Profissionais de TI e mercado, um abismo transponível
Toda inovação ampla gera amplas necessidades iniciais em quaisquer mercados. O advento da eletricidade criou um mercado de trabalho que precisou de décadas para ser alimentado por profissionais. Algo semelhante aconteceu com a invenção do automóvel, do rádio, da TV etc. Contudo, nesses casos, a evolução da inovação em si era lenta e, com isso, o tempo para suprimento das necessidades profissionais era maior.
Não é o que ocorre com o mercado de trabalho de TI; certamente, trata-se do que mais avança no mundo. Ainda: em velocidade surpreendente. Para se ter uma ideia simples, passaram-se quase 300 anos entre os primeiros avanços da eletricidade (1600, com William Gilbert) e a invenção do rádio (por volta de 1900) - ou 100 anos de distância entre esses experimentos se se considerar que Benjamin Franklin deu mesmo o maior passo para a eletricidade.
Já entre a formatação do conceito de Tecnologia da Informação (década de 60) e, por exemplo, o avanço da internet, o mundo precisou de apenas duas décadas. De lá para cá, a velocidade desse avanço só aumentou exponencialmente. A ideia (quase realidade) de metaverso que o diga.
Faltam profissionais no mundo
As questões que envolvem o conflito de elos entre profissionais e mercado de TI apresentam alguns agravantes, além da celeridade das inovações. Afinal, as novidades não alteram apenas conceitos tecnológicos, mas igualmente os objetivos e as necessidades dos negócios.
Ou seja, não são apenas as novidades que mexem em planos, mas a necessidade dos mercados de se adaptarem a elas. E isso envolve o mundo inteiro, mas claramente tudo é mais intenso em países cuja economia é conturbada.
A constatação acima foi descrita por Érico E. C. Cardoso e Tobias de David no estudo “A falta de profissionais de tecnologia de informação no mercado de trabalho”, de 2016, feito para os “Anais do II Congresso Internacional ‘Uma Nova Pedagogia Para A Sociedade Futura: Protagonismo Responsável’“. Parte desse estudo expõe motivos para a falta de profissionais, apresentados mais abaixo neste artigo.
O que dizem os números
Com toda certeza, a pandemia fez alargar a lacuna entre os dois extremos. Uma série de fatores contribuiu para aumento da demanda de mão de obra especializada. Estudos pré-pandemia da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais descreveram essa lacuna.
Aqueles estudos mostraram que a quantidade de formados em TI andava por volta de 46 mil ao ano. Por outro lado, as expectativas do mercado de mão de obra já iam muito além disso. Assim, a equação resultava em quase 25 mil postos de trabalho não supridos. Ainda segundo os estudos, a tendência anual aumentaria e chegaria a 70 mil anuais até 2024.
Em fins de 2019, a pesquisa “Achados e Recomendações para Formação Educacional e Empregabilidade em TIC” da mesma associação mostrou que a tal lacuna pode atingir um déficit de 270 mil profissionais na área de TIC. Números mais atuais indicam 56 mil postos gerados em 2021 mais 43 mil vagas não preenchidas em 2020 que se somam às 36 mil de 2019.
Apesar de altamente preocupante para o mercado, nem tudo está perdido. O problema tem sido alvo de ações providenciais como se pode ver mais abaixo.
Por que faltam profissionais
A velocidade das inovações tecnológicas pode ser uma das causas da demanda não suprida; pandemia pode ser outra. Contudo, verdadeiro “êxodo de cabeças pensantes” para fora do país é também contundente.
Entretanto, há outros fatores base para explicação do fenômeno. Em artigo extraído do estudo acima (“A falta de profissionais de tecnologia de informação no mercado de trabalho”), a Athon Educação Superior apresentou alguns motivos. Nem tudo é culpa de pessoas:
--> Falta de habilidades e conhecimentos multidimensionais por parte dos profissionais
--> Nomenclatura estranha, não explicativa, de nomes dos cargos
--> Especialistas em TI mais confortáveis como “gurus” do que como gerentes
--> Incertezas sobre planos de carreira
--> Incentivos internos não confiáveis
--> Má gestão na captação de profissionais no mercado
--> Deficiência nas relações humanas
--> Falta de investimentos consistentes, estratégicos, otimizadores em mudanças substanciais
Onde eles estariam?
Muitos estão no exterior, conforme já comentado acima. Outra parte está no Brasil, mas trabalhando para empresas estrangeiras sendo remunerada pelo dobro do salário. É o que identificou o site Desafios da Educação.
Além disso, em seus levantamentos, o site constatou que mais de 150 mil alunos se matricularam em cursos superiores em TI. Isso significa que há cursos suficientes e que deveria haver bastantes profissionais para assumir os milhares de postos de trabalho.
Onde estariam profissionais de TI? Há espaço enorme para eles neste mundo. [Imagem: \Pexels - PixaBay]
Contudo, duas situações relacionadas a cursos de graduação dificultam as coisas: currículos engessados, o que acarreta consequente abandono acadêmico; profissões não regulamentadas, o que acarreta profissionais autodidatas. A segunda situação, ainda segundo análises de estudiosos, tem o efeito de nivelar para baixo a expertise de profissionais contratáveis.
O que tem sido feito
O cenário é aterrador, como se vê. Contudo, o “mercado consumidor de mão de obra” não está parado, não está passivo. Diversas empresas de TI assumem a responsabilidade de criar profissionais para si mesmas, capacitando-os diretamente ou oferecendo cursos virtuais a interessados.
Claramente, essa estratégia detém riscos de perda de talentos pouco tempo depois. Por outro lado, as perdas econômica e de oportunidades seriam ainda maiores ao não se assumir tal risco.
O Banco Inter, a locadora de automóveis Localiza, o IFood e a própria Microsoft, entre outras empresas, são exemplos de investimento em conhecimento em TI. Afinal, o setor contribui com quase 7% do PIB. Esse contexto justifica oess riscos para essas e outras dezenas de empresas.
Então, desenvolver caminhos para que interessados “descubram” as faculdades é importante. Mais importante ainda é otimizar a grade curricular. Enquanto isso não é feito, as próprias empresas se tornam a porta de acesso para o universo de TI.
Nesse horizonte, parcerias são mantidas com intuito de formar profissionais. A Linked Education aplica a ideia “praticamos e ensinamos data science. Todos os dias. E gostamos disso” diretamente em sua linha de atividades.
O universo “Open”
As competências no universo da TI são inúmeras. Algumas absorvem mais profissionais, outras menos, mas todas contratam mais que qualquer outra atividade do mercado. Um nicho do mercado de TI que tem chamado a atenção de profissionais é a área financeira. As forças tecnológicas parecem ter descoberto esse filão de desenvolvimento.
O conceito de Open Banking (troca de informações entre bancos) foi o primeiro passo para se chegar à ideia de Open Finance (troca de informações entre instituições financeiras em geral). Em princípio, tudo pode parecer meio assustador, especialmente para leigos. Entretanto, é quase impossível mensurar o nível de serventia ou o alcance dos benefícios que esses serviços têm gerado para instituições e seus clientes.
O caminho foi “aberto” e tudo indica que o destino é “Open X”. Isto é, aplicação de noção de “abertura” em 3 campos de ampliação nas relações clientes-instituições: Open Banking, Open Insurance e Open APIs. Mas isso é tema para outro artigo.
O importante é você saber que, seja qual for o futuro das “opens”, você pode estar lá ao se preparar hoje..
Este artigo foi escrito por Serg Smigg e publicado originalmente em Prensa.li.