Pix: a pílula vermelha que vai transformar a indústria de cartões de crédito?
No filme Matrix (1999), há uma cena clássica em que o personagem Morpheus oferece ao protagonista Neo a possibilidade de escolher entre duas pílulas. Se Neo tomar a pílula vermelha, irá conhecer o mundo real, a vida que existe fora da “matriz”. Caso escolha a pílula azul, Neo irá “acordar na sua cama e acreditar no que quiser”, continuando preso à ilusão fabricada pela “matriz”.
Um projeto "pílula vermelha"
O projeto Pix tem proporcionado um efeito semelhante à pílula vermelha no mercado de meios de pagamento. Com o Pix, mais de 100 milhões de brasileiros e 7 milhões de empresas descobriram que transferir dinheiro ou realizar pagamentos pode ser tão simples, instantâneo e barato quanto mandar um e-mail ou uma foto via aplicativo de mensagens.
As TEDs entre pessoas físicas foram as primeiras “vítimas” do Pix e é uma questão de (pouco) tempo para que outros instrumentos de pagamento também sejam desbancados. À medida que os sistemas de gestão empresarial (Contas a Pagar e a Receber) e de automação comercial são adaptados para este novo meio de pagamento, o Pix ganha cada vez mais espaço em relação às TEDs entre as empresas, aos boletos (com o Pix cobrança) e às transações de cartão de débito no varejo.
E o que vai acontecer com as compras com cartão de crédito, que correspondem a cerca de 20% do total de transações de pagamento no Brasil? Na agenda evolutiva do Pix, está prevista a criação de um novo modo de pagamento via crédito, o “Pix Garantido”, que permitirá que o cliente realize um Pix mesmo sem possuir saldo suficiente na sua conta. Entretanto, segundo o cronograma mais recente divulgado pelo Banco Central, o Pix Garantido não será implementado em 2022.
De qualquer forma, o principal emissor (instituição financeira que concede o crédito e assume o risco de eventual inadimplência) de cartões de crédito no país, o Itaucard (grupo Itaú Unibanco) decidiu se antecipar e tomar a “pílula vermelha”.
Fora da Matriz
Reprodução (via IMDB)
Em novembro de 2021, o Itaucard teve o seguinte projeto selecionado para implementação no “sandbox regulatório” do Banco Central: “Realização de transações de pagamento com concessão de crédito, rotativo ou parcelado, utilizando funcionalidades do Pix”.
Até o momento, não foram divulgados detalhes do projeto mas já é possível afirmar que representa um movimento muito importante rumo à criação de uma nova bandeira de crédito, fundamentada na rede do Pix, que irá competir com os arranjos tradicionais, como Master, Visa e Elo.
Em outras palavras, o crédito via Pix levará a desintermediação desta indústria, dispensando as bandeiras tradicionais e talvez as próprias credenciadoras/adquirentes (Cielo, Rede, Getnet, Stone, …). A consequente redução dos custos associados à transação de pagamento deve aumentar a margem de lucro dos emissores, diminuir as taxas pagas pelos varejistas e/ou os juros cobrados do consumidor.
E os benefícios associados ao uso dos cartões de crédito, como programas de fidelidade, cashback, seguros de viagem, descontos em rede de parceiros, etc.? Bem, nada impede que os emissores ofereçam vantagens equivalentes, ou até melhores, via “Pix Crédito” (lembre-se da pílula vermelha…).
Em suma, a indústria de cartões de crédito deverá passar por profundas transformações e, nos próximos meses, será bem interessante observar quais instituições financeiras, adquirentes, subadquirentes, gateways e processadoras irão tomar a pílula vermelha e quem vai escolher continuar com a pílula azul…
Este artigo foi escrito por Alexandre de Souza Pinto e publicado originalmente em Prensa.li.