Por que ainda assistimos filmes do 007?
O agente James Bond chegou ao seu 25º longa metragem em “Sem Tempo para Morrer”. O filme marca a despedida do ator Daniel Craig do personagem, que estreou no cinema em 1962. O filme ficou entre os três mais vistos no cinema no ano passado, inclusive no Brasil, e tudo indica que terá o mesmo sucesso no streaming. O que pode explicar ainda a mística e o impacto da franquia mais longeva da história do cinema?
O personagem já não é mais o mesmo e isso não tem a ver somente com as mudanças do ator principal, incluídas as necessárias, as desistências e as dispensas. Tradicionalmente, 007 sempre foi o mestre da previsibilidade – carros velozes, mulheres bonitas, ação e situações improváveis. Com Craig, houve a quebra de vários paradigmas, sem perder a glamourização cinematográfica da figura do espião, seus mistérios e seu sucesso (inclusive entre as mulheres).
Quando foi anunciado para seu primeiro filme, Craig chegou a ser criticado por ser “muito loiro”. Já era uma diferença de seus antecessores. Depois, o icônico personagem passou por um processo de humanização, permitindo-se cometer erros, apanhar, levar tiros e sangrar e apaixonar-se. Antes dos últimos filmes, somente Timothy Dalton em “Licença para Matar” demonstrou certo tipo de emoção. Infelizmente, Piece Brosnan retomou o figurino tradicional, no qual nem o terno do agente sai amassado.
Mulheres e Vilões fortes
Outra mudança ocorreu nos papéis femininos. Caiu em desuso a alcunha de “Bond Girls”, lindas e inevitavelmente seduzidas pelo charmoso espião. As mulheres passaram a ter papel essencial na trama, entre elas tivemos Judi Dench (M), Eva Green (Vesper Lynd) e Léa Seydoux (Madeleine Swann). Atrizes talentosas deram consistência às personagens, que antes existiam apenas em relação a James Bond. Foi uma evolução e tanto na franquia, embora seja recente.
A série manteve o investimento em bons atores para interpretar seus vilões. O ciclo recente contou com Javier Bardem, Rami Malek e Christoph Waltz. Em certa medida, os atores coadjuvantes superaram os próprios protagonistas. Sempre houve a necessidade a cada filme de compor um vilão novo, já que o protagonista apresenta normalmente poucas variações mesmo entre os diferentes atores que viveram 007.
Sem Guerra Fria
Outro acerto foi distanciamento da geopolítica. Quando fazem parte da trama, agentes soviéticos não são retratados como inimigos, mas envolvidos ou vítimas da mesma conspiração. O combate direto é travado contra o crime organizado, gênios do crime, traficantes e terroristas. Talvez se 007 fosse da CIA e não do MI-6 pudesse ser diferente. O fato é que a série se livrou de um comprometimento ideológico que não faz parte do entretenimento.
James Bond explora bem até hoje a mística que envolve os espiões, que renderam muitas produções durante a Guerra Fria. Embora tenha evoluído em certos aspectos, Bond representa virilidade, inteligência, ideal de beleza, sucesso, riqueza , sofisticação e glamour. É uma fórmula que vem dando certo há quase 60 anos. Nem Ian Fleming, que só viveu para ver os dois primeiros filmes, imaginaria tanta longevidade em seu personagem.
James Bond, seus antagonistas e aliados nunca receberam um Oscar pelos seus papéis. Mas quem se importa?
Este artigo foi escrito por Renato Assef e publicado originalmente em Prensa.li.