Qual o sentido da candidatura de Simone Tebet?
Em todas as eleições, desde a redemocratização, existem candidaturas que podem ser consideradas... exóticas. Afinal, não é de hoje que elegemos palhaços como deputados e artilheiros da Copa do Mundo como senadores. Mas até mesmo Tiririca e Romário tinham uma visão sólida de onde partiam e aonde queriam chegar. Tanto que foram eleitos.
Mas o que dizer de uma candidatura que, desde o nascedouro, não tem a mínima chance de ser eleita, sob qualquer perspectiva? Este é o caso do estranho movimento político do MDB para lançar a senadora Simone Tebet para a corrida presidencial.
Simone Tebet só é conhecida do grande público por três motivos: pela oposição à presidente Dilma Roussef no processo de impeachment, pela oposição ao presidente Jair Bolsonaro na CPI da Pandemia e porque o seu sobrenome é um palíndromo.
A candidatura de uma mulher nitidamente passa por uma tentativa do MDB (PMDB) de tentar capitalizar em cima do atual cenário, positivo para a esquerda em toda a América Latina. Tanto que a campanha da senadora trabalha bastante em busca do voto feminino.
E aí reside a primeira grande contradição: Simone Tebet prega a valorização de mulheres na política, mas foi uma das mais combativas do Congresso durante o processo de destituição da primeira presidente mulher da história do Brasil. É uma conta que não fecha.
Para piorar, todo o processo de impeachment foi marcado por ataques misóginos contra Dilma. Desde adesivos pornográficos com o rosto dela em carros até cartazes irônicos empunhados por seus opositores no legislativo. Todas as vezes em que Tebet é cobrada sobre isso, ela nunca consegue dar uma resposta convincente. Sua campanha soa como uma tentativa tardia de seu partido de se descolar da imagem de desprezo pelas mulheres que permeou os últimos anos da política brasileira.
Só que isso não tem sido suficiente para atrair o voto feminino. Muito menos o voto das mulheres declaradamente feministas que tomaram o partido de Dilma no passado e que não engolem os apelos de sororidade da campanha da medebista quando a própria não correspondeu a este apelo anteriormente.
As pesquisas mostram que a maioria das mulheres prefere votar no ex-presidente Lula ou no ex-governador Ciro Gomes. E pior, até mesmo o atual presidente Jair Bolsonaro, conhecido por diversos episódios de machismo contra mulheres, tem mais votos femininos declarados.
Para falar a verdade, este é outro ponto interessante. Tebet mal sai de 1% ou 2% na maioria das pesquisas. Quando, em uma pesquisa específica, ela atinge 4%, suas redes sociais celebram o aparente crescimento. Ora, alcançar aproximadamente o triplo disso fez a campanha de Moro ruir até ele ser abandonado e estacionou a campanha de Ciro em uma eterna crise.
Quem então vai votar em Tebet? Boa parte do mercado e da burguesia nacional. Os mesmos que acham que os projetos de Lula e Ciro não atendem às suas demandas e que sabem que Bolsonaro é um trem desgovernado completamente imprevisível.
Tebet deveria ser a famosa "terceira via” entre Lula e Bolsonaro. Mas o fato é que está empatada tecnicamente em quase todas as pesquisas com candidaturas nanicas como as de Sofia Manzano do PCB e Vera Lúcia do PSTU. E aí reside, talvez, o ponto mais exótico dessa extravagante candidatura.
Por que Tebet aparece tanto na mídia se praticamente ninguém vai votar nela? Qual a relevância de pôr em destaque uma candidata sem voto da população em pleno período eleitoral? Recentemente, tal situação chegou a incomodar o jornalista Guga Chacra. No final de junho o jornalista da Globo News expressou seu incômodo após a apuração de uma das pesquisas do Datafolha ao afirmar que, se fosse um correspondente estrangeiro no Brasil, jamais cobriria uma "terceira via com 1%", pois "isso não é relevante de forma alguma".
Sempre voltamos, então, ao que parece ser o ponto central dessa candidatura: Simone Tebet representa as mulheres. E, obviamente, o fato de ter sido consideravelmente responsável pela destituição de uma mulher, não a torna menos mulher. Porém, Sofia Manzano e Vera Lúcia também não são menos mulheres do que Simone Tebet de forma alguma. Então, por que não têm a mesma cobertura da imprensa, se estão tecnicamente empatadas?
A resposta também é óbvia. Assim como Simone representa um projeto do seu partido mais voltado aos interesses do mercado (bem semelhante à candidatura de Henrique Meirelles em 2018), Sofia representa o projeto de um partido comunista e Vera o projeto de um partido socialista. No entanto, na prática, continuam sendo representantes das mulheres na política e continuam com a mesma margem percentual aproximada de votos.
O destaque dado a Tebet em detrimento das outras duas candidatas a presidência, nesse caso, apenas acentua a falta de espírito democrático e acaba servindo de exemplo ilustrativo sobre como pautas importantes como a representatividade feminina podem ser usadas, distorcidas e descartadas dependendo do interesse de quem detém o poder nos veículos de comunicação.
É interessante observar que Mara Gabrilli do PSDB, uma mulher e cadeirante, foi escolhida como vice na chapa de Simone Tebet, uma das consequências da traumática resolução que levou ao fim a candidatura de João Doria entre os tucanos.
A entrada de Gabrilli formando uma chapa só de mulheres foi mais uma demonstração da preocupação de seu partido com pautas que, até pouco tempo, eram mais reservadas à esquerda. Ocorre que a vice da Vera Lúcia é uma mulher indígena, Raquel Tremembé, também conhecida como Kunã Yporã Tremembé. Ou seja, elas também formam uma chapa só de mulheres. E essa notícia também teve bem menos impacto nos noticiários.
Ou seja, é muito difícil Tebet conseguir angariar mais apoio baseado no argumento da representatividade se a representatividade igualmente importante de outras mulheres tem sido invisibilizada, enquanto a da chapa dela é citada constantemente. Para além de todos esses problemas ainda resta aquele que é o mais evidente: o Brasil é um país machista.
Os números de violência contra a mulher cresceram bastante nos últimos anos. Como dito, Dilma foi retirada do comando do país em meio a misoginia naturalizada. Da esquerda até a direita no espectro político os casos de violência política de gênero continuam se sucedendo sem parar. Nos últimos dias, Manuela D'Ávila, Sâmia Bonfim e a travesti Duda Salabert receberam pesadas ameaças de morte e estupro delas mesmas e de seus familiares em suas redes sociais e e-mails. Nunca se odiou tanto mulheres e nunca se odiou tanto mulheres na política como agora.
Então, o que passou pela cabeça dos líderes do MDB em lançarem uma candidata mulher nesse cenário? Tebet já perde votos de todos os eleitores masculinos que não consideram nem Simone, nem Dilma, nem nenhuma mulher competente para o cargo de presidente. E perde também de inúmeras mulheres que conseguem se sentir mais representadas por homens como Ciro e Lula do que pela senadora. Não é à toa que dentro do partido existe um forte movimento contrário a essa candidatura; pessoas como Renan Calheiros falam abertamente que apoiarão Lula.
Recentemente Tebet criticou o petista dizendo que não era democrática a movimentação política dele para rifar sua tentativa de ser presidente. Ora, mas Tebet nunca se manifestou contrária à movimentação política do PSDB para rifar a candidatura democraticamente escolhida de João Doria, que abriu espaço para a candidatura dela deixando os tucanos com a vice na chapa. Por que uma costura partidária é normalizada por ela e a outra não?
Mais uma vez, para onde quer que vá, Tebet parece estar sem argumento. E, pela segunda eleição seguida após capitanear a destituição de Dilma por um impeachment sem crime de responsabilidade, o MDB parece estar novamente sem saída.
Este artigo foi escrito por Guilherme Cunha e publicado originalmente em Prensa.li.