Procuram-se terapeutas
Vá à terapia. É sério, pode te fazer bem. E olhe que o interlocutor nem se diz terapeuta. Poderia ser um famoso jabá de alguém que precisa urgentemente pagar as contas, mas é apenas conselho de quem não faz terapia e sabe que precisa.
Algo muito importante que um processo de análise pode provocar é o confronto aos próprios monstros. Você fala, fala e fala mais um pouco até encher o saco de esconder tudo aquilo que nada diz sobre o que de fato deveria estar dizendo.
Talvez uma boa definição – terapeutas perdoem o possível opróbrio - do que é se debruçar sobre si mesmo seja: enfrentar os seus problemas pode ser extremamente doloroso. E só acontece se você quiser. O não enfrentamento é, também, uma escolha, à revelia de viver aceitando os efeitos que nossos problemas podem nos causar.
Um grande amigo meu é mestre nessa arte de viver reclamando dos problemas sem nunca os enfrentar de frente. Chama-se Brasil, leitoras e leitores podem já ter ouvido falar. Sofre de “amnésia crônica” – já diria Zuenir Ventura, que também não é terapeuta. Em voltas com o passado, como “sombras insepultas” atormentando o presente.
Terrível, o que o esquecimento pode fazer quando o tratamos como caro convidado. Basicamente vive-se do eterno remonte do Estado, da sociedade civil, da política... Um eterno “agora vai”.
Combinemos, por ora, que não estamos falando de qualqueres, e sim profissionais do ramo. A profusão de escândalos, crises e confusões é de dar inveja ao melhor roteirista; as atuações invejam os melhores atores. Nunca duvidem do potencial da soma grandes empresários + políticos profissionais. O resultado é de uma desfaçatez cínica.
As crises, bem como as reformas, são cíclicas – qualquer um não diagnosticado com “amnésia crônica” consegue perceber, é só olhar para trás. No entanto, um movimento que exige pouco mais do que não desenvolver “amnésia crônica” é correlacionar as sucessivas crises – e reformas.
A crise atual, por exemplo, é impensável sem a herança da Ditadura Militar e a cultura da violência. Grupos de extermínio saem dos quartéis para os subúrbios enquanto desenrola-se a tal da “transição lenta e gradual”. Adicione a falta de presença do Estado, a política fracassada de guerra às drogas (ou aos pobres?) e temos a receita de metrópoles caóticas.
Escolhemos silenciar sobre nossas tragédias. Por medo do custo ao enfrentamento, naturalizamos o horror.
O Brasil apresenta sintomas de um paciente em depressão: os dias parecem não passar, arrastam-se tortuosamente, a incidência de luz não tem transição, ao piscar de olhos já é dia ou noite; por outro lado, as semanas, meses e anos parecem voar à velocidade da luz, momentos ruins do passado figuram num museu incendiado enquanto presente e futuro aparecem vestidos de ontem.
O que me leva de volta ao início dessa arenga toda: a sociedade brasileira não se assusta nas esquinas históricas em que lhe coloca o tempo, porque escondeu muito bem seus fantasmas. Trocando em miúdos, ou o Brasil entra na terapia ou não há santo remédio que ajude.
Este artigo foi escrito por Matheus Dias e publicado originalmente em Prensa.li.