Programadores + Burnout - Uma combinação perigosa
Com a chegada da pandemia, o trabalho remoto realmente veio para ficar. É possível se trabalhar do Brasil para uma pessoa que more nos Estados Unidos, em algum país da Europa, da África, da Oceania ou da Ásia e receber em Dólares, Euros ou Libras sem sair de casa.
Porém, com o advento do trabalho remoto, surgiram alguns outros problemas mais graves também, como a dificuldade de muitos destes trabalhadores não conseguirem se desligar completamente do trabalho ou até mesmo exagerar em horas extras, trabalhando finais de semana e feriados sem parar.
Muitos programadores vem sofrendo deste fenômeno de excesso de trabalho e estresse psicológico profundo chamado burnout. De acordo com a Organização Mundial da Saúde em 2019, o burnout foi classificado como "uma síndrome conceptualizada como o resultado de estresse crônico do ambiente de trabalho que não foi propriamente tratado". É importante notar também que a OMS definiu que o burnout é causado exclusivamente por fatores estressantes no ambiente de trabalho.
Segundo uma pesquisa realizada em conjunto pelas empresas Deloitte e Workplace Intelligence em quatro países, os funcionários estavam lidando com todos os tipos de problemas relacionados à burnout e bem-estar:
- 43% dos funcionários informaram estar frequentemente ou sempre exaustos
- 42% estavam estressados
- 35% se sentiam sobrecarregados
- E 23% informaram que estavam em depressão.
Neste artigo de 1981, Lance Morrow fala que o burnout é "a doença dos frustrados... é uma frustração tão profunda que exaure o corpo e a moral. O burnout, em estados avançados, impõe uma fadiga que chega a ser, enquanto está acontecendo, uma sensação bem semelhante a morrer." Aparentemente, 40 anos depois, suas palavras foram tão certeiras que em vários casos próximos relatados, a descrição é exatamente a mesma.
Por que entramos em Burnout?
De acordo com este artigo do CodeSubmit e com dados coletados em anos de pesquisa fornecidos pela Associação Médica da Alemanha, os fatores que levam ao burnout podem cair em duas categorias: internos e externos.
Fatores internos são aqueles intrínsecos ao indivíduo que está passando pelo burnout, normalmente ligados aos seus traços de personalidade, como por exemplo:
- Criar expectativas idealísticas de si mesmo; altamente ambicioso ou perfeccionista
- Ter uma forte necessidade de reconhecimento
- Necessidade de agradar outras pessoas, suprimindo as suas próprias necessidades no processo
- Controlando e não conseguindo delegar; se sentindo insubstituível
- Frequentemente superestimando a si mesmo; trabalhando em excesso e ficando sobrecarregado
- Enxergando o trabalho como a única atividade com significado e permitindo que o trabalho seja um substituto para a vida social
- Trabalho percebido como injusto ou desigual, gerando sentimentos de que o trabalhador "não é apto para o cargo" e alimentando a Síndrome do Impostor.
Porém, fatores externos comumente são ligados ao ambiente de trabalho que os indivíduos se encontram, gerando uma forma de "burnout passivo". Fatores externos incluem:
- Ambiente de trabalho tóxico, como bullying e agressões verbais constantes
- Falta de autonomia e a percepção de não ter influência sobre decisões no ambiente de trabalho
- Falta de oportunidades para desenvolvimento pessoal e profissional
- Problemas com a liderança ou a gerência, demonstrando falta de clareza em tarefas ou no que é esperado para determinados cargos, comunicação falha ou falta de feedback positivo
- Falta de suporte da gerência ou do time, consistentemente associados com exaustão
- Carga de trabalho excessiva e ingerenciável, prazos extremamente curtos, que excedam limites humanamente possíveis, escopo de trabalho confuso ou incerto
- Micromanagement e falta de confiança da liderança com os funcionários
O burnout tipicamente é uma mistura de fatores internos e externos. Conseguir identificar claramente e nomear esses vários fatores pode ajudar os programadores a encontrar soluções para lidar com o stress e evitar que o burnout ocorra.
Sintomas comuns de Burnout
Descobrir que se está sofrendo de Burnout é possível e identificável pelo próprio desenvolvedor. De acordo com um [artigo da Scientific American], Os psicólogos Herbert Freudenberger e Gail North criaram um modelo de 12 estágios de burnout:
1. Compulsão em se provar: Demonstrar valor obsessivamente; normalmente atinge os melhores e mais entusiasmados funcionários, que aceitam responsabilidades mais prontamente.
2. Trabalhar ainda mais duro: Não conseguir mais se desligar do trabalho.
3. Negligenciar suas próprias necessidades: Sono e dieta completamente desregulados e falta de interação social.
4. Substituição de Conflitos: Os problemas são dispensados, pois o funcionário passa a se sentir ameaçado, em pânico e ansioso.
5. Revisão de Valores: A pessoa passa a inverter seus valores, amigos e família são comumente afastados e dispensados, hobbies começam a se tornar irrelevantes, somente o trabalho importa.
6. Negação de problemas: Intolerância; ver colegas de trabalho como estúpidos, preguiçosos, exigentes ou indisciplinados; reduzem ainda mais os contatos sociais; cinismo; agressividade; problemas começam a ser justificados pela pressão do trabalho ou de prazos apertados, não por causa das mudanças na vida.
7. Isolamento: Vida social muito restrita ou inexistente, necessidade de se aliviar do estresse, uso de álcool e/ou drogas.
8. Mudanças Bruscas de Comportamento: As mudanças no comportamento são óbvias; amigos e família ficam preocupados.
9. Despersonalização: A pessoa começa a ver a todos e a si mesmo como sem valor, não mais percebe suas próprias necessidades.
10. Vazio interior: A pessoa começa a se sentir vazia por dentro e, para compensar, começa a frequentemente realizar atividades potencialmente nocivas como comer compulsivamente, consumir sexo, álcool ou drogas exageradamente.
11. Depressão: Sentir-se perdido e inseguro, exausto, o futuro começa a ser percebido como sombrio.
12. Colapso Total: Este colapso pode ser mental, físico ou ambos juntos; aqui se torna necessária a intervenção médica.
Problemas causados pelo Burnout
Eventualmente, estes sintomas acima citados podem causar vários problemas, não só psicológicos, como físicos. Pessoas que sofrem da síndrome de burnout frequentemente são impactadas de diversas formas, além dos mencionados pelas etapas acima:
Problemas de Saúde Físicos, como:
- Aumento da probabilidade de:
- doenças cardíacas
- hipertensão sanguínea
- diabetes tipo 2
- problemas respiratórios
- morte antes dos 45 anos
Problemas de Saúde Mentais, como:
- Ideações Suicidas
- Síndrome do Pânico
- Síndrome do Impostor
- Aumento da probabilidade do uso de medicação ou intervenção hospitalar
Consequências pessoais, como:
- Abuso de álcool ou substâncias químicas
- Irresponsabilidade com finanças
- Agressividade com amigos e familiares
- Incapacidade de cumprir responsabilidades próprias
Consequências profissionais, como:
- Insatisfação no ambiente de trabalho
- Incapacidade de trabalhar bem
- Drenar recursos da empresa
Há uma forma de prevenir o Burnout?
Sim, existem formas de evitar o burnout nos programadores de uma empresa. Uma delas é utilizar o Inventário de Burnout de Maslach (MBI - Maslach's Burnout Inventory) , desenvolvido em 1981 por Christina Maslach para medir o nível de Burnout nos funcionários de uma empresa.
Normalmente o MBI mede o quão frequentemente as pessoas expressam os sentimentos de exausão, cinismo e eficácia profissional, variando entre "nunca" a "todo dia". Os respondentes devem reportar quanto à continuidade desses sentimentos, se são "mais positivos" ou "mais negativos", ao invés de usar "sim" ou "não".
Em questão individual, de acordo com a cientista Paula Davis e o desenvolvedor de software Cassidy Williams, existem algumas formas possíveis de reduzir o estresse de modo a evitar ou para sair de uma crise de burnout:
- Entender que burnout não é um indicativo que você falhou. É importante lembrar que o burnout é um indicativo que as pessoas estão em um ambiente de trabalho onde eles foram pressionados além do comum por tempo demais. Não há necessidade em sentir culpa ou vergonha em ter burnout.
- Identificar as tarefas que geram energia e as que drenam. Tome nota do que você gosta de fazer e o que você não gosta de forma alguma. Saber o que te energiza e o que te suga pode te ajudar a identificar quais projetos você priorizará e quais você começará a dizer "Não".
- Diga "Não" mais frequentemente.
- Tenha sempre em mente eventos positivos e pequenas vitórias. Lembre-se dela durante tempos difíceis para se lembrar de tudo de bom que você já fez.
- Seja realista com o que você consegue ou não fazer com os recursos a seu dispor. Considere cuidadosamente a quantidade de energia e tempo que você precisará desprender a projetos e pedidos de colegas.
- Reduza suas demandas ao dividir com seus gerentes e externalizar o apoio adicional necessário para fazer seu trabalho.
- Aproveite os recursos existentes aproveitando seus pontos fortes e sua rede de suporte.
- Peça ajuda a colegas de trabalho e aos gerentes. Seja específico sobre seus pedidos.
- Reduza os padrões irreais que você se espelha. Nem tudo precisa ser perfeito.
- Descanse propriamente. Reconheça os momentos onde você está exausto e tire uma pausa sempre que possível.
Conclusão
Às vezes, a melhor forma de lidar com o burnout é sair e existem muitas formas de fazer isto. Sair de um projeto que não dará em lugar algum, desistir de um objetivo que não se alinha com seus valores ou desistindo de uma tarefa que exacerba seus pontos fracos ao invés de exaltar seus pontos fortes. Outras vezes, pedir demissão pode realmente ser a resposta.
De acordo com Paula Davis, "Resiliência requer que você continuamente re-avalie sua posição baseada em novas informações que você recebe, sejam internas ou externas ao seu ambiente." Quando pensar em se demitir, entenda que "pedir demissão é um sinal fenomenal de resiliência" e que você está "respondendo aos desafios de uma maneira flexível." Entender a intensa dissatisfação é um passo extremamente importante para criar um melhor futuro no ambiente de trabalho.
Este artigo foi escrito por Bruno Digon e publicado originalmente em Prensa.li.