Por que o Brasil não cresce economicamente?
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Dólar em alta, preço do combustível em alta, preço dos alimentos em alta, energia elétrica em alta e salários… com reajustes abaixo dos itens citados anteriormente.
Esses são alguns indicadores que todos os dias os canais de comunicação nos bombardeiam, falam sobre a sua evolução, impactos etc. Incluem também a taxa de desemprego e a crise que assola a europa oidental.
Mas por que o Brasil não cresce economicamente?
Em uma economia estável em que demanda e procura caminham de mãos dadas, um sonho de Ícaro, vamos pouco a pouco entender a economia, como de fato, caminha hoje em dia.
Desde os anos 1980, (talvez alguns aqui ainda não tenham ainda nascido nesta data), o desempenho da economia brasileira tem sido insuficiente e pífio, para atender aos desejos e anseios da nossa sociedade. Mais de uma geração de brasileiros e brasileiras não sabe o que é progresso material robusto e autossuficiente, ou seja, ter sua casa própria, seu carro quitado, cartão de crédito pago todo mês, emprego estável e níveis de segurança padrão internacional. Talvez tenhamos tido por mais do que alguns poucos anos este sentimento, mas ele foi rápido e é coisa do passado.
Nos últimos 40 anos, entre 131 países, o Brasil foi apenas o 91º que mais cresceu em renda per capita, tradicional indicador de desenvolvimento. A participação da renda per capita brasileira sobre a dos Estados Unidos caiu de 29% para 20%. O desempenho representou uma reversão brutal em relação ao que havia ocorrido anteriormente: de 1930 a 2000 e, apenas três países tinham crescido mais do que o Brasil.
Mas o que aconteceu?
Um estudo dos notáveis lá da terrinha do Tio Sam, pesquisadores da Universidade de Harvard e do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), divulgaram a tal da chamada - abordagem da complexidade econômica, que pode nos auxiliar a compreender melhor o que se passou e a construir caminhos para recolocar o país na rota do crescimento.
As premissas teóricas não chegam a ser originais, mas a abordagem tem gerado ferramentas e evidências que podem ser úteis para o debate verdadeiro e sadio sobre desenvolvimento.
Segundo a abordagem, a chave para o desenvolvimento de uma nação está na acumulação de conhecimento, educação e de know-how pela sociedade e seu reflexo na produção de bens cada vez mais complexos. Para medir a complexidade de um país (ou de um bem), apenas dois conceitos são utilizados: diversidade e ubiquidade — que sugerem a dificuldade de se acumular conhecimento na produção de bens complexos.
Países que são capazes de produzir muitos bens (diversificados), EUA, China, Japão e alguns países da Europa por exemplo e, cujos bens sejam também produzidos competitivamente por um número pequeno de países (não ubíquos), são considerados complexos. A mesma lógica se aplica aos bens. Aparelhos médicos de imagem, por exemplo, são produzidos por poucos países, em geral diversificados. Por outro lado, toras de madeira são produzidas por muitos países, em média menos diversificados, como o nosso querido Brasil por exemplo.
Opa! Estamos chegando nas commodities!
Aparelhos médicos, equipamentos eletrônicos, máquinas pesadas são complexos; toras de madeira, não.
Os autores dessa abordagem utilizam dados de exportação, que permitem comparar um elevado número de países e de bens nas últimas décadas para calcular índices de complexidade. Os índices mostram que bens industriais tendem a ser mais complexos do que bens agropecuários e minerais, e que a complexidade econômica do Brasil vem caindo nas últimas décadas, o que é condizente com alertas a respeito de um acelerado processo de desindustrialização em curso no país.
Nota: vejam onde seus pais trabalharam nos anos 80 e se hoje estas fábricas ainda estão de pé!
Desde então, vários estudos têm demonstrado forte associação entre o índice de complexidade e o nível e a variação da renda per capita dos países, a redução da desigualdade e a preservação do meio ambiente como um bom indicador de crescimento orgânico.
Assim, se complexidade econômica importa, e se a indústria é crucial para gerá-la, deve haver papel relevante a ser desempenhado por políticas industriais, amplamente adotadas durante a ascensão do leste asiático e que têm retornado à agenda de regiões desenvolvidas como a Europa e os EUA.
Nas últimas 4 décadas, distintos governos brasileiros priorizaram a estabilização macroeconômica, o que na prática significou a perda de espaço das políticas industriais e até mesmo a adoção de instrumentos que tendem a afetar negativamente a produção interna, como juros altos e câmbio sobrevalorizado. Com exceção de algumas iniciativas setoriais isoladas, somente entre 2004 e 2014 foram implementadas políticas industriais.
Mas qualquer política industrial basta sob a ótica da complexidade econômica?
Em dissertação defendida em 2019 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), utilizei dados do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o principal órgão executor das políticas industriais, para avaliar se os desembolsos aprovados naquele período estiveram voltados para atividades econômicas mais complexas.
Os resultados mostraram que se as atividades econômicas contempladas com desembolsos aprovados pelo BNDES tivessem se desenvolvido na mesma proporção dos valores aprovados para cada uma delas, o Brasil não apenas não teria se tornado mais complexo como teria reduzido a complexidade em comparação à que tinha na véspera das políticas industriais, atingindo patamar semelhante ao de países como Albânia e Quênia (que hoje estão 27 posições abaixo da brasileira).
Além disso, a maioria dos desembolsos contemplou atividades em que o Brasil já apresentava grande competitividade internacional — ou seja, o conhecimento e know-how produtivos na área já podiam ser considerados dominados, fazendo-se menos necessário, em teoria, o apoio governamental.
Opa! Houve liberações de recursos financeiros por parte do BNDES a empresas industriais brasileiras que não evoluíram em tecnologia, produção e renda?
A abordagem da complexidade econômica nos fornece outras ferramentas. Uma das mais interessantes é a da distância entre produtos.
Se a probabilidade de um país qualquer exportar competitivamente um produto do ponto A para um ponto B for alta, longe em KM, diz-se que os conhecimentos necessários para produzir esses produtos são similares. Vinho e uva são produtos cuja probabilidade de serem exportados é alta. Ou seja, eles estão próximos em termos de conhecimento produtivo.
No Brasil, os dados de produção e produtividade mostram que as atividades econômicas complexas estão distantes daquelas em que o Brasil é competitivo. Além de essa ser mais uma evidência da baixa complexidade da nossa economia (para países como o Japão e China o cenário é o contrário), isto quer dizer, que o esforço por desenvolver atividades complexas no país tende a ser maior, com retorno incerto e demorado, o que justifica maior apoio governamental. Apesar disso, as políticas industriais priorizaram atividades em que o Brasil já era competitivo ou que estavam próximas dessas atividades (commodities).
Ao final do período de 2004 a 2014, apenas 14% dos desembolsos aprovados estavam voltados para atividades em que o Brasil não era competitivo e que eram mais complexas do que o índice de complexidade do Brasil na véspera da implementação dessas políticas.
Assim, a atuação do Brasil nos últimos 40 anos em nada contribuiu para a reversão do quadro de crescimento de renda per capita e do produto da economia brasileira. Pelo contrário, ou seja, porque a estabilização macroeconômica se tornou prioridade absoluta, ainda que ela prejudicasse a produção interna, seja porque a implementação de políticas industriais não seguiu, ainda que implicitamente, as premissas da complexidade, o Estado brasileiro parece ter contribuído para agravar essa situação.
Amigos, podemos ser o celeiro do mundo algum dia, prover o mundo de alimentos satisfatórios e de qualidade, produzir as melhores proteínas, porém, sem uma política de industrialização séria, voltada para o crescimento sustentável, estamos cotados a ser um país de um só produto.
Precisamos urgentemente de uma política que incentive a produção de bens de consumo, de máquinas pesadas, que agregam valor ao produto ou, estaremos fadados a exportar minério de ferro e importar aparelhos eletrônicos.
Este artigo foi escrito por Fernando de Paula e publicado originalmente em Prensa.li.