi escrito por Luana Brigo e publicado originalmente em Prensa.li.