Quando o sistema de transporte público reforça a segregação socioespacial urbana
Ao analisar o sistema de transporte público no Brasil, observamos que a mobilidade urbana se coloca com uma das maiores questões no século XXI ao reforça o problema da segregação socioespacial nos grandes centros urbanos afetando o direito básico de ir e vir da população e qualidade de vida de milhões de pessoas.
Mobilidade urbana e o sistema de concessões
É muito importante ressaltar que no nosso país o transporte público é um direito social previsto no artigo 6º da nossa Constituição Federal de 1988 e cabe aos municípios de acordo com o mesmo documento, a responsabilidade primária a organização do sistema de transporte público. É muito comum no Brasil o sistema de concessão, ou seja, as prefeituras através de uma licitação concedem as empresas privadas por um tempo determinado a administração de maior parte do sistema de transporte coletivo urbano.
A partir da década de 1950 e o nosso modelo de industrialização e atração das grandes indústrias automobilísticas, optamos por grandes vias rodoviárias que cortam as cidades em todos os sentidos e sucateamos a nossa malha ferroviária, instalamos poucas linhas de metrô em nossas principais capitais e estamos “pagando” por essa decisão histórica de nossos gestores.
Construímos cada vez mais espaços urbanos para carro, através de anéis rodoviários, vias expressas, grandes estacionamentos para transporte individual. Observando a realidade e construindo projeções podemos afirmar que precisaremos de uma cidade só para carros no futuro. A principal metrópole do país, São Paulo, já adota a alguns anos a política de rodízio para a circulação de carros em horários específicos nas principais vias urbanas e a cidade do Rio de Janeiro nos horários de rush apresenta grandes congestionamentos em todas as zonas da cidade.
A questão da mobilidade urbana hoje possui inúmeros questionamentos e os principais são: a) o elevado custo da passagem; b) o estado de conservação dos transportes públicos; c) a falta de investimentos na renovação da frota; d) a irregularidade dos horários; e e) a violência, com destaque para os casos contra as mulheres, presente diariamente nos diferentes modais. A pauta do transporte público surgiu como grande pauta nas manifestações na jornada de junho de 2013 nas principais regiões metropolitanas e colocaram milhões de pessoas nas ruas do país.
A partir da série de manifestações na jornada de 2013 as discussões sobre os principais problemas com os transportes urbanos passaram a figurar entre os mais discutidos e uma grande pauta na discussão diária. Os problemas de mobilidade urbana atingem toda a população, mas é muito pior para as camadas mais pobres que dependem exclusivamente do transporte público nos momentos de deslocamento entre casa-trabalho-casa e na hora do lazer, como ir à praia, shopping e ao estádio de futebol.
Vamos supor que uma família carioca composta por quatro pessoas queira se deslocar para ir ao cinema, com o valor atual da passagem de ônibus no valor de R$ 4,05 o custo total deste deslocamento (ida e volta) seria no valor de R$ 32,40. O elevado custo de transporte muitas vezes impossibilita as famílias de terem o seu momento de lazer e reforça o processo de segregação socioespacial.
Os transportes públicos e seus diferentes modais nos espaços urbanos brasileiros na maioria dos casos atendem às populações de classe média baixa e pobres, as classes sociais com maior poder aquisitivo sempre optaram pelo deslocamento realizado através do transporte individual devido ao seu exclusivo e até mesmo certo preconceito com os transportes coletivos.
É muito comum ao assistirmos os grandes jornais ou observar as redes sociais e recebermos reclamações dos usuários, atrasos constante, ônibus em péssimos estados de conservação, falta de segurança, mudança de itinerário sem aviso prévio, diminuição do número de ônibus, trens e metrôs durante o final de semana, além da extinção de linhas (a diminuição e extinção de linhas e carros muitas vezes são realizadas em nome da “racionalização” do sistema e a possibilidade de maior velocidade nos deslocamentos).
Mas quem são as maiores vítimas deste sistema precário de transporte público? Todos são vítimas deste sistema excludente e precarizado, entretanto os mais pobres não possuem uma alternativa ao transporte público para o deslocamento domicílio-trabalho-domicílio e quando decidem ir a uma área de lazer ou entretenimento, estes problemas são reforçados durante o final de semana.
Quantas vezes nos finais de semana ficamos esperando “horas e horas” os transportes públicos para realizarmos qualquer deslocamento, por mais simples que seja este fenômeno a sua demora é muito acentuada devido à escassez de opções e a diminuição da frota de todos os tipos de transportes.
As novas periferias, localizadas na franja urbana são construídas sem infraestrutura, áreas de lazer e sem serviços que atendam adequadamente a população e com sistemas de transportes precários de transportes que possibilitem o seu deslocamento para o trabalho e principalmente para a ocupação e lazer dos espaços públicos centrais da cidade, porque no final de semana os problemas de mobilidade urbana se agravam, essas pessoas constituem hoje a classe denominada de “indesejáveis”.
Observando a realidade urbana nacional temos bairros de classe média e classe média alta com melhor disponibilidade de transporte públicos e diferentes modais, como a zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, porém o maior número de ônibus e metrô acontecem durantes os dias de semanas úteis, principalmente para o deslocamento dos trabalhadores de diferentes locais e periferias para as zonas centrais.
Nos finais de semana grande massa de trabalhadores querem ir para as zonas centrais da cidade para ocupar os espaços públicos e áreas de lazer, infraestrutura concentrada nos bairros mais nobres e históricos da cidade. As populações que residem nas áreas periféricas sofrem em dobro, já que não possuem atrativos culturais, áreas de lazer e quando tentam se deslocar para os centros não conseguem devido ao elevado valor das passagens (no município do Rio de Janeiro o valor é de R$ 4,05), redução das frotas e aumento dos intervalos. Este processo reforça a segregação socioespacial e o processo de exclusão da população mais pobre.
Para concluir, precisamos alterar as prioridades de nossos modais, construir menos espaço para os carros e investir nos grandes modais, considerados transporte de massa, ou seja, modais com grande capacidade de carga e ou pessoas, e expandir as linhas de transportes públicos para atender toda a população, principalmente a população de menor renda, que se consolida como o maior número de usuários.
Este artigo foi escrito por Magno FERREIRA e publicado originalmente em Prensa.li.