Quem é o monstro e o homem quem é?
Hoje vamos falar sobre uma animação, mas não é a versão Disney de O Corcunda de Notre Dame, de onde pinçamos o título acima.
O Corcunda é uma obra sobre a qual vamos falar num artigo futuro, tal sua importância. Mas a frase surrupiada cai como uma luva para definir o conceito da franquia Hotel Transilvânia, iniciada em 2012 e com uma quarta parte chegando nesse 2021.
Se você nunca ouviu falar dessa série de animações em longa-metragem, uma produção da Sony Pictures Animation, é o seguinte: Drácula, príncipe das trevas, cansou de fugir da perseguição de humanos enfurecidos e deseja viver uma vidinha pacata.
Surge a ideia de criar um lugar seguro, para refugiar a si mesmo e sua família, além de muitos outros monstros vítimas da humanidade. Transforma seu imponente castelo em um hotel de luxo, onde obviamente, humanos não são permitidos.
Casos de Família
Espera aí: família? Sim, Drácula tem uma filha adolescente, prestes a completar 118 aninhos. Ele cria a garota sozinho desde que sua esposa foi morta por, adivinhe só, humanos enfurecidos portando tochas e forcados.
Como toda adolescente, a curiosa Mavis quer conhecer lugares além do castelo/hotel onde vive desde que nasceu. E como todo pai superprotetor, Drácula faz de tudo, tudo mesmo para que a filha não ultrapasse os limites das muralhas.
Para que nada saia errado, o vampiro conta com a ajuda de uma legião de empregados-zumbis, e alguns amigos de longa data: Frank, o famoso monstro de Frankenstein; Murray, uma múmia; Griffin, o homem invisível, e Wayne, um cansado lobisomem. Sem contar Blob, uma… gelatina viva.
O Turista Acidental
Mas às vésperas da comemoração do aniversário de Mavis, chega às portas do hotel um viajante: Johnny, um mochileiro completamente perdido, sem noção e… humano.
Drácula percebe que não pode simplesmente eliminá-lo, e se vê obrigado a aceitar o rapaz no hotel, escondendo-o dos hóspedes e amigos. Só que Johnny acaba se misturando ao grupo, causando em pouco tempo o caos e fazendo com que todos – sobretudo monstros – descubram o valor da tolerância. Não dá pra contar mais que isso sem estragar.
A grande família
Em 2015, Hotel Transilvânia 2 trouxe os desdobramentos desta primeira aventura, trazendo novos personagens, como a família humana de Johnny, o pai de Drácula (Vlad Dracul, uma alusão direta ao pai do “Drácula” real, Vlad Tepes) e um certo garotinho sobre o qual não posso me estender pra não estragar o segundo filme.
Em 2018, foi a vez de Hotel Transilvânia 3: Férias Monstruosas, onde à beira de uma crise de estresse pelo trabalho e de muita solidão, Drácula embarca (com família e amigos) num cruzeiro marítimo de proporções monstruosas.
Acaba conhecendo a Capitã Ericka, que vai fazer com que reveja vários conceitos sobre sua vida. Hotel Transilvânia 3 apresenta Abraham Van Helsing, arqui-inimigo clássico do vampirão em suas principais histórias. Daqui pra frente, preciso manter silêncio absoluto.
O laboratório de Tartakovsky
O que importa, é que além de belas lições de tolerância, a série Hotel Transilvânia é divertidíssima. Estes três primeiros longas foram dirigidos por Genddy Tartakovsky, criador do alucinante O Laboratório de Dexter, na década de 1990, além de Samurai Jack e a bem-sucedida Star Wars: Clone Wars.
O animador não foi a primeira escolha para a direção, nem a segunda. Na verdade, foi a sexta. Mas entre todos, foi quem entendeu melhor a proposta da Sony e deu os contornos finais, tanto de design quanto em estilo. O primeiro longa da série foi sua primeira experiência como diretor.
Apesar de ser uma animação 3D, Hotel Transilvânia tem todo o estilo cartunesco dos desenhos que tanto marcaram os anos 1990, e porque não dizer das animações malucas de Tex Avery para a Warner nos anos 1940.
Bilheteria monstruosa
Aliás, a ideia da Sony para a premissa de Hotel Transilvânia também vem dessa época: os filmes de monstro da Universal nos anos 1930 - 1940, que dominaram as bilheterias na época.
Falando em bilheteria, o desempenho da série não é nada desprezível: a primeira parte foi a décima nona bilheteria em todo o mundo em seu ano de estreia. Considerando o número de produções lançadas todo ano, é um feito e tanto.
Há algumas particularidades sobre os bastidores, que merecem ser destacadas: em desenhos animados, é comum os atores gravarem isoladamente as vozes.
Entretanto, por exigência do diretor, o elenco principal (Adam Sandler como Drácula, Kevin James como Frank, Steve Buscemi como Wayne e CeeLo Green como Murray) gravaram suas cenas juntos, para manter a espontaneidade dos diálogos.
Cara de vampiro
Para quem é fã do gênero vampiro, as feições de Drácula não são desconhecidas. E não são baseadas na face de Adam Sandler, como se poderia imaginar, mas sim em um dos maiores atores a desempenhar o papel do Conde Drácula no século XX: o húngaro Bela Lugosi, que o interpretou a partir de 1931.
Essa “homenagem” causou uma bela (perdão pelo trocadilho) dor de cabeça para a Sony. O advogado Béla G. Lugosi, filho do ator, não concordou com o uso gratuito da caricatura do pai. Imagina-se que devem ter chegado a um bom acordo financeiro.
Uma última curiosidade: o sotaque ítalo-americano do lobisomem Wayne, baseado no sotaque do ator Steve Buscemi, foi transformado na versão brasileira em um inegável sotaque paulistano, típico dos descendentes de italianos da região do Bixiga. Uma adaptação hilária, interpretada aqui por um quase irreconhecível Marcos Mion.
E aquele título estranho?
E agora voltemos ao título do artigo. Pra você não perder tempo, “Quem é o monstro e o homem quem é?”. É aqui que a franquia Hotel Transilvânia acerta em cheio e faz bonito: cada episódio desta série, por mais louca que possa parecer, mostra o quanto é importante conviver com diferenças, sejam quais forem.
E mostra, na imensa maioria das vezes, que os monstros da história são muito mais “humanos” que os humanos, assim que vencem seus preconceitos.
Tem mais a caminho!
No final de 2021 deve chegar aos cinemas (caso a pandemia permita) Hotel Transilvânia 4: Transformonstrão, onde humanos e monstros trocarão de lugar.
É um caminho bem diferente do que esperávamos a partir do final da terceira parte, o que é um sinal muito bom. A série não dá sinais de previsibilidade ou cansaço.
Parte da equipe virá diferente (incluindo o protagonista e o diretor) mas pelos trailers apresentados, não parece ter abalado as bases do Hotel.
Se você ficou interessado em conhecer essas histórias, é só dar uma olhada nos serviços de streaming: não vou fazer comercial aqui, mas praticamente toda a franquia está disponível naquele que normalmente distribui as produções da Sony.
O trailer de Hotel Transilvânia 4, em compensação, pode ser encontrado facilmente no YouTube.
Imagem de capa - "O quarto com vista para o penhasco está disponível, senhor..." - Foto de Maria Orlova no Pexels
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.