Para tanto conteúdo, muitas plataformas: como os adolescentes interagem com a informação
Imersos nas múltiplas formas de letramento, os adolescentes experimentam a informação enquanto navegam pelas mídias, de modo quase espontâneo.
O consumo de conteúdo nas diferentes faixas etárias
Os adolescentes são a perfeita transição entre as diferentes formas de acesso a conteúdo. Em uma sociedade informacional, sistema no qual a tecnologia e a comunicação assumem grande importância, a nova geração traz uma considerável facilidade em se adaptar aos novos meios, o que não quer dizer que deixe completamente de apreciar os tradicionais. Ao transitar entre as diferentes maneiras de produção e distribuição de informação, os jovens podem inclusive encontrar uma forma de divertimento.
A tecnologia avança muito rápido, e a realidade de transmissão de conteúdo muda no mesmo ritmo.
Em 2013, o Governo Federal divulgou a Agenda Juventude Brasil, um relatório bastante completo com a intenção de definir o perfil e os objetivos dos jovens do país. A pesquisa levou em consideração aspectos socioeconômicos e regionais, e teve por conclusão o costume dos adolescentes de se informarem pela televisão. A Internet ficou em segundo lugar. O mesmo relatório trouxe a informação de que em cada dez jovens brasileiros, nove tinham celular. Entretanto, não atentou para o uso das mídias sociais, jogos ou Internet como meio de pesquisa.
Fonte: Agenda Juventude Brasil, 2013.
Em 2016, o Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social) publicou uma nova análise (Direito à Comunicação no Brasil 2016). Para a população brasileira como um todo, a televisão era o meio mais utilizado. Todavia, essa relação tem variações dependendo da faixa etária. De acordo com o estudo, quanto maior a idade do usuário, maior o seu apego aos meios tradicionais (a TV e o rádio). Entre os jovens, a Internet recebe o destaque, com mais de 50% da preferência.
A desigualdade comunicacional no Brasil
Ainda que seja uma análise mais atual, a pesquisa do Intervozes retoma um dos aspectos sociais marcados na Agenda Juventude Brasil de 2013, ainda relevante: a Internet não é tão acessível quanto se pensa nas metrópoles. O fato de a televisão e o rádio terem um alcance maior no total da população é consequência de apenas 54% dos domicílios brasileiros estarem on-line. Ao colocar esse dado, o Intervozes cita a Pesquisa TIC Domicílios 2016 (pesquisa Tecnologia da Informação e da Comunicação). Ainda dentro desta taxa, há enorme disparidade entre as regiões do país e entre a zona urbana e zona rural.
As preferências no consumo de conteúdo da geração Z
Para além das questões socieconômicas, a geração Z tem peculiaridades que permitem as relações ambíguas de experimentação de novos meios e manutenção de formas tradicionais, que se justificam pelo próprio período histórico de globalização e hibridização no qual essa geração foi criada, com uma multiplicidade de estímulos informacionais.
Consumo adolescente de notícias
Em um questionário proposto de forma digital (criado na plataforma Google Forms e divulgado em grupos do Facebook) a 112 adolescentes de 13 a 19 anos, quase metade declarou ter o costume de consumir notícias. Os meios mais utilizados são o Facebook, sites de grandes jornais e o Twitter.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Das plataformas audiovisuais, prevalece a televisão, seguida de perto pelo YouTube e pelos stories e reels de redes sociais.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Uma das adolescentes que respondeu à pesquisa aceitou dar entrevista posteriormente – foi Emili Beatriz Caloi, de Curitiba, que à época da entrevista tinha 17 anos.
A adolescente Emili Beatriz Caloi, no pátio da escola em que estudava, em 2019. Foto: Acervo pessoal.
A respeito das notícias que consome, Emili afirmou a princípio que “vem tudo da TV”. Em seguida, acrescentou: “eu aprendo bastante coisa com o Twitter. De verdade. Fidelidade ao Twitter”. A adolescente estava no terceiro ano do ensino médio, e disse que acredita que todo conhecimento acrescenta, mas que parte da motivação em se informar é consequência da proximidade das provas de vestibular.
“Assisto à TV, e sigo alguns famosos e pessoas influentes no Twitter, Instagram, para saber o que a galera está falando, o que eles mesmos estão falando. Mas a minha escola e o fato de estar no terceirão influenciam muito na minha escolha por notícias”. Ela relatou que seus professores fazem de tudo para manter os estudantes informados. “A gente tem um grupo no WhatsApp e, qualquer coisa que acontece, os professores já mandam. No primeiro dia de aula, já estavam lá metendo assunto na gente”, brincou.
Consumo adolescente de conteúdos educacionais
Emili contou ainda que seu colégio está trabalhando na transição para um sistema de ensino parcialmente on-line, com provas, atividades, e partes de conteúdo teórico na rede, além do livro impresso. “O terceiro ano ainda está no modelo antigo, porque trocou ano passado, mas os professores procuram sempre passar sites e coisa pra gente ler”, explicou. Esse fenômeno foi intensificado após a pandemia de COVID-19, pois muitos colégios e universidades precisaram recorrer ao modelo de ensino remoto ou híbrido (e alguns podem até se manter no modelo híbrido) – como consequência, muito do conteúdo de ensino passou para a plataforma digital.
Quanto aos outros 111 adolescentes que responderam ao questionário, apenas 10 não estavam estudando – os demais cursam algum grau entre o ensino fundamental, médio, técnico e superior.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
O perfil socieconômico dos entrevistados foi bastante equilibrado, ao menos no que diz respeito a 'escolas públicas × privadas'.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Quanto ao conteúdo consumido pelos adolescentes em paralelo à demanda dos seus estudos, a maioria afirmou que costuma ler os textos e livros propostos pelos professores. Além disso, 71 adolescentes declararam procurar outros meios além das aulas para explicar os conteúdos, e 48 disseram buscar por livros que os professores recomendam.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Quanto às ferramentas mais utilizadas para buscar materiais de complementação aos conteúdos vistos na escola ou faculdade, entre os 112 adolescentes que responderam ao questionário, sites dividem o pódio com livros físicos e arquivos em PDF.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Consumo adolescente de Literatura
Além das notícias e matérias de aula, 75 disseram ler literatura por vontade própria, um tópico bastante interessante, especialmente se resgatarmos as reflexões de Maryanne Wolf em Cérebro no mundo digital: os desafios da leitura na nossa era (2018), na medida em que a autora reflete sobre os processos de leitura profunda como uma "conquista evolutiva" do cérebro leitor, e considera que ler é alcançar nosso "potencial pleno como ser humano" – e a autora pensa aqui a leitura como muito mais do que uma forma de 'se informar', mas um meio de, através do exercício da empatia, construída pelas imagens do texto, colocar-se no lugar do outro e vivenciar múltiplos pontos de vista do mundo, ou seja, como mais do que a leitura que é 'obrigação'. *
Wolf (2018) também se questiona se arriscaríamos perder as sinapses privilegiadas pelo circuito da leitura profunda caso o letramento digital, disperso por estímulos, substituísse o letramento tradicional, de alguma forma anulando a atenção que a leitura profunda requer.
A autora tem uma visão relativamente otimista, pois, se por um lado prevê que não há como frear a relação cada vez mais íntima dos jovens com os estímulos informacionais digitais, também prevê que é perfeitamente possível contemplar os múltiplos letramentos (nesse caso o tradicional e digital), ativando o circuito de cérebro leitor, e também liberando acesso à compreensão do mundo virtual.
O meio preferido para consumir literatura dos adolescentes que responderam ao questionário é o livro impresso, mas a leitura digital é realizada por eles de diversas formas, como pelo uso de leitores PDF e apps de fanfics.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
80 afirmaram ler HQs e outros tipos de livros visuais ou não convencionais.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Uma questão interessante a respeito das relações entre adolescentes, do compartilhamento e da influenciação, foi de que a maioria (69), nas respostas afirma recomendar leituras e levar em consideração recomendações de amigos.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Consumo adolescente de conteúdos de entretenimento
Saindo do tópico Literatura, 103 dos adolescentes que responderam à pesquisa consomem conteúdo de entretenimento, com 73 assinando alguma plataforma.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
E apenas 29 pessoas disseram não jogar games digitais.
Foto: pesquisa de autoria própria, 2019.
Como visto, mesmo com o excessivo estímulo aos conteúdos digitais, os adolescentes não apresentam um consumo exclusivo pela informação e entretenimento on-line, mesclando os meios analógicos aos digitais.
* Aliás, eu já fiz outro texto na Prensa falando sobre literatura e juventude, e você pode conferir aqui!
Este artigo foi escrito por Giovana Lucas e publicado originalmente em Prensa.li.