Quando diretores ganham uma segunda chance
Após anos de rumores, campanhas e muita espera, finalmente o público conhece a versão definitiva de Zack Snyder no novo Liga da Justiça. O filme originalmente seria lançado em duas partes, mas a morte precoce da filha de Snyder levou o diretor a abandonar o projeto. Com isso, Joss Whedon (de Os Vingadores) refez diversas cenas, trazendo uma nova (sua) proposta ao longa.
As decisões de Whedon levaram o filme às telas, mas isso (e a recepção do produto final) não anulou o fato de que os fãs desejavam ver a perspectiva de Snyder. A pressão do público exposta na mídia e U$ 70 milhões deram um belo pontapé para que Snyder retomasse seu trabalho, iniciado em 2017.
No caso de Snyder foram acrescentadas mais duas horas ao filme original e alguns personagens ganharam presença e tiveram sua narrativa mais explorada, como Ciborgue (papel de Ray Fisher).
Leia mais sobre o famigerado Snydercut aqui!
Os pedidos de fãs, no entanto, não costumam ser a causa mais provável para refilmagens. É mais comum que este tipo específico de ‘auto-remake’ tenha origem na própria vontade do diretor de atualizar seu trabalho, aproveitando um aumento de recursos ou capacidade tecnológica. Ou na tentativa de reverter injustiças.
Um exemplo disso é o filme LA Takedown (Os Tiras de Los Angeles), um thriller de baixo custo, lançado em 1989 por Michael Mann. Poucos sabem, mas o celebrado clássico Heat (Fogo Contra Fogo) é uma refilmagem que o próprio Mann dirigiu, se aproveitando de ferramentas melhores.
Trecho de Os Dez Mandamentos, com Charlton Heston interpretando Moisés - Imagem de reprodução.
O épico bíblico Os Dez Mandamentos de Cecil B DeMille também é um filme que o próprio diretor refez, se aproveitando dos avanços tecnológicos. A nova versão (1956) contava a mesma história do original (1923), mas com alterações significativas, já que o primeiro era narrado de forma silenciosa e em preto e branco.
Uma situação semelhante à de DeMille pode ser vista nos filmes de Yasujirō Ozu com Uma História de Ervas Daninhas Flutuantes (1934) e Ervas Daninhas Flutuantes (1959). A primeira versão era muda e em preto e branco, sendo na época considerado um filme de sucesso e premiado como Melhor Filme pela Kinema Junpo, a mais antiga revista de cinema do Japão.
Apesar dos elogios que o original recebeu, o remake é amplamente considerado um dos seus maiores filmes, grande parte pelas mudanças proporcionadas pela tecnologia. Ervas Daninhas Flutuantes é um filme sonoro e foi rodado em Technicolor. As cores do filme saltam da tela, carregadas de significados, compondo um dos mais belos trabalhos de Ozu.
A obra Ervas Daninhas Flutuantes (1959) ganha mais vida através do technicolor.
A experiência e a prática adquirida ao longo dos anos podem também servir de incentivo para que um diretor recrie sua obra. Esse é o caso do produtor cinematográfico Alfred Hitchcock, uma das figuras mais conhecidas e polêmicas do cinema. Responsável também pela direção de filmes como Janela Indiscreta, Um Corpo Que Cai e Psicose, um dos mais famosos.
Em 1934, ele lançou a versão inglesa de The Man Who Knew Too Much (O Homem que Sabia Demais). Ao invés de buscar a modernização para novos padrões da indústria, Hitchcock mostrou avanço na técnica e maturidade dele próprio como artista trazendo de volta a história em 1956 agora para o cinema americano com a Universal Pictures.
Cartazes promocionais das duas versões de The Man Who Knew Too Much - Imagem de divulgação.
O remake 22 anos depois não teve um papel decisivo na carreira de Hitchcock, que já havia se consolidado. Mas o próprio diretor chegou a afirmar para François Truffaut em seu livro-entrevista, "Hitchcock / Truffaut", que The Man Who Knew Too Much era "o trabalho de um amador talentoso". Já o segundo filme era fruto de um profissional
A trama principal do filme de 1934 se repete 22 anos depois: um casal que tem seu filho sequestrado durante férias no exterior e que, sem poder recorrer à polícia, devem encontrá-lo sozinhos. Claro que há algumas diferenças.
Os atores britânicos são substituídos pelos americanos James Stewart, em seu terceiro filme com Hitchcock, e Doris Day, como o casal Ben e Jo McKenna.
Outra alteração de Hitchcock foi quanto à viagem do casal. No original eles viajam para a Suíça com uma filha, e na refilmagem seu destino é o Marrocos, acompanhados de um filho. Porém uma das mudanças mais significativas é como detalhes da trama se desenrolam.
Na versão britânica, as férias da família duravam quase 15 minutos de filme. Já a versão americana, são cerca de 50 minutos. O aumento na duração permitiu a Hitchcock desenvolver melhor a progressão do suspense e a construção dos personagens. Independente das escolhas do diretor, o Royal Albert Hall ainda é o local onde todo o clímax acontece.
E quando não temos nenhum sucesso na época? Vale a pena repetir a dose depois?
Um bom exemplo dessa situação são as duas versões de Funny Games (Violência Gratuita) lançados em 1997 e 2007 por Michael Haneke. O lançamento da versão original austríaca, falada em alemão, não ocorreu da forma esperada por Haneke nos Estados Unidos.
A exibição limitada fez com que o próprio diretor questionasse o mercado, quanto ao prazer em assistir a filmes violentos e que desafiassem seu público. Um público que Haneke faz questão de deixar desconfortável com a quebra da quarta parede em alguns momentos da trama, como se os espectadores virassem cúmplices daqueles atos.
O incômodo começa aí. O psicopata olha para a câmera e dá uma piscadela, provocando uma quebra brechtiana - Imagem de reprodução.
Em 2007, dez anos após seu lançamento, Haneke decide fazer mais uma tentativa, com Tim Roth e Naomi Watts estrelando o casal atacado em sua casa de férias. Sua refilmagem é quase uma tomada a tomada exata do original, com raros elementos divergentes como o telefone usado por Ann (Watts). No original, Ann fala ao telefone residencial sem fio, enquanto no remake, um celular.
Outra mudança, menos aparente e mais significativa, é que no original Ann e George não conseguem lembrar o número de telefone da polícia. Refazer a mesma cena na versão americana não seria plausível, mostrando americanos sem saber o conhecido número de emergência 911, já que até pessoas fora dos Estados Unidos conhecem o número.
No fim das contas, o remake de Haneke recebeu sua segunda chance, mas não surtiu o efeito esperado e acabou faturando somente U$ 8,2 milhões, a metade de seu orçamento.
Haneke não foi o único a adaptar seu filme a cultura americana. Suas mudanças chegam a ser até sutis, quando comparada às decisões do cineasta holandês George Sluizer. Em 1993, ele lança The Vanishing (O Silêncio do Lago), versão americana de seu drama holandês Spoorloos (1988).
Trecho de Spoorloos com a atriz Johanna ter Steege (Saskia Wagter) - Imagem de reprodução.
Ao ser convidado para fazer a nova versão, em função do grande sucesso do original, Sluizer recria seu final, dando um desfecho mais feliz e hollywoodiano aos seus personagens, impedindo a morte de um personagem.
A questão com filmes estrangeiros que mais chama a atenção do público americano é sua capacidade de oferecer histórias pouco comuns e que não necessariamente precisam de um final feliz. Sluizer interpretou justamente o contrário na época, transformando seu final em algo mais convencional e aceito por Hollywood.
Embora às vezes funcione e às vezes não, está claro que teremos mais diretores refilmando seus próprios trabalhos no futuro. Não há uma chave para o sucesso de um remake, mas é preciso aproveitar as oportunidades e reconhecer o timing certo.
Mesmo uma lenda do cinema como Hitchcock pensava que poderia entregar um melhor trabalho, e conseguiu o feito em seu único remake próprio. Não se pode negar que nem todos terão o amadurecimento de Hitchcock para refilmar sua obra, podendo acabar em situações como The Vanishing ou Funny Games (2007).
Este artigo foi escrito por Luana Brigo e publicado originalmente em Prensa.li.