Prêmio Equívoco: o melhor que a TV fez, mas não devia ter feito
"E aí? Fiquei bem na foto?" / Imagem: Rodnae Productions/Pexels
Estava pesquisando para fazer uma retrospectiva do melhor exibido pela TV brasileira em 2021, quando percebi duas coisas: primeiro, todos os sites e portais dessa internet de meu Deus fazem exatamente a mesma coisa.
Como nosso lema aqui na Prensa é produzir conteúdo “para pessoas criativas e inconformadas”, não podemos oferecer mais do mesmo; segundo, por mais criativos e inconformados que sejamos, para quê vamos publicar uma retrospectiva no início do ano?
Sendo assim, resolvi lançar algo quase inédito: o Prêmio Equívoco, um verdadeiro VAR das bolas fora, escorregadelas e bobagens cometidas pela televisão brasileira no ano que passou.
Um pequeno disclaimer, ou pedido de desculpas, em bom português: este artigo contém opiniões muito pessoais desta repórter, pois será impossível não indicar algumas atrações que estão impregnadas de opiniões bem fora da casinha, como se diz lá no Sul.
Categoria Herodes de Bronze
Uma turminha do barulho aprontando todas / Divulgação: TV Jovem Pan News
A TV Jovem Pan News, velho sonho do Grupo Jovem Pan, conquistado com trinta anos de atraso, vestiu a camisa do chefe do executivo do Governo Federal, tornando-se mais realista que o rei. Neste caso, significa flertar com o surrealismo em tempo integral.
Em dezembro, durante a polêmica da vacinação infantil, o canal conduziu no programa Os Pingos nos Is, uma inacreditável manifestação antivacinas, questionando a utilidade e eficiência de se proteger crianças. Herodes não faria melhor.
Categoria Placebo de Prata
A pandemia acabou! Não acabou? / Divulgação: RedeTV!
Na mesma linha medicinal, o telejornal RedeTV! News exibiu em março uma reportagem de quase dez minutos exaltando o remédio (indicado para piolhos) Ivermectina, como solução definitiva para a prevenção da Covid-19. Coisa que só existiu na mente do mandatário mor da nação, que ainda assim supomos não ter piolhos.
Como a RedeTV! é alinhada ao Governo Federal (em novembro, chegou a alardear no programa Mega Senha, apresentado por Marcelo de Carvalho, um dos sócios da emissora, que a pandemia havia terminado) a reportagem teve o mesmo valor que o uso da Ivermectina em pacientes do “novo” Coronavírus: zero.
Categoria Desinteresse de Diamante
Usando uma expressão moderna como o programa, “flopou” / Divulgação: TV Globo
O programa Zig Zag Arena, considerado uma criação revolucionária da Globo, resgatando brincadeiras antigas com um toque de modernidade, deu tão errado com o público e anunciantes, que foi tirado do ar nas primeiras exibições, algo que é incomum na emissora.
Apesar de todo o esforço da apresentadora Fernanda Gentil, as críticas à desastrosa carreira da atração não foram nada gentis.
Categoria Ego de Estanho
Você tem a sua, eu tenho a minha e a minha é mais legal / Divulgação: RedeTV!
Olha a RedeTV! novamente marcando pontos na nossa lista. Infelizmente. O debate político Opinião no Ar se mostrou um desfile de teorias da conspiração, fake news e loas ao Governo Federal… na prática, a mesma coisa.
A atração é comandada por Luís Ernesto Lacombe (pouco antes convidado a se retirar do Aqui na Band devido a manifestações, digamos, favoráveis em relação aos tratamentos ficcionais indicados pelo ocupante do Palácio do Planalto), sempre em companhia de participantes com opiniões similares à sua. Há o contraponto da jornalista Amanda Klein, que merece um adicional de insalubridade.
Categoria Diálogo de M…!
“I beg your pardon” / Divulgação: Warner Bros. TV
O prêmio vai com orgulho para a série The Flash, exibida pelo Warner Channel. No primeiro episódio da oitava temporada, logo que o protagonista fala algo para o vilão, pode-se ouvir claramente “olha que diálogo merda”, proferido por algum dublador ou técnico presente no estúdio, tendo escapado na edição final.
Categoria Viagem no Tempo de Adamantium
Vai e vem / Divulgação: SBT
No estilo dos bons tempos do SBT, o programa Vem pra Cá, conduzido por Patrícia Abravanel e Gabriel Cartolano, sofreu para encontrar seu lugar na programação, coisa aparentemente ainda distante de acontecer. Com repetidas mudanças de horário, formato e duração, o Vem pra Cá foi pra lá, voltou aqui, passou ali, tropeçou acolá e durante fechamento desta matéria, teve seu tempo encurtado novamente, além de transferido para o final da tarde.
Não seria nem tão estranho se não fosse uma atração concebida para o horário matutino. Mas o Vem pra Cá não foi o único. Os já veteranos Fofocalizando, Primeiro Impacto e Casos de Família também passearam à vontade pela grade da TV mais feliz (e indecisa) do Brasil.
Categoria Louros de Lítio
Derrapou feio na largada / Divulgação: TV Bandeirantes
Convidado de honra para comentar o retorno das Fórmula 1 à tela da Band, que não transmitia a modalidade desde 1981, o campeão brasileiro Nelson Piquet fez comentários duríssimos à TV Globo, para dizer o mínimo. As inconfidências aconteceram dentro do Show do Esporte, causando um constrangimento imenso entre os participantes (muitos egressos da emissora carioca) e sobretudo entre a direção das duas tevês.
É claro que não pôde faltar uma exclamação de “Globolixo”. O que se explicou prontamente durante as comemorações de 7 de Setembro, quando o mesmo Piquet foi visto fazendo serviço de motorista para o carro oficial de certo presidente de certo país da América do Sul, que considera a TV da família Marinho como um mal a ser extirpado.
Categoria Quiproquó de Sódio
Lucas Mendes e Caio Blinder: conexões desconectadas / Divulgação: TV Cultura
A Cultura recebeu de braços abertos e altas expectativas o Manhattan Connection, programa de sucesso há duas décadas pelas telas de GNT e GloboNews.
A atração trouxe tantos dissabores, polêmicas, dores de cabeça e repercussões negativas, devido às opiniões dos apresentadores e alguns convidados, que seu contrato foi rompido unilateralmente por parte da emissora, ainda na metade do ano. Definitivamente, a maior barca furada em que a rede pública paulista se enfiou nos últimos tempos.
Categoria Desvio de Função de Rubídio
A bola é minha e eu decido quem vai jogar / Divulgação: EBC
Falando em TV pública, a outra rede com as mesmas características, a TV Brasil distanciou-se cada vez mais da finalidade para a qual foi concebida. Continuando o processo iniciado em administrações anteriores, a emissora a cada momento se parece mais com um órgão de propaganda do Governo Federal e cada vez menos com uma emissora neutra, apenas subvencionada pela Secretaria de Comunicação Social.
Fica evidente toda vez em que interrompe a programação (antes, ao menos em teoria, gerida por um conselho de notáveis da sociedade civil) para transmitir ao vivo, com toda pompa e circunstância, qualquer evento no qual o dignitário máximo da República compareça. Mesmo que o interesse público em torno do evento não passe de meia dúzia de gatos pingados.
O chefe do executivo havia sugerido algumas vezes o fechamento da emissora. Mudou de ideia ao perceber que não seria fácil devido aos estatutos da EBC, seu órgão gestor, e ainda poderia servir como uma vitrine na TV aberta.
Ainda assim, boa parte dos núcleos de produção da outrora grandiosa TV Brasil, sobretudo documentários e jornalismo, foram reduzidos a pó.
Categoria Apuração de Pólvora
Como diz o ditado, “apressado come cru” / Divulgação: Record TV
Em meados de outubro, o telejornal Fala Brasil da Record TV, acreditando dar um tremendo furo de reportagem, cometeu uma das maiores barrigas da TV brasileira.
Barriga, no jargão jornalístico, é dar a notícia errada, falsa, uma imensa furada. Teria sido hilário se não fosse vexaminoso.
Em 19 de outubro, os apresentadores Sérgio Aguiar e Mariana Godoy, incluindo a mobilização do helicóptero pilotado pelo Comandante Uan Hamilton, sustentaram a história de que o gerador de energia do Shopping Tamboré, na Grande São Paulo, explodira. Sete vítimas, diversos feridos. Com imagens exclusivas, o telejornal mostrou o movimento dos bombeiros, o resgate de feridos, e até se comentou que macas perfiladas sob uma cobertura do shopping poderiam esconder alguns cadáveres. Durante vários minutos.
Até o momento em que a assessoria do shopping emitiu um comunicado à imprensa: tudo não passava de um treinamento de funcionários. Os feridos eram pessoas maquiadas. A brigada de incêndio estava em ação para uma simulação de crise.
E, principalmente, informaram que não foram contatados pelo jornalismo da Record para confirmação do que acontecia. A emenda ficou pior que o soneto: depois de ser informado sobre o deslize, o apresentador Sérgio Aguiar transmitiu uma discreta nota informando que era apenas um procedimento de rotina, sem ao menos um pedido de desculpas ao incauto telespectador.
Categoria Defesa do Indefensável de Magnésio
Receita (médica) indigesta / Divulgação: CNN Brasil
A CNN Brasil havia enfrentado problemas com o comentarista Caio Coppola, em O Grande Debate.
Necessitando de um contraponto, o que seria saudável em tempos normais, contrataram Alexandre Garcia, jornalista com larga experiência na cobertura e análise política, primeiro na TV Manchete e posteriormente na TV Globo, onde ficou à frente do Bom Dia Brasil por vários anos.
Pois não é que Alexandre Garcia resolveu sair alardeando os poderes de cura da Hidroxicloroquina em uso conjunto com a Ivermectina? E mostrou mais veemência que a Aracy da Top Therm anunciando suas cápsulas de Ômega 3.
Não preciso ser pitonisa para imaginar o que aconteceu ao jornalista, pouco depois visto pelos lados da TV Jovem Pan News, fazendo companhia ao Caio Coppola.
Categoria Folhetim de Silício
Cena de constrangimento, mas não pelos motivos certos / Divulgação: TV Globo
Na dramaturgia, retomo o assunto da novela (ou macrossérie, ainda não defini direito) Verdades Secretas 2, sobre a qual me estendi em um par de artigos, e prometo que esta deverá ser a última ocasião.
Produção híbrida entre TV Globo e GloboNews, a novela entregou principalmente grandes cenas de sexo com uma plástica e qualidade de produção invejáveis. Então, por que figuraria aqui no Prêmio Equívoco?
Além do final (pelo menos um dos finais) mais broxantes e machistas da TV brasileira, como abordei no artigo Sexo!, aqui na Prensa, Verdades Secretas 2 apresentou um diálogo entre os personagens Betty, Giotto, Matheus, Irina e Lorenzo, cada um explicando com quem tinha um caso. Uma pérola da teledramaturgia nacional. Foi como um esquete do Porta dos Fundos (para os mais velhinhos que não conhecem o grupo, e precisam conhecer, pensem numa novela do TV Pirata), inserido de forma aleatória na trama.
Era para ser uma cena tensa, mas ficou risível. Mais um pouco, teria a participação dos personagens de Scooby-Doo tirando a máscara de látex de algum personagem, que diria, enfurecido: “eu teria conseguido se não fossem estes jovens enxeridos e este cachorro idiota”.
Voltei à cena duas vezes para ter certeza absoluta que aquilo não estava ali por engano. Não, era proposital. Merecia o mesmo comentário dos dubladores de The Flash.
Categoria Champagne Quente de Alumínio
“Alô?” / Divulgação: TV Jovem Pan
Nossa Menção Honrosa de Réveillon será dada com honrarias à última live semanal do ano, feita pelo mandatário mor, transmitida ao vivo pelas redes sociais, YouTube e TV Jovem Pan News.
Não bastasse o contexto regado à fanfarronice, num momento em que o sul da Bahia e norte de Minas Gerais agonizavam em catástrofe climática, e o protagonista brincava de carrinho no Beto Carrero World, a live teve seu conteúdo interrompido ao menos três vezes por pessoas que ligaram no celular do político, o deixando furioso e contrariado. O que nos leva a crer que o sujeito em questão não sabe deixar seu próprio telefone no modo silencioso.
Foi um momento de humor involuntário muito bem vindo para nos fazer esquecer por frações de segundo que a pessoa que ocupa o cargo mais importante da administração federal é inepto frente a uma tragédia.
Categoria O Silêncio é de Ouro
A cara de susto é perfeitamente compreensível / Divulgação: RedeTV!
Como dei para me auto-referenciar, vamos com mais uma para fechar: meses atrás, falei dos programas policialescos da TV, lembram? Neste ano, um único apresentador conseguiu a indicação hors concours nesta categoria: estou falando de Sikêra Jr., da RedeTV!
Foi como se a essência de Datena, Bacci, Sônia Abrão, do finado Marcelo Rezende, Ratinho, João Kleber e Cristina Rocha fossem transferidas momentaneamente para o célebre apresentador amazonense.
Protagonizou cenas humilhantes, colecionou desafetos, promoveu polêmicas, defendeu (olha eles aí de novo) remédios milagrosos contra a Covid-19, proferiu ofensas homofóbicas e misóginas, elogiou desvarios do chefe de governo... Enfim, foi o puro suco do que não se deve fazer num programa que se pretende jornalístico.
Sendo assim, conseguiu a façanha de perder, em UMA semana, nada menos que 90 patrocinadores de seu programa (marcas que anunciavam desde a TV aberta até redes sociais). O motivo: chamar homossexuais de “raça desgraçada”.
Um movimento orquestrado pela organização Sleeping Giants Brasil conseguiu conscientizar os anunciantes a não vincularem suas marcas ao apresentador; foi a maior fuga em massa de anunciantes (e dinheiro) que se tem notícia na história da televisão brasileira, talvez até na televisão mundial.
Outorgo portanto, o galardão máximo do Prêmio Equívoco ao programa Alerta Nacional, e ao seu apresentador Sikêra Jr., a medalha Equívoco Dourado Plus Ultra II Com Leds Piscantes.
E ainda é pouco.
No final de 2022, mais uma premiação ao vivo com as cenas mais constrangedoras e deprimentes da televisão nacional.
E olha, teremos Copa do Mundo, horário eleitoral e Eleições Majoritárias.
O ano promete - e eu volto, se não acharem que exagerei!
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.