A mulher mais poderosa do mundo
O mandato de Angela Merkel como chanceler alemã chegou ao fim no mês de setembro de 2021, após 16 anos. A chanceler de quatro mandatos deixa o cargo depois de guiar a Alemanha em crises internacionais e domésticas.
Ao fazer isso, ela ganhou o título da Forbes de "a mulher mais poderosa do mundo", todos os anos, durante uma década.
A ascensão do populismo e do nacionalismo em muitas democracias avançadas cimentou a imagem de Merkel como a "líder do mundo livre".
Sua liderança baseada na ciência foi amplamente elogiada como exemplar em domar a pandemia do coronavírus.
A chanceler é descrita como conciliadora, ponderada, pragmática, bem informada e alguém que ouve mais do que fala.
É, no entanto, criticada por adiar decisões até o último momento e, em determinadas situações, não agir de maneira incisiva o suficiente.
Mesmo com os pesares, seu legado trouxe algumas mudanças significativas. Merkel foi responsável por:
Abolir o serviço militar obrigatório;
Eliminar gradualmente a energia nuclear;
Legalizar (com algumas restrições) a dupla cidadania;
Adotar a igualdade no casamento;
Implementar uma cota de gênero nos conselhos corporativos e;
Instituir um salário mínimo.
Esse legado é ainda mais notável porque muitos viam Merkel como uma líder interina quando, em 2005, ela se tornou a primeira mulher, e a mais jovem chanceler da história alemã.
Embora sua liderança poderosa em muitos domínios seja amplamente reconhecida, seu histórico em políticas de igualdade de gênero é misto.
Merkel tem uma relação complicada com o feminismo. Quando a chanceler liderou a política de igualdade de gênero, sempre foi por trás das cortinas e mantendo sua decisão firme até o último momento.
O caminho da Alemanha para a igualdade de gênero
Historicamente, os estudiosos consideram a Alemanha um retardatário na adoção das medidas de igualdade de gênero.
Por exemplo, só em 2020 o Bundestag (Parlamento da República Federal da Alemanha) adotou a abrangente “Estratégia de Igualdade de Gênero do Governo Federal”, promovida pela Ministra da Mulher, Franziska Giffey, do Partido Social Democrata (SPD).
Mas o papel da Alemanha está mudando.O Instituto Europeu para a Igualdade de Gênero (EIGE) de 2019 colocou a Alemanha em 12º lugar entre todos os estados membros da União Europeia.
Embora essa posição garanta que a Alemanha esteja na média da União Europeia, o EIGE concluiu que "a Alemanha está progredindo em direção à igualdade de gênero mais rápido do que a UE", especialmente no domínio do "poder".
Isso é ainda mais surpreendente, já que a União Democrática Cristã (CDU), o partido de centro-direita de Merkel, é conhecida por promover famílias tradicionais
Líderes femininas conservadoras no governo
Uma pesquisa realizada em 2018 pela Universidade de Cambridge mostra que as mulheres conservadoras podem ser defensoras eficazes da igualdade de gênero, embora possam evitar o feminismo.
A presença de mulheres nos palcos políticos proporciona o que os cientistas sociais chamam de “empoderamento simbólico das mulheres”, oferecendo modelos para meninas que podem ser capazes de se verem nos cargos mais altos.
A presença de Merkel na política alemã abriu a porta para outras mulheres, incluindo Ursula Von Der Leyen, que é presidente da Comissão Europeia e Annegret Kramp-Karrenbauer, ministra da Defesa, para assumir funções políticas mais ambiciosas.
O número crescente de mulheres nos parlamentos também está relacionado a demandas públicas mais fortes por justiça de gênero e direitos LGBTQIA+.
Por exemplo, em 2020, mulheres conservadoras na CDU desafiaram a liderança do partido a instituir uma cota de 50% para mulheres em sua lista até 2025.
Merkel possibilitou essas demandas sinalizando que não se oporia a elas, mostrando sua forma pragmática e conciliadora de governar.
Merkel e sua habilidade conciliadora
A própria Merkel, como muitas líderes femininas conservadoras, desempenhou um papel ambivalente na modernização das relações de gênero na Alemanha.
Por exemplo, ela ajudou a promover a igualdade no casamento convocando uma votação, sabendo que seria aprovado, enquanto votava contra a própria legislação.
A era Merkel ajuda a iluminar as condições sob as quais a mudança de igualdade de gênero pode ocorrer em democracias governadas por líderes conservadores de forma mais ampla.
Na maior parte, Angela facilitou de forma passiva e indireta os esforços de igualdade de gênero, não bloqueando propostas e permitindo discretamente que grupos da sociedade civil e partidos rivais impulsionassem políticas de igualdade de gênero.
Por exemplo, após uma decisão do Tribunal Constitucional, Merkel permitiu que o parlamento alemão introduzisse e aprovasse uma nova legislação criando uma opção legal para o terceiro gênero em documentos de identidade.
Nas políticas de educação, Angela apoiou Von der Leyen na modernização da pauta tradicional da CDU de "kinder küche kirche" (crianças, cozinha, igreja) como as preocupações ideais das mulheres.
O governo de Merkel não é o único responsável pelas reformas da igualdade de gênero na Alemanha.
Por exemplo, o Partido Social Democrata (SPD), propôs e ajudou a aprovar muitas políticas progressistas de gênero. Nestes casos, Merkel saiu dos holofotes e se posicionou nos bastidores realizando acordos de coalizão entre o CDU e o SPD.
‘Sim, sou feminista!’ Três lições da gestão de Merkel
O cargo de Chanceler moldou sua ocupante: Merkel, com o tempo, tornou-se feminista, talvez a despeito de si mesma. Na verdade, com o fim de seu mandato, ela finalmente anunciou: "Sim, eu sou uma feminista!"
A liderança de Merkel na política de gênero é consistente com essa identificação tardia, cautelosa e evolutiva.
Ela reconheceu recentemente que as cotas eleitorais de gênero podem ser necessárias para alcançar a igualdade no Bundestag.
Além disso, a chanceler instituiu políticas de gênero progressistas de mais maneiras do que se poderia esperar de um partido conservador.
Embora seu motivo possa não ter sido a igualdade de gênero, sua sensibilidade infundida na Alemanha Oriental insistia que as mulheres são uma parte importante do mercado de trabalho e que a cultura empresarial da Alemanha deve ser socialmente empreendedora.
Como resultado, a Alemanha investiu consideravelmente em políticas públicas de assistência infantil e licença remunerada, colocando-a entre os dez primeiros países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico em políticas favoráveis à família.
No entanto, liderar pela retaguarda na igualdade de gênero teve seus custos. A maneira de Merkel lidar com questões de justiça de gênero nos bastidores deixou muitas oportunidades perdidas.
Por exemplo, sua voz esteve ausente de contrariar a retórica agressiva antifeminista e anti-LGBTIA+ do partido de direita, Alternativa para a Alemanha (AfD), cuja mensagem machista foi aceita por alguns de seus próprios membros do partido.
Sucedendo a mulher mais poderosa do mundo
A Alemanha enfrenta, desde o dia 26 de setembro, as negociações sobre quem sucederá Angela Merkel como chanceler, após uma eleição apertada em que os eleitores mostraram pouco entusiasmo pelos candidatos que disputam a liderança da maior economia da Europa.
Merkel, cujos 16 anos no cargo a viram ser apelidada de Rainha da Europa, permanecerá no poder até que uma nova coalizão seja formada.
A corrida para suceder Merkel está reduzida a três candidatos: Armin Laschet, da União Democrática Cristã de centro-direita de Merkel, Olaf Scholz, dos social-democratas de centro-esquerda, e Annalena Baerbock, do Partido Verde.
Qualquer um deles que seja eleito terá em suas mãos a obrigação de ser tão grandioso quanto a mulher mais poderosa do mundo.