Precisamos falar inglês
Mural Etnias do Kobra. Foto por Cristina Indio do Brasil/Agência Brasil.
Atenção antes de ler: esse texto é escrito por alguém que vive há muito tempo na bolha da tecnologia, e sabe que talvez as experiências relatadas aqui não se aplicam a todos. Sei também que a educação no nosso país precisa de muito debate e tem muito a melhorar antes de sequer cogitarmos falar de aprender uma segunda língua. Escrevo aqui, então, de uma posição de privilégio, mas com a intenção de mostrar que, se você acredita que aprender inglês é algo que está a seu alcance, pode ser um diferencial na sua vida numa proporção que você nem imagina.
Já faz mais de 3 anos que deixei o Brasil fugindo dessa situação em que o país se encontra. Por conta de uma nova vida que viria ao mundo, decidi mudar para um lugar mais seguro e com melhores condições de educação, na Europa.
Meus primeiros meses aqui foram marcados por uma luta constante contra o idioma. O local é o inglês, usado nas bolhas mais internacionais da cidade, formadas por pessoas vindas de vários países diferentes.
Depois que me adaptei ao novo idioma, vieram os outros questionamentos: seria eu bom o bastante para estar aqui? Eu realmente sei o que acham que sei? A boa e velha crise da síndrome do impostor. Somada às diferenças culturais, era tudo o que eu precisava pra ter a auto-confiança destruída.
Pulamos então para mais de 3 anos depois, provavelmente já com as crises superadas, e a visão sobre a situação é completamente diferente.
Depois de interagir com startups e empresas gigantes com mais de 50 mil funcionários, ficou claro que vir do Brasil jamais será demérito e sim um diferencial. Diferencial enorme.
E aqui vão algumas razões que nos fazem se destacar no mercado gringo:
Nós somos gigantes
Somos gigantes e temos fotos para provar. Semáforo na cidade de Itu - SP / foto por Cid Penteado Jr.
O país é gigante. E, esteja ele acordado ou não, a maioria de nossas experiências envolve muitas pessoas. O público é sempre grande. Os números com que lidamos são sempre grandes.
Vamos colocar em perspectiva:
A população da Zona Leste de São Paulo, lugar de onde eu venho, é de 4,6 milhões de habitantes (2012).
A Finlândia, um dos pólos tecnológicos da Europa, tem 5,5 milhões de pessoas. No país todo. Da pra imaginar a diferença de escala e impacto?
Mais uma vez, o estado de São Paulo, região com um grande número de pessoas imersos na cultura digital, possui 46 milhões de habitantes.
Já os países nórdicos, compostos pela Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega, Suécia, Groenlândia, Ilhas Faroé e Åland, uma das áreas da Europa com o maior número de pessoas inseridas no mundo digital, tem apenas 27 milhões. Sentiu a diferença?
Agora imagine o tamanho do impacto individual de nosso trabalho e nossas decisões. Nós conseguimos coletar, analisar e trabalhar com uma quantidade monstruosa de dados sem nem sair do quintal de casa. Isso por si só nos deixa aptos a lidar com inúmeros desafios.
Muitos trabalhadores de empresas nacionais de outros países nunca foram expostos a esse mesmo tipo de circunstância. Apertar um botão e enviar um e-mail para 50 milhões de pessoas. Fazer um commit que vai afetar 100 milhões de usuários.
Nós somos agradáveis
Generalizando bastante, somos uma população extrovertida e aberta para o próximo, sendo fácil para gente puxar uma conversa no elevador, quando encontra um conhecido na rua ou numa reunião de trabalho. Isso descontrai e ajuda a criar um relacionamento saudável com as pessoas.
Enquanto em muitos outros lugares isso não é tão natural, tão fácil ou comum para a população local, dada sua cultura por vezes mais fechada e menos receptiva.
Obviamente que por si só isso não significa nada. Porém, se somados a um profissional com um mínimo de conhecimento em sua área e boa vontade para trazer soluções para problemas, temos aí um diferencial que arranca sorrisos e elogios de todos à sua volta.
Eu nunca ouvi uma reclamação por excesso de simpatia ou calor humano por aqui até hoje. Pelo contrário. Só ouvi frases como "São pessoas como você que precisamos por aqui, para fazer as coisas andarem e as pessoas se comunicarem".
Nós temos ginga
OK. Talvez nem todos tenham a ginga da Capoeira, mas você entendeu… / Foto por Eduardo Marquetti.
Se isso ainda não é o bastante, recorro a mais uma característica nata da nossa gente: saber se virar nos 30. Muita gente dá nó em pingo d'água por aí para pagar contas, aluguel, mercado e muito mais com um salário longe do ideal.
Muita gente aprende a fazer mágica com durex e fita isolante, não porque é legal ser Magvyer e saber "dar um jeitinho" nos problemas que aparecem pela frente. Mas porque, infelizmente, nossa sociedade nos obriga a conviver com isso.
E, por mais triste que essa situação seja, isso nos concede uma vantagem em relação aos demais de outros países por uma simples razão: passamos a ser criativos e enxergar formas de resolver problemas que ninguém mais poderia ver.
Essa flexibilidade e coragem de tentar algo diferente surpreende e é vista como um de nossos superpoderes.
Nós somos bons no que fazemos.
Dito isso tudo, venho agora trazer a razão de tanta exaltação da nossa gente: acredite ou não, nós somos bons. Muito bons. Expecionais eu diria.
Muitas vezes a tal da síndrome do vira-lata não nos deixa ver isso, mas nosso conhecimento e capacidade são fantásticos. Adiciono aqui o fato de que durante minha experiência fora do Brasil, referências brasileiras ainda continuam sendo diferenciais.
Vivendo aqui onde estou, cansei de ter que traduzir para meus colegas textos fantásticos escritos por brasileiros sobre inclusão, Content Design, estratégia e liderança.
Fora, claro, os projetos incríveis como os apps do Itaú, Nubank ou o recente Horcel expandindo e aprofundando ainda mais o alcance da acessibilidade e o trabalho da WCAG. Todos fáceis de serem premiados internacionalmente, mas, na maioria das vezes, disponíveis apenas em português.
Tudo fica melhor em inglês britânico
Você já deve ter ouvido falar que qualquer baboseira dita em inglês com sotaque britânico dá mais credibilidade, certo? Por mais nefastas que sejam as razões por trás disso…
Pois bem. E porque a pessoa dizendo seja lá o que for na língua do Shakeaspere não pode ser você? Tem sempre que ser alguém de fora do Brasil? Esse é meu ponto aqui. Temos muito a dizer.
Já estive em muitas discussões onde falávamos sobre métodos de pagamentos e me mostraram tantos apps legais que fizeram por aí para comprar e pagar de maneiras diferentes. E eu sempre pergunto: Você já cogitou pagar via WhatsApp? E os olhos se arregalam.
Eu continuo: Você já pensou em transferir dinheiro pra alguém usando o número de celular, e-mail, RG ou qualquer outra forma única de identificar uma pessoa? E as pessoas explodem de curiosidade ao ouvir em falar em PIX pela primeira vez.
Na mesma medida, os ensinamentos dos grandes líderes com quem tive o prazer de conviver no Brasil continuam sendo os maiores na minha carreira, e causando efeitos na cultura local através das minhas ações e postura no dia-a-dia.
Acredite se quiser, mas muitos líderes têm dificuldades em colocar as pessoas em primeiro lugar por aqui. Talvez seja por conta de como eles crescem lidando uns com os outros. Mas é fácil sentir o quanto eles precisam se esforçar para garantir um mínimo de convívio saudável, com conversas abertas, feedback construtivo e debatendo ideias nos projetos.
E ainda, a didática, a forma de ensinar e abordar os assuntos também é vista com muito carinho e admiração pelos meus colegas e alunos europeus.
Tive a oportunidade de dar palestras e aulas um punhado de vezes e o feedback foi um dos melhores já coletados na história do curso. Tudo baseado em materiais e experiências que vivi no Brasil, adaptadas para o contexto local.
Pois bem, é por essas e por outras que digo: escrever, divulgar e mostrar por aí nosso trabalho SÓ em português é limitar demais nossa capacidade e alcance.
Produzir e compartilhar nosso conteúdo em uma língua mais acessível para o mundo é essencial para aumentar ainda mais essa admiração que profissionais de fora tem pelo nosso trabalho.
Por muito tempo ouvimos que o inglês era um super diferencial no mercado de trabalho brasileiro. Eu discordo completamente. Te ajuda a ler, aprender, ter acesso a outras fontes e materiais, mas nunca usei o inglês na prática no Brasil, ainda que trabalhando em multinacionais.
Nas palavras de um amigo quando comentei sobre esse texto, "Precisamos de inglês para exportar!". Exportar todos esses tesouros nacionais que mencionei ali em cima.
E não se enganem, hein? Não to dizendo que ninguém aqui precisa entrar no cursinho de inglês e ter os diplomas de proficiência e blá blá blá. O que vale é a capacidade real de comunicação. É entregar a mensagem.
Convivo diariamente com muitas pessoas que usam o inglês como língua primária, mas não sabem nada de gramática, inclusive eu. E a regra geral é: ninguém liga. Então controle sua ansiedade e foque numa coisa só: garantir que mais pessoas possam te alcançar e ouvir todas as maravilhas que passam pela sua cabeça. E vai na fé!
Ps.: Quem quiser conversar mais sobre UX, Product Design, tecnologia num geral, ou a experiência de mudar do Brasil para um país diferente, pode me dar um alô no Linkedin.
Em português, inglês ou sinal de fumaça. O importante é dar um jeito de se comunicar. =p
Este artigo foi escrito por Flavio Lee Budoia e publicado originalmente em Prensa.li.