Por dentro do processo de criação das vacinas
Cinquenta milhões em dois anos. Esse foi o número mínimo estimado de mortos com a Gripe Espanhola. A pandemia do vírus influenza se espalhou pelo mundo entre 1918 e 1919 infectando cerca de ¼ da população, ou seja, 500 milhões de pessoas na época.
Hoje, mais de 100 anos depois , nos vemos diante de uma nova pandemia.
A corrida contra o COVID-19 levou ao desenvolvimento de mais de 200 vacinas em 2020, segundo relatório da OMS, publicado em 2 de dezembro do ano passado. Destas, 51 já se encontravam na fase de testes.
Os valores podem parecer promissores, e apesar do processo envolver vários laboratórios e organizações de saúde, ainda sim desenvolver uma vacina é algo complexo e exigente, o que significa que muitas podem não chegar à fase final e receber aprovação de órgãos regulatórios dos países.
Para se ter uma ideia, a vacina mais rápida desenvolvida na história era contra Caxumba. o médico americano Maurice Hilleman demorou 4 anos (1963 - 1967) para chegar ao imunizante.
Em comparação outras vacinas na história levaram mais tempo:
⇒ Tuberculose (1882 - 1927)
⇒ Febre Tifóide (1884 - 2017)
⇒ Meningite (1889 - 1981)
⇒ Dengue (1907 - 2019)
⇒ Pólio (1908 - 1955)
⇒ Sarampo (1953 - 1963)
⇒ Ebola (1976 - 2019)
Os anos citados acima tem por base o projeto Our World in Data, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que comparou o tempo de identificação do agente causador e o ano em que a vacina contra eles foi aprovada nos EUA.
O projeto em questão tomou como base os EUA, já que é nele que a maioria das imunizações é licenciada pela primeira vez.
Mais de 71 milhões de pessoas no mundo já foram vacinadas contra COVID-19 (Reprodução: Our World in Data)
O processo de desenvolvimento típico de uma vacina
A criação de uma vacina geralmente é um processo complexo e demorado. Desde a identificação do agente responsável até a regulamentação da vacina, a produção autorizada e licenciada do imunizante dificilmente ocorrerá em menos de 10 anos.
Os requisitos mínimos para o registro de produtos biológicos, incluindo vacinas, são estebelecidos pela Anvisa através da Resolução (RDC) n. 55, de 16 de dezembro de 2010. Tal resolução define como devem ser as fases de desenvolvimento de uma vacina e as exigências se assemelham às do Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC).
EXPLORATÓRIA
É a fase exploratória. Nela são realizadas pesquisas laboratoriais básicas, nas quais o objetivo é identificar que antígenos (naturais ou sintéticos) irão auxiliar na prevenção ou tratamento. Sua duração é cerca de 2 a 4 anos.
Por antígenos identificados nessa etapa podemos considerar somente partículas semelhantes ao vírus, vírus enfraquecido, toxinas bacterianas enfraquecidas ou mesmo substâncias originadas do patógeno em questão.
PRÉ-CLÍNICA
Após definir quais os componentes mais adequados para compor a vacina, são utilizados na fase pré-clínica sistemas de cultura de tecidos ou de células. Se você lembrou dos conhecidos testes em animais é aqui que eles são realizados. Eles são vacinados previamente para depois receber o patógeno. Dessa forma os cientistas podem analisar se haverá uma resposta imune.
Geralmente os ratos e macacos são escolhidos para testes pré-clinicos
Essa etapa pode ser eliminatória para muitas vacinas, já que o andamento do processo vai depender de apresentarem a resposta imunizante desejada.
Os estudos pré-clínicos podem durar de um a dois anos.
Solicitação de teste
Em caso de resultados positivos, é feita a solicitação para dar início aos testes em humanos. Para isso é preciso aprovação dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e/ou da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
CLÍNICA
Ao longo desta fase, testes são realizados em pequenos grupos de indivíduos, de preferência adultos e saudáveis.
A quantidade de participantes pode chegar a centenas de pessoas nessa segunda fase. Aqui é analisada mais detalhadamente a questão da segurança e eficácia. Nesse estágio também são observadas as variações de dose. No geral, pode durar dois anos para ser concluída.
O mesmo processo realizado na segunda etapa é repetido, porém com um número bem maior de voluntários.
Como ocorre a regulamentação das vacinas?
A regulamentação tem início a partir da solicitação de registro da vacina. Na sequência, os laboratórios que estiverem com os estudos mais avançados para o desenvolvimento de vacinas devem declarar interesse em registrar o medicamento. O procedimento é formalizado junto aos órgãos reguladores. No caso do Brasil a regulamentação passa pela Anvisa.
O próximo passo é o fornecimento de uma série de documentos à Anvisa, descritos na RDC nº 55/2010.
Dentre esses documentos estão:
Autorização de funcionamento da empresa responsável (AFE);
Justificativa técnica para a regulamentação do medicamento;
Certificação de boas práticas de fabricação;
Relatório sobre matérias-primas usadas na fabricação;
Modelo da bula, nome e endereço de todos os fabricantes dos insumos;
Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamentos (DDCM)
Um detalhe importante sobre o pedido de regulamentação antes da conclusão dos testes em humanos. Ele só pode ser feito em dois casos: quando comprovada a eficácia dos testes baloratoriais, bem como a segurança da vacina ou quando não exista ou maneira de combater a doença. As duas situações exigem que as fases 1 e 2 da etapa clínica estejam finalizadas.
Análise de registro de vacinas contra covid-19
Em nota técnica publicada em setembro de 2020, a Anvisa declara que os pacotes de documentos solicitados serão analisados em até 20 dias, a partir da data do protocolo de envio. A medida foi uma resposta dada situação da pandemia de COVID-19 e busca acelerar e simplificar a análise e admissão do protocolo dos novos medicamentos.
O procedimento, descrito como submissão contínua, implica que a análise de dados dos imunizantes ocorrerá conforme tais dados sejam gerados e apresentados à Anvisa.
Nota: Diariamente os dados relativos ao COVID-19 como vacinação, infectados e mortes sofrem alterações. Para acompanhar as atualizações acesse a plataforma Our World in Data.
Este artigo foi escrito por Luana Brigo e publicado originalmente em Prensa.li.