Pantanal: a correção de um erro histórico
Divulgação: TV Globo
Num momento em que Faustão na Band não é mais novidade, onde o BBB 22 já deu uma bela esfriada (aliás, vamos combinar que nem esquentou), e que o SBT já mudou a grade pela terceira vez no ano, o maior destaque da TV aberta recente foi uma… chamada (o equivalente a um trailer para o cinema).
Mas não foi uma chamada qualquer. Nem de algo realmente inédito. A TV Globo colocou no ar, com toda pompa e circunstância, a primeira divulgação de Pantanal, nova novela das nove que estreia em março.
Para quem não sabe, ou não estava por aí nos anos 1990, Pantanal foi o maior sucesso da história da TV Manchete, e o maior problema da história da TV Globo. Foram meses de derrotas históricas, botando à prova todas as estratégias da líder de audiência.
Indico dois artigos aqui na Prensa que contam bem essa historinha. Quer ler? Só clicar aqui e aqui, por favor.
Sucesso recorrente
A pedra no sapato era tão eficiente que a Manchete diversas vezes lançou mão de reprises, quando estava em uma crise, conseguindo recuperar pontos de audiência e investimentos publicitários. Foi assim até seu melancólico e desastroso fechamento em maio de 1999. Apesar de todo o sucesso, a TV dos Bloch tinha um calcanhar de aquiles, que era a administração.
A novela foi reprisada novamente na década de 2000 pelo SBT, e se não repetiu o sucesso das exibições da emissora original, conseguiu manter uma honrosa segunda posição sem fazer força.
Para a TV Globo, porém, Pantanal era uma mancha no currículo, que tentou apagar ou esquecer por quase três décadas. Tempo em que toda uma nova geração de telespectadores que desconheciam a história tornou-se adulta. Decidiu então corrigir o erro de meados dos anos 1980, quando recusou a ideia do autor, Benedito Ruy Barbosa. Era hora de produzir sua própria versão da novela.
Alanis Guillen: se não gostou, leva chumbo | Divulgação: TV Globo
Tirando a zagaia do peito
Adquiriu os direitos autorais do texto e entrou num processo de pré-produção que levou quase quinze anos. A princípio parecia apenas uma estratégia de não permitir que mais nenhuma emissora exibisse a trama (coisa que não deu certo, já que a própria reprise do SBT aconteceu depois desta aquisição, envolvendo as concorrentes numa batalha jurídica).
Finalmente, em 2018, houve o sinal verde para o remake, com previsão de estreia em 2020. Mas veio a pandemia e os tuiuiús voltaram para o poleiro. Agora, dois anos depois, chegou a hora da onça beber água… ou da mulher virar onça.
Diferente e igualzinha
Mas ao contrário de outras versões e adaptações, onde a Globo fez modificações estruturais e estéticas bastante significativas, a versão de Pantanal, a se concluir pela bela chamada, será extremamente fiel à produção original.
A começar pela fascinante trilha sonora de Marcus Viana, que até o último minuto negou veementemente ter sido contactado pela emissora. Mas convenhamos: não seria Pantanal sem a música de Pantanal.
A estética é toda muito parecida, exceto por menos tons de verde e azul (presentes até na música tema!). O uso habitual de filtros de correção de cor em novelas da Globo é quase uma marca registrada, e isso acabou surrupiando um pouco da coloração mágica da região, uma das características marcantes da versão original. Pesa também o fato do desmatamento da região ter mexido bastante com a escala cromática.
Respeito à história
O elenco escalado é inspirado diretamente pela primeira versão: Alanis Guillen, a nova Juma Marruá, “emula” a interpretação e pronúncia de Cristiana Oliveira com perfeição; Jesuíta Barbosa, no papel de Joventino, tem as feições muito parecidas com Marcos Winter.
José Leôncio, brilhantemente interpretado por Cláudio Marzo na versão de 1990, agora é personificado por Marcos Palmeira, coincidentemente um de seus filhos na tela da Manchete. Enfim, como também diz a música, “os filhos dos filhos dos nossos filhos verão”. É sabido que deveremos ver participações especiais do elenco original no decorrer da produção.
No mais, todas as referências originais estavam lá: Maria Marruá pronta para expulsar invasores a tiros, banhos de rio, a natureza exuberante em planos longos e monumentais, mais banhos de rio, a onça, e o velho do rio (que aparentemente não toma banhos de rio), o que virava sucuri.
A nova Pantanal promete entregar mais que mais do mesmo: uma enorme e respeitosa homenagem a um trabalho lendário na televisão brasileira, valorizando a memória de uma equipe e de uma emissora que marcaram época.
Nas telas, o pantanal mato-grossense. Ou o que sobrou dele | Divulgação: TV Globo
“A maior força da natureza é o amor” ou “a indústria-riqueza do Brasil”?
Mas não fica só nisso: a retomada de novelas com temas rurais não é exatamente um acaso. Lembre-se que o Grupo Globo perpetra há cerca de dez anos uma campanha agressiva junto ao agronegócio brasileiro (“Agro é pop, agro é tudo”, lembram?) e nada melhor que seu produto de maior destaque valorizando o segmento, no momento em que a imagem anda bem manchada, sobretudo naquela região, além da Amazônia.
Eu volto.
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.