Reatech e a importância da inclusão
Já que estamos discutindo muito mais abertamente a inclusão de minorias dentro da sociedade, por que não trazer a discussão da inclusão de pessoas com deficiência também?
Vendo um vídeo do canal Mimimidias – que, particularmente, gosto bastante – falando da engenharia universal, onde se pode fazer acessibilidade acomodando todas as necessidades, nós podemos ver a importância de feiras de tecnologia para mostrar como é necessária a acessibilidade.
A feira de tecnologia Reatech (Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade) é organizada e promovida pela Fiera Milano Brasil (empresa italiana). Considerada uma das principais feiras de tecnologia de acessibilidade da América Latina, a cada edição reúnem mais de 300 expositores dos segmentos de agências de emprego voltadas para pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, instituições financeiras, fabricantes de cadeiras de rodas, departamentos de recursos humanos, indústrias farmacêuticas, industriais dos segmentos de animais treinados, veículos adaptados, fabricantes de aparelhos auditivos e outros equipamentos.
Minhas impressões
Fui à feira desde sua estreia graças a um clube de pessoas com deficiência do qual fazia parte. Depois, quando saí desse clube, passei a ir com meu colega de ônibus e, assim, fui indo. Fui a umas 4 ou 5 edições com minha noiva, que também é cadeirante, e sua mãe. Andamos a cavalo. Dirigimos carros adaptados.
Até que ela começou a se sentir incomodada com alguns assédios que aconteciam muitas vezes. Ali, já se percebia, que a essência da feira tinha começado a perder o significado maior.
Qual o significado?
Primeiro, como era feita todo ano – se não me engano, depois de 2018 ficou bianual – não se via grandes novidades dentro da feira, pois a questão vai muito além da venda. Muitos expositores não vão mostrar novidades, vão vender produtos e serviços. Não teria problema nenhum, mas, até mesmo para comer, as coisas não eram tão “acessíveis” para quem tinha baixa renda. Tínhamos que levar “marmita”? Tivemos a impressão em dado momento que tínhamos que levar uma bolachinha na bolsa para enganar a fome (quando íamos com o movimento ou com o clube, levávamos pratinhos para serem divididos).
Depois, as pessoas com deficiência, que deveriam ser as mais interessadas em pesquisar e ver esse tipo de tecnologia, iam para encontrar alguém ou ficar do lado de fora conversando. Nada contra reencontros de velhos amigos – eu reencontrei muitos amigos de infância lá da AACD – mas, a questão que podemos perguntar é: a inclusão das pessoas com deficiência é importante para quem?
Nas minhas andanças e da minha noiva pela feira pegamos informações, pesquisávamos cadeiras de rodas e adorávamos ver as novidades arquitetônicas, tecnológicas e de acessibilidade, como o stand da SPTrans (usávamos e usamos o serviço ATENDE+, vinculado como um serviço de van porta a porta da Prefeitura de São Paulo), onde havia as novidades de elevadores para vans e ônibus e, ainda, o conceito de trilhos dentro dessas vans adaptadas. Na parte tecnológica, vimos os avanços dentro dos softwares tanto para quem é cego ou baixa visão, quanto para quem não ouve e tem a questão das legendas.
A questão da tecnologia acessível
Ainda é uma discussão bastante recente mesmo que Steven Johnson, em seu livro Cultura da Interface, de 1997, tenha dito que estamos entrando em uma cultura dentro de interface. Grosso modo, uma interface poderia ser explicada como um elemento que pode proporcionar uma ligação física ou logica entre dois sistemas ou partes de um sistema que não poderiam ser conectados diretamente. Também se pode dizer que é uma área em que coisas diversas (dois departamentos, duas ciências etc.) interagem.
No próprio livro, Johnson dá o exemplo do artista e do engenheiro. O autor pergunta: poderíamos chamar os homens e mulheres que desenharam nas cavernas de engenheiros? Sempre é bom lembrar que, no grego – pelo menos no conceito da antiguidade – tekné era tida como arte e toda tekné fazia jus a um ato. Por isso mesmo, dizemos que a filosofia da tecnologia tem a ver com o útil dentro da técnica e se essa utilidade serve para fins que foi planejada. A questão sempre para no determinismo de causa e efeito.
Como podemos ver no vídeo do Mimimidias no começo do texto, a engenharia deve ver a necessidade do outro enquanto aquele que vai usar a arquitetura. No caso das rampas, por exemplo, não só pessoas cadeirantes vão usar elas, mas idosos que, de repente, não podem levantar muito as pernas. Gestantes que cansam rápido ao subir degraus e carrinhos de bebê têm que subir em rampas. Meu pai sempre auxiliava pessoas cegas a atravessar a rua colocando as mãos no seu ombro, assim, usando técnicas específicas para essa deficiência. Nem todas as deficiências são iguais e nem indivíduos da mesma deficiência têm o mesmo grau.
Do mesmo modo, podemos dizer das tecnologias acessíveis dentro de áreas de ensino, dentro de sites de relacionamento e redes sociais (alguns chamam de mídias sociais). Cada deficiência terá uma necessidade, e essa necessidade é de objetos específicos de uma ação a ser feita por essa pessoa.
Deficiências e subjetividade
A acessibilidade tem muito a ver com o conceito subjetivo, por mais que as pessoas tenham boa vontade. Aí entra o conceito de interface, pois, se as outras pessoas não enxergam a necessidade das pessoas com deficiência, se deve demonstrar também em tecnologias acessíveis e arquitetura universal.
Se, de um lado, só pessoas que vivem isso têm consciência da importância da inclusão, do outro, podemos dizer que quem não vive isso nunca vai saber que essas pessoas existem. Muitos ainda acham que as pessoas com deficiência deveriam ficar em casa, outros acham que deficiências são padrões a serem vistos como “sofredores” e nunca como pessoa.
A questão da feira ou de outros eventos – num modo geral – é a importância de uma consciência maior entre aquilo que é de verdade, e aquilo que as pessoas idealizam. Daí a importância de ações afirmativas e textos como esse, para lembrarmos que somos pessoas além da deficiência.
Este artigo foi escrito por Amauri Nolasco Sanches Junior e publicado originalmente em Prensa.li.