"Quando é a Bienal do Livro?"
Paula Toller tem uma música muito bonitinha chamada “Oito Anos”, cuja letra é feita de perguntas que seu filho fazia com essa idade. “Por que” e “O que é” são os campeões, como todo pai ou mãe sabe. Sem apresentar as respostas, (re)entramos no mundo infantil de quem pouco sabe e tudo quer saber.
Desde bem novinho uma das minhas perguntas era a seguinte: “quando é a Bienal do Livro”? O evento é tão presente em minhas memórias que costumo confundir as vezes em que fui, de fato, com outras das quais só acompanhei notícias a respeito.
Aqui no Rio de Janeiro ela acontece num famoso centro de convenções, o Riocentro. Mesmo quem nunca esteve em terras cariocas deve conhecer o lugar: foi onde ocorreu um atentado frustrado da ditadura militar, em 1981.
Ir à Bienal não era muito fácil pra mim. O Riocentro fica na Zona Oeste, longe de onde sempre morei, e só havia um ônibus que passava lá. Era uma viagem em si, mas não se comparava com o que acontecia assim que eu entrava naqueles imensos pavilhões.
Mas o que é a Bienal do Livro?
A Bienal é uma ilha de livros cercada de gente por todos os lados. Ou o contrário. É como se fosse um bairro inteiro cujos únicos estabelecimentos são livrarias e editoras. Ruas largas e apinhadas de gente, como as de comércio popular. Excursões de escolas, professores ocupando o lugar de nobreza de onde nunca deveriam ser excluídos. O livro é o rei, e em torno dele nos reconfortamos.
Assim como a oportunidade de ver e ouvir escritores do Brasil e do mundo bem antes do fenômeno das feiras literárias. Foi também a Bienal que me proporcionou a possibilidade de estar o mais próximo possível de um vencedor do prêmio Nobel de Literatura. E não qualquer um, mas o primeiro da Língua Portuguesa: José Saramago e seus longos períodos sem se curvar ao acordo ortográfico pintaram no Riocentro.
Livro de tudo que é jeito, editoras grandes, médias e pequenas, promoções imperdíveis no último final de semana, celebridades com conteúdo… Por que eu ia querer sair de lá? Ou, na clareza direta da infância: “Mãe, a gente pode morar aqui?”
Guiado por Mujica
Cismei de escrever biografias e um editor me propôs contar a história de José Mujica, o popularíssimo ex-presidente do Uruguai. O lançamento foi em 2015, no que veio a ser um ano inesquecível. Além de publicar, entreguei o livro de presente ao próprio biografado. E era ano de Bienal do Livro no Rio de Janeiro.
Então, o que eu suspeitava, aconteceu. Eu iria à minha primeira Bienal… como escritor.
Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas, não tão fatigadas como as de Drummond. A credencial. A logomarca do evento. Meu nome. “Autor”. Entrei naqueles corredores como o rio do filósofo: não era o mesmo pavilhão, assim como eu era outro.
A sensação era de estar devolvendo à Bienal tudo o que ela tinha me proporcionado. Continuava leitor, fã e habitante daquele shopping center feito apenas de capas e páginas. Assumidamente tiete de narradores diversos. Mas agora, num cantinho daquela galáxia de Gutemberg, estava minha estrelinha com suas 164 páginas.
Bienal, aqui me tens de regresso. Escrevi um livro, tive uma filha e plantaste em mim a árvore do conhecimento do bem, do mal, da crônica, do romance, da poesia. O Éden é longe, mas dá pra chegar de ônibus.
Este artigo foi escrito por Marcos André Lessa e publicado originalmente em Prensa.li.