Presidente do Banco Central fala sobre Pix, Open Finance, Monetização de Dados e CBDC - Parte I
Na última semana, no seminário online "O Futuro da Regulamentação dos Criptoativos no Brasil", coordenado por Ticiano Figueiredo e Pedro Cardoso, foram debatidos aspectos sobre o Projeto de Lei (PL) n.º 4.401/21 que trata sobre a regulamentação dos ativos virtuais no Brasil.
Dentre os painelistas estava Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil (BCB), que trouxe a visão do órgão sobre o tema, bem como a agenda de inovação do órgão.
Na primeira parte da apresentação, na qual explana sobre o que está acontecendo no mundo digital, Campos salienta que as pessoas estão procurando por uma representação digital de algo que tenha valor. Desta forma, um dos caminhos encontrados é inserir uma encription em um ativo, distribuindo-o em um ledger, para que este ativo seja verificável e transferível com divisibilidade.
Este é um processo que se iniciou com os gamers e hoje abrange vários setores, como os meios de pagamento, por exemplo.
Partindo dessa premissa, Campos questiona qual é o verdadeiro debate e se, de fato, estamos migrando para uma economia tokenizada. Para o presidente do BCB, a resposta é positiva e, aos poucos, temos migrado de um ambiente account, para um ambiente tokenizado que, segundo ele, é mais eficiente que o primeiro.
Alguns bancos já têm investido no processo de tokenização de ativos. Desta forma, a transformação principal leva à extração de valor de forma digital, que já é aplicada nas artes, fotos, propriedades e ideias. Já o criptoativo, nada mais é do que fazer este mesmo processo com o dinheiro, sendo que as criptomoedas fazem parte de um processo muito mais amplo.
Atualmente, há a possibilidade de monetização de realidade virtual, sendo que hoje temos empresas listadas na bolsa cuja atividade principal é criar ativos neste universo. Segundo Campos, estamos somente no começo.
Quando se fala em meios de pagamento, o presidente do BCB, ao realizar um benchmarking em diversos mercados, como o de games, por exemplo, verificou que as pessoas buscam por um meio de pagamento seguro, rápido, barato, aberto, transparente e integrado.
Considerando que o BCB já havia implementado o Pix, analisou-se a necessidade da criação de uma moeda digital e a vinculação do pagamento instantâneo a um smart contract.
Em entrevista a diversos players que atuam nesse ecossistema, as principais questões trazidas acerca da necessidade de elaboração de uma moeda digital estariam relacionadas à sua capacidade de programação, permissão para realização de pagamentos transfronteiriços, oferecimento de custódia integrada e permissão de incorporação de protocolos de DeFi.
A necessidade de programação partiu do estudo do sistema indiano (Aadhaar), que permite a criação de um sistema de identidade digital que realiza pagamentos simples. Entretanto, ele não é programável, sem interação automatizada.
Dentre estes quatro pontos mapeados, o BCB entendeu que o principal seria a permissão de integração de protocolos de DeFi, onde o ecossistema conversa, sendo o criptoativo somente uma peça no quebra-cabeça, que conversa com todo o restante.
Desta forma, o objetivo do BCB é conectar todas essas peças em algum formato de carteira digital que englobe pagamentos, depósitos tokenizados, Open Finance, monetização de dados e stablecoins em uma trilha comum com dinheiro programável, por meio de protocolos abertos, partindo para um sistema interoperável em uma trilha única.
INOVAÇÃO NO SISTEMA FINANCEIRO
Campos menciona, nesse tópico, que no passado muito se falava na somatória de texto, pagamentos e conteúdo, que somados gerariam uma inovação financeira, já que, em uma mesma trilha, teriam uma quantidade de informação acumulada muito maior do que qualquer instituição financeira pode ter.
A título exemplificativo, ele menciona o WhatsApp com o sistema de pagamentos na plataforma, o Google com chat na Índia, somados ao Metaverso como canal de vendas onde esses dados seriam utilizados.
Quando falamos de anúncio, venda, pagamento e o que o cliente achou do produto na mesma trilha, existe uma quantidade de informação valiosa a ser explorada. Entretanto, houve uma diminuição do cronograma visto o aumento da regulação.
Inspirado na tendência mencionada acima, o BCB desenhou um sistema a interagir com esse novo mundo, o qual realizava a junção do Pix, Open Finance e inovação da moeda, que culminava na simplificação, internacionalização e conversibilidade, gerando uma moeda digital com capacidade de interagir com todos esses pontos.
Sendo assim, foi criada uma agenda tecnológica a fim de consolidar toda essa estrutura.
AGENDA TECNOLÓGICA
- Pix
O Pix é um sistema de pagamentos instantâneos criado pelo BCB, que surge como uma solução instantânea, conveniente, versátil, em um ambiente aberto, com disponibilidade permanente, de baixo custo, com processamento integrado e seguro.
O sucesso do Pix é inegável e o seu crescimento tem sido exponencial, com 478,3 milhões de chaves cadastradas até julho de 2022 e quase 90 milhões de negócios realizados somente em um dia.
No mais, o BCB tem adotado uma agenda de implementação de novas funcionalidades como Pix Saque e o Pix Troco, e a implantação de uma agenda evolutiva que inclui o Pix Cobrança, débito automático, liquidação não prioritária, Pix Internacional, pagamentos offline, Pix garantido/Crédito e cooperação com outros países.
Sobre este último ponto, o BCB, tem realizado conversas com outros Bancos Centrais, como o da Colômbia e Canadá, por exemplo, que têm estudado o nosso sistema. Campos acredita em uma realidade de expansão para a América Latina, visto que o custo de implementação do Pix para o BCB foi de somente R$ 5 milhões, o que é considerado um custo baixo ante a magnitude da operação. O baixo custo se justifica pelo fato de que a sua maior parte fica a cargo do desenvolvimento pelas instituições, sendo que o BCB seria responsável tão somente pela máquina de liquidação.
- Open Finance
O Open Finance, que se encontra em implementação gradual, tem por objetivo promover a competição, eficiência e segurança da informação do usuário, trazendo condições de equilíbrio adequado entre as instituições já existentes e os novos participantes.
De acordo com Campos, existe uma série de soluções que podem ser desenvolvidas a partir do Open Finance, tais como dispositivos para comparação de serviços e taxas, aplicativos para aconselhamento e planejamento financeiro, iniciação de pagamentos por mídias sociais e marketplaces de crédito.
O Open Finance faz com que as pessoas utilizem seus dados de forma a receber produtos melhores, mais eficientes e sob medida, e hoje encontra-se em ascensão, com mais de 7,5 milhões de consentimentos de compartilhamento de dados de clientes, mais de 4 bilhões de chamadas de API na fase 2 e mais de 800 instituições participantes, sendo considerado referência mundial sobre o tema, podendo ser integrado, ainda, com outros ecossistemas, tais como o Open Insurance e o Open Health.
- Monetização de Dados
Segundo Campos, “onde há preço alto, há informação assimétrica. Quando não se sabe muito sobre o cliente cobra-se mais caro, visto que envolve um risco unilateral”.
Desta forma, a monetização de dados é um grande mercado que está por vir, já que algumas empresas já são avaliadas não só pelo seu market cap, mas também pelo seu data cap.
Desta forma, o BCB desenhou um fluxo possível de monetização de dados triangulado, envolvendo o usuário, o gerente de dados e o parceiro, conforme imagem a seguir:
Campos salienta que, hoje, não temos no mundo financeiro uma monetização de dados de forma eficiente. Por esta razão o BCB incluiu em sua pauta regulatória e de inovação uma forma de promover este tema.
- CBDCs
Entrando no tema de criptoativos, existe um amplo debate sobre a criação de moedas digitais pelos Bancos Centrais, com três tipos de aplicações práticas verificadas internacionalmente.
O primeiro tipo verificado, utiliza a CBDC como forma de pagamento no atacado (wholesale). Esta iniciativa pode ser verificada na Europa, Singapura e Suíça.
Campos menciona que esse objetivo fica aquém da capacidade de implementação de uma moeda digital, visto que, para o presidente, é importante que as pessoas participem do processo de tokenização da economia, e esta forma de emissão limita o alcance da moeda.
O segundo tipo verificado é a emissão de CBDC para pagamentos instantâneos. Este exemplo pode ser verificado em países como Bahamas, China e Suécia. Para o Brasil, a criação de uma CBDC nesta linha não faria sentido, pois hoje já temos o Pix.
O terceiro tipo verificado é o fomento de novos negócios, exemplo então adotado pelo Brasil, Canadá e Coréia do Sul.
No próximo artigo, trataremos com mais profundidade as abordagens do presidente do BCB sobre as perspectivas da nova moeda digital, seus aspectos regulatórios e técnicos.
Neste artigo buscamos trazer de forma macro como este mercado tem sido pensado pelo regulador e nos demais iremos aprofundar sobre os principais conceitos e particularidades relacionados aos criptoativos.
E, você? Conhecia a agenda de inovação do Banco Central do Brasil?
Veja o seminário completo no Youtube.
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Este artigo foi escrito por Juliana de Jesus Cunha Chiose e publicado originalmente em Prensa.li.