R de Revelação
A revelação aconteceu na sexta edição de Batman: Urban Legends. A relevância aqui não está apenas por ele ser LGBT, a DC tem vários outros, incluindo até Mulher-Maravilha, Mulher-Gato e Arlequina, por exemplo. Está, principalmente, por ele ser um Robin!
Todo fã de HQ, independente se é leitor da DC ou da Marvel, já se deparou com piadas homofóbicas envolvendo Batman e seu parceiro mirim, Robin. Isso porque, em 1954, foi lançado um livro chamado Sedução dos Inocentes.
Escrito pelo psiquiatra Fredric Wertham, acusava as Histórias em Quadrinhos de serem uma forma ruim de literatura popular e um sério fator de delinquência juvenil. Uma de suas acusações envolvia, justamente, a dupla dinâmica. Ele dizia que havia vários indícios que os dois tinham um envolvimento sexual e que isso seria uma má influência aos jovens.
Lançado durante o Macarthismo nos EUA, em sua patrulha anticomunista, o livro foi só a ponta do iceberg. Desde então, os personagens ficaram com essa fama. Também em 1954, as editoras se uniram criando a Associação de Revistas em Quadrinhos da América, sucessora da Associação de Editores de Revistas em Quadrinhos que havia sido criada em 1948 e dissolvida pouco tempo depois.
Junto com a nova Associação, foi criada a Autoridade de Código de Quadrinhos. Sendo mais bem sucedido que o Código da organização anterior, ele modificou muitos aspectos nas histórias, as deixando mais aceitáveis para o consumo de uma sociedade que se tornava cada vez mais conservadora.
A DC, em 1956, criou a Batwoman original (Katherine Kane) para ser o interesse romântico do Batman no intuito de combater as alegações criadas por Fredric. E em 1961, criaram a Batgirl original (Betty Kane) para fazer par com o Robin. As personagens desapareceram em 64, quando Julius Schwartz assumiu a linha editorial das duas revistas do Batman.
O tempo passou, Batman passou por diversas reformulações, o tornando mais sombrio e se envolvendo mais romanticamente com mulheres. Dick Grayson, o primeiro Robin, e mais tarde, Asa Noturna, também passou a ter mais relações afetivas com o gênero feminino, apesar de manter a personalidade leve.
Enquanto isso, tanto os fãs de HQ quanto as pessoas de fora da comunidade mantinham as piadas homofóbicas envolvendo o Homem-Morcego e o Menino-Prodígio ainda vivas. Uma das mais famosas foi feita aqui no Brasil, a paródia Batman: Feira da Fruta, redublagem feita de forma caseira por dois rapazes em 1981 e que foi divulgada na internet em 2003, se tornando um sucesso e sendo usada como meme até hoje.
Em 2006, a DC deu o primeiro passo em uma reparação histórica ao trazer de volta a personagem Batwoman. Com uma nova origem, sendo sobrinha da original, ela agora seria lésbica. A sua representação foi tão bem aceita pelo público LGBT que suas HQs foram nomeadas oito vezes ao GLAAD Awards, premiação criada para "reconhecer e homenagear as representações justas, rigorosas e inclusivas da comunidade LGBT e de questões que afetam as suas vidas nos meios de comunicação". Ganhou duas vezes.
E chegamos a agosto de 2021, quando Batman: Urban Legends foi publicado. Sim, não é o Dick Grayson, o Robin original. E o personagem se assumiu bi e não gay, mas ainda assim é algo histórico na indústria dos Quadrinhos. Atrevo a dizer que é mais um daqueles momentos que algo ofensivo a um grupo, intencional ou não, é reapropriado e transformado em símbolo de orgulho.
Não pela a comunidade bissexual em si, mas pela a própria editora, cujo caminho inverso seria mais fácil. A notícia, claro, causou uma enorme polêmica nas redes sociais. Como um homem bissexual, muita coisa me desagradou nos comentários que andei lendo.
Um deles foi um youtuber que disse não fazer sentido Tim Drake ser bissexual, pois só tinha mostrado ele tendo relações com mulheres. É o mesmo argumento usado para invalidar a bissexualidade de pessoas reais. Temos duas possibilidades aí.
A primeira é que, para qualquer pessoa LGBT, já é difícil assumir para si mesmo. Muitos só o fazem na vida adulta, isso quando não acabam deixando para a terceira idade ou ainda morrem sem serem eles mesmos. É muito natural que Tim Drake tenha passado o mesmo.
Já a segunda, não existe uma regra na comunidade bissexual que diz que se deve ficar com o mesmo número de pessoas, de ambos os gêneros, para ter a sexualidade validada. Tem quem se atrai mais por homens, tem quem se atrai mais por mulheres e tem quem se atrai por ambos de forma igual. Isso que, não podemos esquecer, tem as pessoas não binárias na equação também.
Eu gostei bastante da novidade. Tim Drake é o meu Robin favorito e é muito bom ver que ele vai trazer essa representatividade. Em seu blog oficial, a DC afirma que é algo permanente. E espero mesmo que sim, que continuem a retratá-lo de forma respeitosa e que não voltem atrás daqui algumas edições.
Imagem de capa: DC Comics/Divulgação. Robin (Tim Drake) e o seu símbolo.
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Este artigo foi escrito por Fabio Farro de Castro e publicado originalmente em Prensa.li.