Quem produz é máquina!
Por que buscar ser uma pessoa produtiva é uma ótima ideia, mas uma terrível execução?
De acordo com as leis trabalhistas brasileiras, a carga horária para um trabalhador não deve ultrapassar 8 horas ao dia.
O dia tem 24 horas. Se fizermos uma divisão equilibrada dessas horas, considerando as 8 horas de carga de trabalho, restam 16 horas que podem ser divididas igualmente entre 8 horas para sono e outras 8 horas para atitudes de lazer com nossas famílias, colegas ou mesmo sozinhos.
Há diversas pessoas que não se encontram no modelo de trabalho regular da CLT, fazendo até mais tempo de trabalho do que essa carga horária estabelecida, mas fazendo isso de forma bem gerenciada. Ainda assim, independente da modalidade de trabalho, em muitos casos, as pessoas buscam deliberadamente estender esse período de trabalho mais do que o necessário, o que afeta muito a saúde e o bem-estar.
Seja empenhando maior quantidade de horas no mesmo trabalho que é feito nas demais horas ou usando-as em outros trabalhos, novos projetos e diferentes afazeres – muitos deles não obrigatórios – exercemos, cada vez mais, tempo de nossas vidas na busca por mais resultados positivos ou pela simples atitude de não parar e continuar a sempre trabalhar em alguma empreitada.
Por fatores cognitivos, como o viés do presente ou recompensa, tendemos a supervalorizar ganhos e conquistas de caráter imediato em detrimento de pensamentos à longo prazo ou ritmos menos acelerados de vida ou trabalho.
De fato, vários de nossos empenhos podem ser motivados por planos para o futuro, como uma boa aposentadoria, independência financeira, uma viagem especial e assim por diante.
Contudo, o ritmo do mundo atual é frenético e em exponencial expansão digital, com bilhões de dados e informações geradas por nós mesmos e trafegadas na internet a cada minuto.
Essa cadeia de influências nos faz perder, aos poucos, a importância da visão a longo prazo e mesmo a visão por diversos outros fatores e momentos com os quais poderíamos estar nos envolvendo de forma mais benéfica.
Há posts nas redes sociais, mensagens em e-mails e aplicativos de conversa, storys fabulosos de conquistas realizadas pelos nossos colegas, ídolos e muitas outras influências naturais e artificiais que fazem com que diversas pessoas sintam que suas rotinas atuais são inferiores à desses outros agentes. Essas pessoas, então, se sentem defasadas ou “dormentes” de alguma maneira em relação a forma como vivem suas vidas.
Isso consequentemente nos força a entrar em movimento e começar a trabalhar em algo a mais do que já atuamos para tentar competir com essa massa veloz de informações e produções.
“A grama do vizinho é sempre mais verde” e “tenho que ser mais produtivo” é o que muitos pensam. Porém, nenhum de nós é produtivo de verdade.
As plantas produzem alimento para muitas espécies, as galinhas produzem ovos, nós, seres humanos, na verdade, não produzimos nada. Se dissermos que nosso corpo produz cabelo, unhas, leite materno e, para alguns corpos, nossos filhos, já seria praticamente a lista completa do que, de fato, podemos produzir.
As pessoas não produzem nada diferente disso. Os resultados, valores, entregas e descobertas que tanto almejamos são as máquinas, os processos, as ferramentas e sistemas manuais e digitais que criamos ao longo dos anos e usamos para essas produções.
Nossas descobertas, invenções e criações – cada vez mais importantes para o meio ambiente, saúde pública, finanças e outros setores – são extremamente necessárias. Contudo, elas nascem a partir de contextos e processos muito bem elaborados, exercidos por diversas pessoas em conjunto e dedicadas ao longo de um bom tempo.
Conforme sobrecarregamos nossas próprias rotinas em busca de algo a mais com um desejo de alcançar esses grandes resultados e realizações imediatamente, nós mesmos acabamos sendo prejudicados por isso – e nossa família também, em muitas das vezes.
Nesse ritmo, aumentamos cada vez mais os casos de depressão, transtorno de ansiedade, problemas cardíacos e da síndrome de Burnout – declarada pela Organização Mundial da Saúde como um problema ocupacional caracterizado pelo esgotamento físico e mental associado ao ritmo e à quantidade de trabalho.
Ao darmos 110% em algum novo projeto, esses 10% a mais do que seria natural, claramente estão sendo retirados de algum outro lugar em que eram necessários, como nossa saúde física e mental.
O imediatismo e a satisfação de produzir algum resultado nas horas que seriam “vagas” no dia a dia não são naturalmente benéficos e nem mesmo obrigatórios.
Claro que isso não significa que não possamos ir atrás daquele “algo a mais”.
As tecnologias e basicamente tudo o que compõem a nossa existência de hoje só foram possíveis graças ao empenho de nossos antepassados, empreendedores e diversas figuras em busca da melhoria contínua.
Entretanto, no mundo atual, com muito mais informações, cenários bons e ruins, e fatores de influência para nosso dia a dia, certos equilíbrios são mais necessários, e a falta deles pode ser fatal.
Melhorar nossas rotinas para evitar os vários fatores negativos nem sempre é algo fácil, mas pode ser muito vantajoso para a saúde, o trabalho e a vida pessoal de vários indivíduos. Vejamos o que pode ser feito para isso:
Identificar o valor das vivências fora do ramo profissional pode nos ajudar a focarmos no que realmente importa, mesmo que achássemos não ter tanta importância antes.
Saber que ficar parado um certo tempo não é necessariamente algo ruim pode nos ajudar a reduzir a impressão de estarmos sendo “improdutivos”.
Identificar as habilidades que já temos e que podem ser úteis para alguma atividade pode ajudar a mapear uma possível nova atuação para um ramo profissional mais benéfico ou mesmo para alguma nova atividade artística ou de lazer.
Diferenciar a quantidade de horas usadas em um trabalho do valor que de fato foi alcançado nesse trabalho pode nos ajudar a ponderar melhor quais tarefas realmente agregam algo em nossas vidas, independente do alto ou baixo tempo que levam.
Analisar nossos trabalhos usando o famoso Princípio de Pareto (regra 80/20) – que diz que, em muitas situações, 80% do real valor e utilidade que alcançamos, na verdade, vem de apenas 20% do tempo e esforços que empenhamos – pode ajudar a priorizar o que e de quanto tempo cada tarefa realmente precisa, reduzindo o excesso de tempo desnecessário em algumas tarefas.
Identificar quais as tarefas e os trabalhos do dia a dia são repetitivos e automatizáveis pode ajudar a definirmos as ferramentas digitais (e físicas) que cuidarão deles de forma independente, enquanto aproveitamos o tempo que seria gasto para podermos descansar ou atuar em situações mais humanas, criativas e positivas.
Nós, como pessoas, não temos a obrigação e nem a capacidade real de produzir nada. Usar as máquinas, robôs, aplicativos, atalhos e programas de computador que realmente existem para produzir as coisas e nos permitir realizarmos os trabalhos realmente necessários para o ser humano, de forma muito mais criativa e eficiente, pode nos liberar muitas horas do dia para fazermos o que realmente fomos feitos para fazer: viver, e viver bem.
Este artigo foi escrito por Gabriel Tessarini e publicado originalmente em Prensa.li.