Por que as músicas hoje em dia parecem ser todas iguais?
Porque uma grande parte delas é composta pelas mesmas pessoas.
Nos EUA, por exemplo, existe um grupo seleto de 4 ou 5 compositores que compõem quase tudo que está no topo das paradas de sucesso. E isso, na verdade, começou com um sueco: a fórmula que hoje faz sucesso na música pop foi criada pelo sueco Max Martin, que nos anos 90 fazia parte da banda Ace of Base. Sim, o mesmo Ace of Base do qual a galera que hoje tem mais de 35 anos muito provavelmente conhece um monte de músicas e não sabe:
https://youtu.be/d73tiBBzvFMMax
Estudou música e composição numa universidade sueca e criou uma metodologia de composição que passou a ser dominante nas rádios. Ao contrário da ideal de que a composição deve ser encarada como uma expressão artística, a metodologia de Max Martin se baseia em criar sucessos e lucros em escala praticamente industrial. Foi ele quem compôs a maioria das músicas dos Backstreet Boys, foi ele quem compos e produziu o primeiro álbum da Britney Spears…
O método dele é incrivelmente simples: se baseia em criar ganchos musicais e refroes marcantes. Pra quem não sabe o que são ganchos, eles são aqueles trechos curtinhos de melodia que "pegam" o ouvinte, que sai cantarolando aquilo sem nem perceber. Talvez o gancho mais famoso seja o dessa música aqui:
As músicas normalmente tem 3 ou 4 autores diferentes, porque elas são compostas à medida em que vão sendo produzidas. O cantor ou cantora só aparece no estúdio pra colocar a voz.
Hoje em dia, há também os recursos de estúdio que apagam ainda mais qualquer resquício de individualidade que a música possa vir a ter. O mais conhecido é o Autotune: trata-se de um programa que nivela a voz dos cantores, corrigindo eventuais imperfeições e desafinações. É por isso que os cantores parecem cantar todos do mesmo jeito e com estilos vocais parecidos.
É por esse motivo que hoje em dia se dá tanta importância para a vida pessoal dos artistas. Eles precisam disso para manter a fama, já que sem esse recurso eles somem rápido, uma vez que como as composições não tem personalidade alguma, elas podem literalmente ser cantadas por qualquer um. É isso o que explica, por exemplo, que todo ano "vazem" fotos da Demi Lovato pelada, ou que ela se assuma bissexual num ano, pansexual no outro e não-binária no ano seguinte. Sem isso, ninguém vai saber distinguir a música dela da música da Beyoncé, por exemplo.
No Brasil, o esquema tem algumas diferenças, mas no geral é rigorosamente o mesmo: um grupo de no máximo 10 compositores compõe praticamente tudo que faz sucesso. Os compositores de músicas de sertanejo e pisadinha são os mesmos, no funk então, praticamente 95% das músicas são compostas pelo Kondzilla ou pelo Pereira. Até os músicos que participam das gravações são sempre os mesmos. E aqui um costume que existe é o cruzamento entre artistas, para alavancar as vendas, por exemplo a Luiza Sonza participando de uma música da Marília Mendonça, ou Pablo Vittar participando de uma música da Anitta. Esse tipo de coisa serve pra chamar o público de um estilo de música para consumir outro, mesmo que seja em uma música só. Essas parcerias hoje já não estão mais tão na moda quanto a 3 anos atrás, mas ainda acontecem.
E hoje ainda há um outro elemento que facilita ainda mais esse processo: as redes sociais. Se antes uma música precisava tocar em rádio, ou ficar famosa no YouTube, agora bastam alguns segundos dela nos stories do Instagram ou no Tiktok. Foi assim, por exemplo, que o rapper Kreepa ficou famoso, com uma música composta por Simes Carter que você provavelmente nunca ouviu inteira: https://youtu.be/fgveGYbRFdEFunciona assim: alguém transforma a música em meme e posta alguma coisa na rede social. Em pouquíssimo tempo, milhares de pessoas fazem o mesmo, a música viraliza e se torna um sucesso. Muita gente compartilha memes com essa música e nem faz ideia do que se trata.
A indústria cultural abraçou essa metodologia com força, e com isso, pode esperar cada vez menos personalidade e músicas cada vez mais descartáveis.
Este artigo foi escrito por Walber Galletto e publicado originalmente em Prensa.li.