Poesia e Música, aquele abraço!
Poesia e música: um abraço bem antigo
Nosso encontro de hoje é um convite para lembrarmos sobre aquele abraço entre poesia e música.
Um abraço que percorre a história, como lá na Grécia Antiga, nos tempos de Homero, quando se presenciava os aedos gregos recitando seus versos ao som das liras, eram poetas que sabiam de cor as suas muitas e longas canções.
Desde então a salvaguarda desses encontros têm nos possibilitado ouvir poemas pelas vozes de vários intérpretes, musicistas, músicos, enfim, de várias pessoas que se dedicam a essa intersecção.
O objetivo aqui, não é teorizar sobre música e, tampouco sobre poesia, também não há ordem cronológica, nem uma estrutura didática.
Trata-se apenas de um simples bate papo sobre as experiências de se ouvir poemas musicados no Brasil.
Experiências que temos desde o tempo em que ficávamos sabendo das novidades musicais via rádio, até a nossa atual realidade de ouvir música por plataformas streaming.
Para nosso contentamento, temos muitos exemplos de canções compostas a partir de poemas, o fato é que a palavra tem seu ritmo, seja dentro de páginas de um livro ou soltos nas vozes de intérpretes.
Para ilustrar nossa conversa, vou citar alguns exemplos de poemas musicados no Brasil, sim, apenas alguns, pois são tantas as amostras, que caberiam em muitos mais “abraços” (artigos) como esse.
Como mencionei acima, os poemas musicados aqui relacionados não seguirão uma ordem cronológica, teórica ou didática, apenas vou destacar alguns movida por minha intrepidez.
Com o fone interior ligado, eu desejo boa música para todas, para todos, ou boa leitura musical a minhas amigas, aos meus amigos.
Poesia e música: Raimundo Fagner
Raimundo Fagner Cândido Lopes, nascido em 1949, na cidade de Orós, Ceará, participa da cena musical desde 1968, quando é premiado como melhor intérprete no 4º Festival de Música Popular do Ceará, com a música “Nada Sou” em parceria com Marcus Francisco.
De lá pra cá, o compositor, cantor, instrumentista e produtor musical tem contribuído com vários matizes para a cultura brasileira.
Desde seu primeiro álbum, em 1973, Fagner já preconizava o híbrido, o intercambiável entre poesia e a música, e nesse álbum, intitulado “Manera fru fru, manera (Último pau de arara), se pode conferir “Canteiros”, cuja letra é uma adaptação do poema “Marcha”, de Cecília Meireles, e “Sina”, que traz a poesia popular do também cearense Patativa do Assaré.
A canção “Fanatismo”, Raimundo Fagner musicou, em 1981, a partir da poesia de Florbela Espanca, uma poeta portuguesa, considerada uma das primeiras feministas de Portugal.
Esse poema foi retirado do “Livro Sóror de Saudade”, e Raimundo Fagner gravou em seu disco “Traduzir-me”.
Ainda falando desse álbum, “Traduzir-me”, Fagner musicou o poema de Ferreira Gullar, que acabou virando o nome desse seu álbum. Com Ferreira Gullar tem outras parcerias, como, “Borbulhas de Amor”, versão de Gullar para um poema do dominicano Juan Luis Guerra.
O próprio Fagner afirma que o foco do seu trabalho sempre foram os poetas, musicar poemas, procurar os parceiros na poesia.
Fazendo um breve resumo, Fagner musicou também Fernando Pessoa, “Qualquer música”; Mário de Andrade, “Semente”, Francisco Carvalho, “Bicho Homem”, dentre outros.
Poesia e música: Secos e Molhados
O grupo formado nos anos 70 em São Paulo investiu, dentre tantas coisas, em figurino e poesia, para compor suas canções e definir o conceito original em seu desempenho mais contumaz.
Quem discorda da presença de palco dessa turma?
Presença que marcou o ritmo dos corpos e o ritmo das subjetividades de quem os ouviu/ouve.
Em seu primeiro álbum em 1973, poesia e música já se abraçavam, oferecendo ao Brasil e ao mundo o seu inesgotável e loquaz potencial criativo, com poemas musicados por João Ricardo, como:
“Amor” do poeta João Apolinário, pai de João Ricardo.
Rondó do capitão” do poeta Manuel Bandeira
“Rosa de Hiroshima” do poeta Vinicius de Moraes
“Patrão Nosso de cada dia” do poeta Fernando Pessoa
“Flores Astrais” do poeta João Apolinário
Já no segundo álbum, temos a letra de “Tercer Mundo”, do segundo disco do Secos & Molhados, originou-se de "La Prosa del Observatorio", do autor argentino Julio Cortázar.
Poesia e música: Olivia Hime
Olivia Hime tem se dedicado à carreira musical desde 1977, quando produziu o LP “Passaredo” de Francis Hime.
Além de produtora, Olívia é cantora e compositora. Sua estreia como cantora foi em 1978, com o disco “Diana”. Em 2000, fundou junto com Kati de Almeida Braga, a gravadora Biscoito Fino, da qual é diretora artística.
Como cantora, compositora e produtora musical, tem desenvolvido muitos trabalhos, destaco, dentre tantas preciosidades, dois álbuns dedicados aos poetas Fernando Pessoa (1985) e a Manuel Bandeira (1986).
O CD “A Música em Pessoa”, comemora o cinquentenário da morte de Fernando Pessoa e traz 15 poemas musicados por: Antonio Carlos Jobim, Dori Caymmi, Richie, Olivia HIme, Edgar Duvivier e Nando Carneiro.
Já em 1986, presta homenagem ao centenário de nascimento do poeta Manuel Bandeira, um disco apenas com os poemas musicados de Manuel Bandeira, chamado “Estrela da Vida Inteira”, com a participação de vários compositores brasileiros que musicaram e interpretaram os seus poemas:
Tom Jobim – “Trem de ferro”, Gilberto Gil – “Vou me embora pra Pasárgada”,
Milton Nascimento – “Testamento”, Dorival Caymmi “Balada do rei das sereias”
Moraes Moreira – “Portugal, meu avozinho”, Francis Hime – “Desencanto”,Dori Caymmi “Versos Escritos n’Água,Joyce – “Berimbau”,Wagner Tiso – “Belo belo”,
Toninho Horta – “Baladilha Arcaica”,Olivia Hime – “Estrela da Vida Inteira”, dentre outros.
Poesia e música: Adriana Calcanhoto
Paixão pela poesia desde sempre, seja pelos poetas brasileiros, portugueses ou de nacionalidades múltiplas, Adriana Calcanhotto tem vocabulário específico, e é da poesia que se ocupa, por ser a poesia uma dessas impetuosas alegrias da criação.
Ah os poetas portugueses, como Mário de Sá Carneiro, que musicou “O Outro”, “Vislumbre” e “O Pajem”.
No Brasil, tem muitos poemas musicados, como “Jornal de Serviço”, do poeta Carlos Drummond de Andrade.
Adriana nos propõe uma (re)leitura inadiável de Manuel Bandeira e Ferreira Gullar, em sua canção Vambora, onde utiliza os versos “na cinza das horas” e “dentro da noite veloz”, respectivamente.
Quando ouço a canção “Onde Andarás”, sinto alcançar cintilações com as imagens do poema de Ferreira Gullar, musicado por Caetano Veloso.
“Inverno”, poema de Antônio Cícero, é mais uma das canções de Adriana Calcanhotto que tem a assídua convicção de me lançar sem reserva aos degrades dos mundos, cito ainda mais duas canções dessa parceria, as “Nada” e “Asas”.
Com o poeta Waly Salomão também assina a canção “A Fábrica do Poema”.
Poesia e Música: últimos acordes desse abraço
Nesse nosso encontro de hoje pudemos abraçar alguns poemas musicados, o que oportuniza ocasião para contemplarmos poesia e música, gastando nosso tempo com os encantos da despreocupação.
Aproveito e te convido para a leitura da parte II do texto “Poesia e Música, aquele abraço”, que lança olhar sobre os poemas musicados com Caetano Veloso, Tom Jobim, Marina Lima e Gilberto Gil. A parte III desta conversa será sobre os poemas musicados com Zeca Baleiro, Milton Nascimento, Maria Bethânia e Gal Costa. E o quarto “abraço” eu deixo aberto para as sugestões de vocês.
Até breve.
Imagem de capa - Fabiana Kretzer
Este artigo foi escrito por Fabiana Kretzer e publicado originalmente em Prensa.li.