Precisamos falar sobre as olimpíadas
Tóquio 2020. Uma olimpíada completamente diferente do que estamos acostumados a ver, a começar pelo ano de sua realização, 2021, em decorrência da pandemia causada pela Covid-19.
Um dos maiores eventos do mundo repleto de medidas de segurança, sem público, com momentos de superação, grandeza, espírito olímpico, mas, também, com críticas políticas, à comitês olímpicos, atletas e confederações, saúde mental. É muita coisa.
Política e esporte se misturam sim
Aos que dizem que o esporte e a política não se misturam eu lamento dizer que vocês estão errados. Eles não só se misturam como se unem para dar voz à conflitos internos ou às guerras de longa data.
Entendendo o clima tenso que envolvem alguns movimentos mundiais, o COI – Comitê Olímpico Internacional – permitiu que nessas edições dos jogos houvesse manifestações políticas por parte dos atletas.
Pudemos ver atletas se manifestando através de frases em camisetas, trajes esportivos, bonés e tênis, gestos, redes sociais, entrevistas e até mesmo no pódio. As principais causas foram o racismo, o feminismo, a homofobia. Mas, também tivemos questões políticas graves envolvendo atletas palestinos e israelenses.
LGBTQIA+
Nessa edição dos jogos tivemos 79 (o número pode variar até 163) atletas assumidamente LGBTQIA+, sendo 16 deles atletas da delegação brasileira.
Foto: Laurel Hubbard (LGBTQIA+) - créditos Dan Mullan/Getty
A neozelandesa Laurel Hubbard, que participou do levantamento de peso, se tornou a primeira atleta trans a participar dos jogos olímpicos e se tornou alvo de críticas por parte de outros atletas e confederações. O que poucos sabem é que ela se submeteu a testagens hormonais durante 12 meses, feita pelo COI, para garantir sua participação sem que houvesse “injustiças” (palavra usada pelo presidente da seleção espanhola de halterofilia e por uma das atletas competidoras na modalidade).
Pela seleção canadense de futebol, a atleta Quinn se tornou a primeira atleta trans e não-binária a conquistar uma medalha olímpica e a repercussão foi tão grande que a própria atleta, através de sua conta no Instagram, escreveu “o primeiro trans olímpico abertamente a competir. Não sei como me sentir”.
E dando um show a parte com sua alegria e simpatia, tivemos a skatista Alana Smith, assumidamente não-binária, sendo acolhida não apenas pelas demais skatistas, mas, também, pelos atletas em geral.
Feminismo
As mulheres, além de fazerem bonito nos jogos, se impuseram ao negarem o uso de uniformes sexy. Aliás, um dos casos mais chocantes aconteceu antes mesmo do começo das Olimpíadas quando as jogadoras da seleção feminina de handebol de praia da Noruega se negaram a usar biquínis no Campeonato Europeu e foram multadas em 1.500 euros sob a alegação de usarem trajes inadequados para a competição, ou seja, elas estavam cobertas demais.
A cantora Pink, revoltada com o caso, se ofereceu para pagar a multa sexista e tuitou: “estou muito orgulhosa da equipe feminina de handebol da Noruega por protestar contra as regras muitos sexistas sobre seu 'uniforme'”.
Foto: Seitzeli (Feminismo) - créditos Instagram @seitzeli (Instagram da própria atleta)
Tivemos outros casos, como o das ginastas alemãs que usaram, pela primeira vez na história, calças cobrindo das pernas até os tornozelos. As atletas alegaram que vestidas assim elas poderiam chamar para o combate a sexualização no esporte. Vale lembrar que a ginástica é bem conhecida por casos constantes de abusos sexuais. Em entrevista a revista Time, a atleta alemã Elisabeth Seitz, disse: "nós queríamos mostrar que toda mulher, todo mundo, deveria poder decidir o que vestir".
Transformar as atletas em objetos sexuais é uma prática constante no universo machista que ainda predomina na maioria dos esportes, afinal, mulheres usando biquínis ou roupas curtas atraem público e patrocinadores. Estamos em pleno século XXI, no ano de 2021, e ainda temos esse tipo de pensamento retrógrado e precisamos dar um basta nesse quadro urgentemente. A capacidade atlética de uma mulher deve ser valorizada pelo seu desempenho e performance e não pelas roupas ou por quão sexy ela é em suas apresentações, sejam em qual modalidade for.
Racismo
Foto: Raven Saunders (Racismo) - créditos Francisco Seco/AP News
Às questões raciais foram trazidas à tona mesmo antes da cerimônia de abertura dos jogos quando jogadores das seleções de futebol feminino dos Estados Unidos, Reino Unido, Nova Zelândia, Suécia e Chile se ajoelharam em protesto antes do início de suas partidas. Os punhos cerrados da costa riquenha Luciana Alvarado, na prova de solo, também chamaram à atenção. Raven Saunders, do arremesso de peso feminino, cruzou os braços no pódio e disparou dizendo que "o X representa a intersecção onde todas as pessoas oprimidas se encontram".
A UCI – Union Cycliste Internationale – entendeu também que o diretor de ciclismo da Alemanha, Patrick Moster, foi racista ao gritar para seu atleta pegar “os condutores de camelo”. O diretor foi suspenso provisoriamente.
Israel x Palestina
Já os atletas do judô Fethi Nourine, da Argélia, e Mohamed Abdalrasool, do Sudão, se recusaram a enfrentar outros atletas israelenses por não apoiarem os ataques de Israel à palestina. Muito se falou sobre esse comportamento dos atletas, que optaram uma desclassificação sem ao menos realizarem uma luta.
Mas, o que se tem dificuldade para entender é o peso que essa decisão teve. Estamos em um dos maiores eventos do mundo e esses atletas conseguiram, de alguma forma, chamar à atenção pela causa que acreditam e lutam. Embora o esporte seja um mediador e una as pessoas, nesse caso, ele foi usado para que o mundo pudesse olhar um pouco diferente para as relações políticas entre Israel e Palestina, afinal, somos direcionados a olhar os palestinos como vilões dessa história.
Saúde Mental
Foto: Simone Biles (Saúde Mental) - créditos Tom Weller/Getty Images
Uma das grandes discussões em Tóquio foi sobre saúde mental. Simone Biles, favorita ao ouro em diversas modalidades da ginástica rítmica, simplesmente desistiu de algumas provas por estar psicologicamente esgotada e, ao invés de competir, optou por preservar sua saúde mental. Treinando desde os seis anos de idade, Simone Biles é o grande nome da ginástica, recordista mundial, tem 25 medalhas no currículo, sendo 19 de ouro. Se esperava que ela se tornasse em Tóquio a maior medalhista de sua modalidade e não foi o que houve.
Em sua entrevista ela disse que “não somos apenas atletas, somos pessoas. E, às vezes, é preciso dar um passo atrás”. Em seu perfil no Instagram escreveu: “Às vezes sinto como se tivesse o peso do mundo sobre as minhas costas. Faço parecer que a pressão não me afeta, mas é difícil”.
Após suas declarações, outros atletas, como Naomi Osaka e Michael Phelps, vieram à público e desabafaram sobre suas vidas, pressões, dificuldades, medos, angústias, depressão. Michael Phelps e Raven Saunders declararam em outras ocasiões que pensaram em suicídio.
Pratico esporte desde que me conheço por gente e sei da força que ele tem. Assim como nações já pararam guerras para ver jogos de futebol, outras levam as guerras para dentro dos campos, ginásios, centros olímpicos. Precisamos olhar nas entrelinhas do que o esporte diz porque há muito ali por se dizer. Aliás, não só precisamos olhar, mas, compreender para que haja mudanças na sociedade.
Os atletas não são máquinas, eles são, antes de tudo, pessoas.
E ainda há muito o que falar.
Imagem de Capa: Pira Olímpica - créditos Rob Schumacher - USA Today
Este artigo foi escrito por Edu Molina e publicado originalmente em Prensa.li.