Precisamos explicar o óbvio: um partido nazista no Brasil? Não!
Imagem: Reprodução/O Globo - Arte de Mateus Valadares
Em mais uma edição de um dos podcasts mais ouvidos no Brasil, o host (que não mencionarei o nome, mas tem a ver com uma marca de bicicletas) disse o seguinte absurdo:
"Eu acho que o nazista tinha que ter o partido nazista reconhecido pela lei"
Partindo de uma premissa supostamente “liberal” da democracia, o host defendeu a legalidade de um nazista professar e organizar-se em torno do Nazismo de modo livre no Brasil.
Há diversos, infindáveis problemas numa afirmação desse tipo, e parece-me que apenas a história pode dar conta de explicar
O crescimento do partido Nazista na Alemanha
Na época, o Nazismo ainda não era o regime genocida que conhecemos. Na década de 1930, ainda representava uma ideologia ridícula, com poucos adeptos, porém violentos e devotos ao seu líder, um austríaco que proferia discursos inflamados e emotivos sobre uma outrora poderosa nação alemã.
Eles já haviam tentado, sem sucesso, um golpe de Estado, em 1923. O fracasso conduziu Hitler a uma prisão de pouco mais de um ano, da qual sairia apenas ao declarar que jamais tentaria tomar o poder à força novamente.
A partir daí, o trabalho dele e dos demais seguidores será reformular o partido nazista e introduzí-lo na jovem democracia alemã.
A propósito, entre 1918 e 1933, ela era conhecida como República de Weimar, e era caracterizada como uma social-democracia pluripartidária, com representantes escolhidos pelo voto popular.
Com poucos períodos de estabilidade política e econômica, a República teve de lidar com a hiperinflação do início dos anos 1920, com a quebra da bolsa de 1929 e suas consequências mundiais, além de um caldeirão político acirrado, com enfrentamentos e tensões nas ruas.
Enquanto isso, o partido Nazista crescia. Nas eleições de 1930, eles ganharam 107 lugares, tornando-se o segundo maior partido parlamentar. Após as eleições de julho de 1932, os nazistas tornaram-se o maior partido no Reichstag, com 230 lugares.
Contudo, isso não lhes daria a maioria do parlamento, e uma minoria aceitava as ideias dos nazistas, o que descartava qualquer coalizão que permitisse uma articulação.
O próprio Hitler concorreria nas eleições presidenciais de 1932. Com mais de 13 milhões de votos, um terço do eleitorado alemão, ele ficaria atrás do eleito herói de guerra Paul Von Hindenburg e à frente do comunista Ernst Thälmann.
Derrotado, mas com prestígio, o líder nazista trabalhava nos bastidores para pressionar a democracia em seu favor.
É preciso lembrar que o crescimento do partido Nazista era acompanhado pelo apequenamento dos demais partidos conservadores, que viam seu eleitorado ser seduzido (ou coagido) pelos nazistas.
O dia em que Hitler foi tolerado na Alemanha
Sem maioria no parlamento, sem cadeira presidencial, dificilmente os nazistas conseguiriam algo. Contudo, essa história tomaria outros rumos.
A República de Weimar era um regime democrático que contava com um presidente que nomeava um chanceler. Este, de fato, exercia as funções executivas. Hindenburg, eleito em 1932 para mais um mandato, estava sob pressão de parte dos políticos conservadores que viam na popularidade de Hitler uma oportunidade para consolidar governo popular à direita com forte caráter autoritário.
O gênio por trás da articulação seria Franz von Papen, político, militar, nobre e diplomata alemão católico conservador. Tendo ocupado o cargo até 1932, Papen pressionava o presidente para que nomeasse Hitler como Chanceler, com o próprio Papen sendo vice.
Junto com os demais conservadores, Papen acreditava que poderia domar o gênio de Hitler, a ponto de ele se tornar mero fantoche em suas mãos.
Hindenburg nomeia Hitler como Chanceller em 1933
Em 1933, Hindenburg nomeia Hitler. Em 1934, Hitler destitui Papen da vice-chancelaria. A partir daí, o Führer não conheceria mais nenhum limite.
Devemos tolerar um partido nazista no Brasil?
A resposta é óbvia: não! Mas em tempos absurdos, dizer o óbvio se faz necessário.
Elenco algumas dessas obviedades:
1. A democracia é plural e deve abarcar todos os pensamentos que a alimentam e fortalecem. A liberdade de expressão é necessária e saudável, até o momento em que este pensamento atente contra a vida de pessoas que não pensem da mesma forma.
2. Uma das características do Nazismo é seu posicionamento anti-judeu. O que isso quer dizer? Não é pura e simplesmente discordar do judaísmo, é desejar seu extermínio, não tolerar sua existência, é atentar contra sua vida. O holocausto é exemplo disso (fora a "Noite dos cristais", os campos de concentração e trabalhos forçados, as representações de judeus como ratos, etc., etc.).
3. Não se tolera uma ideologia intolerante! O Nazismo, enquanto sistema de governo do Estado, além de praticar o genocídio (extermínio de um povo) e o etnocídio (extermínio da cultura de um povo), era forte opositor da democracia. O paradoxo da tolerância de Karl Popper nos ajuda a entender isso de forma bem didática: não devemos tolerar os intolerantes, pois isso pode significar o fim das instituições democráticas.
4. Em nome de uma suposta "liberdade", nos anos 1930, os democratas na Alemanha toleraram a existência de Hitler, seu partido e sua ideologia. O resultado disso foi a criação do 3o Reich e a ascensão do Führer e seu plano genocida.
Além de vários e vários outros problemas, que neste texto não darei conta de suprir, pela limitação de tempo e espaço.
Não se tolera a existência de um partido Nazista, nem da Ku Klux Klan, nem da supremacia branca, por que são ideologias que atentam contra a liberdade e a vida de outras pessoas.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.