Rebeca
O sol começa a entrar pela janela do quarto. Nunca entendi como tem gente que consegue dormir mesmo com o sol no rosto. Eu, nunca consegui. Bastava entrar um pouco de sol e pronto! Estava acordado.
Hora da escola. Tomei um banho rápido. Vesti-me e fui tomar café. Minha mãe já tinha feito a mesa e estava se arrumando para ir trabalhar. Meu pai já havia saído, como sempre. Eu tinha dois problemas para aquela sexta: primeiro, como iria convidar Rebeca pra sair e segundo, como passar numa prova de matemática que não tinha estudado.
Terminado o café segui para pegar o ônibus. Estava com um pressentimento estranho aquele dia. Não sabia por quê. Mas sentia algo errado. Pensamentos à parte, peguei o ônibus e me mandei para a escola. Até lá são mais ou menos 7 km. Mas, neste trânsito louco da minha cidade, contando com um ou dois engarrafamentos, a viagem dura pelo menos meia-hora. Coloquei os fones e fui ouvindo música até lá.
Ao chegar, entrei e logo a vi...Rebeca, linda... Eu era completamente apaixonado por ela. Mas não sabia como chegar perto. Eu tinha acabado de completar 18. Ela já tinha 20. Estávamos no último ano do colegial. Ela era da minha sala. Mas eu era muito, muito tímido. Meus amigos sempre zombavam de mim. Ela nem me dava bola...
Nesse dia a única cadeira que sobrou estava do lado dela. Comecei até a suar frio. Controlei-me e caminhei até a cadeira. Nesse momento ela olhou e... sorriu!!! Nem acreditei! Sentei devagar, me perguntando se aquele sorriso realmente era para mim...
O professor de matemática entrou na sala e nos entregou a prova. Olhei, sabia uma ou duas no máximo. Fiz o que sabia e tirei a sorte para marcar as outras. Seria uma decepção horrível mas, fazer o quê? Saí da sala e fui ao banheiro. Estava lavando as mãos quando ouvi um barulho dentro de um dos compartimentos. Era uma espécie de sussurro, abafado... cheguei mais perto da porta e de repente um baque forte me fez afastar. Comecei a ficar preocupado. Olhei lentamente por baixo e não vi nada. Não parecia haver ninguém ali dentro. Ou estaria a pessoa em cima do vaso? Bati uma vez e novamente o sussurro lá de dentro. Decidi que era hora de chamar alguém. Então a porta do banheiro fechou. Percebi que estava trancado. Não conseguia abrir. Forcei e nada. O barulho começou a aumentar e eu já dava murros na porta. Um estrondo e percebi que alguém abriu o compartimento fechado. Me virei lentamente e vi uma espécie de “fumaça” saindo, emitindo um som que eu não conseguia identificar. Senti um calafrio percorrer o corpo. Aquela estranha “fumaça” branca começou a se unir, ficando maior que eu. Veio se aproximando, e de repente sumiu!
Saí do banheiro apressado, suando muito. Que seria aquilo? Seria um sonho? Não podia ser. Eu estava bem acordado. No meio do caminho dei de encontro com alguém. Caí no chão e ao reparar vi que era Rebeca. Que vergonha! Ajudei-a a levantar e juntei o material. Ela me perguntou porque o nervosismo. Eu não ia falar uma coisa dessas! Ia passar por louco. Inventei uma bobagem, ela fingiu que acreditou (não sem antes rir) e me perguntou:
- Juan, me acompanha até a lanchonete? Vou fazer um lanche.
Eu nem acreditava! Fomos até a lanchonete e ficamos conversando sobre a prova. Eu estava suando frio. Nervoso. Mal conseguia articular as palavras. Que papel que eu estava fazendo! Ela iria me achar um tolo. Adorava quando ela ria. Devia estar me achando um palhaço. Depois que lanchamos, seguimos até o ponto de ônibus. Afinal, período de prova estávamos livres cedo. Pensei que não poderia deixar escapar a oportunidade. Perguntei:
- Rebeca. Hoje tem uma festa de halloween no centro. Você quer ir comigo?
- Porque não? - respondeu.
Eu estava sonhando??? Ela havia aceitado. Marcamos de nos encontrar em frente à boate e segui. O tempo se arrastou no resto do dia. Eu lia revistas, assistia televisão, jogava algum jogo no computador... Finalmente chegou a hora. Escolhi a melhor roupa que eu tinha, fui tomar um banho quente para sair. Ao sair do banho, me deparei novamente com aquela fumaça... estava em pé, ou parecia estar em pé, na frente do espelho, sussurrando. Congelei! Depois de algum tempo ela se dissipou. Comecei a achar aquilo estranho. Já havia acontecido no banheiro, e agora em casa... será que aquilo me perseguia? Ou seria somente os vapores do banho e eu imaginei o sussurro?
Tentei esquecer. Vesti-me e segui para a festa. Ao chegar ainda esperei uma meia-hora por Rebeca. Enquanto esperava notei que muitos convidados estavam fantasiados. Desde fantasias mais comuns como vampiros, até fantasias meio sem sentido como frutas e coisas assim.
Ela chegou linda... Veio sem fantasia também. Quando pegou na minha mão fui às nuvens. Não sabia o que falar. Ela mais uma vez riu e perguntou:
- Por que está com a mão tão fria?
- Não sei. Acho que a noite está fria. - respondi. Mas achei que ela já havia percebido que eu gostava dela. Afinal ela sempre sorria. Entramos de mãos dadas. E a festa começou...
Por volta de uma da manhã, Rebeca me disse que iria ao banheiro. Fiquei esperando por ela na mesa. Ela começou a demorar. Fui até o banheiro e pedi a uma menina que verificasse se havia uma garota com as características de Rebeca. Ao voltar ela me informou que não. Achei aquilo estranho. Ao olhar para a pista de dança uma fantasia me chamou a atenção. Uma pessoa vestida com trapos, cabelos muito longos que cobriam todo o rosto, parecia me observar. Saí de perto da porta e fui para o corredor. Ao olhar para trás percebi que me seguia. Preocupado, segui direto pelo corredor até uma área livre nos fundos, onde podia se observar algumas árvores, como um pequeno bosque. Percebi que estava sozinho. A pessoa continuava me seguindo. Eu agora tinha duas preocupações: onde estaria Rebeca? E quem era essa pessoa?
Comecei a caminhar na direção do bosque. Havia um casal namorando em um banco. Não os havia notado. Acho que tamanho era o medo. Passei por eles. Mais a frente ouvi um grito atrás de mim! Ao me virar percebi que a “coisa” havia passado e feito algo ao casal, já que os dois estavam correndo assustados. Fiquei muito mais preocupado. Comecei a correr. Aquilo ia se aproximando. Comecei a ouvir os sussurros que ouvi em casa e na escola. Seja lá o que for que estava me perseguindo estava fazendo o mesmo som.
Corri até um muro alto. Não iria conseguir passar. O som estava se aproximando. Olhei para trás e vi um rosto com olhos vermelhos me fitando e se aproximando. Parou a alguns metros de mim. Eu suava frio. Mas desta vez de medo. Sozinho e oculto pelo pequeno bosque, quem me veria? Tentei gritar mas não saiu nada. Estava paralisado de terror. Aquela coisa se aproximou, lentamente, emitindo sons incompreensíveis, mais e mais perto... e caí no chão.
Ao cair minha mão bateu em uma pedra, pontiaguda. Segurei firme a pedra e, quando aquilo se aproximou o bastante, desferi um golpe na altura da cabeça. A coisa emitiu um grunido alto e ensurdecedor. Reuni forças e saí correndo novamente, tentando voltar à festa. O tempo todo olhando para trás, tentando ver se era seguido. Só conseguia ouvir o som. Aquele som horrível. Ao me aproximar, avistei duas pessoas caídas. Parei e observei que era o casal. Mas eles estavam no chão, deitados, pálidos e... sem vida! Estavam mortos. Que tipo de ser seria aquele? Parecia que não tinham um pingo de sangue no corpo! Fui até o banheiro da festa, mais uma vez pedi para procurarem Rebeca e nada! Andei por todo o local várias vezes e nada! A criatura parecia ter sumido também.
Decidi tomar um táxi. Talvez Rebeca tivesse se sentido mal e retornado para casa. Ao chegar em casa, subi as escadas apressadamente e me tranquei. Jamais havia visto coisa tão estranha. Esperava que aquilo não tornasse a aparecer... Mas o que seria? Fui ao banheiro, tomei um banho. Deitei na cama e, em meio a sonhos ruins, adormeci.
No dia seguinte, cedo meus pais saíram. Costumavam realmente ir à feira todo sábado. Desci as escadas e fiquei olhando a janela. Pensei em ligar para Rebeca, mas quando peguei o telefone não havia linha.
Toque na campainha, olhei pela janela e avistei... Rebeca! Ela estava bem, que sorte! Corri para abrir a porta. Estava curioso, pois ela havia desaparecido na noite anterior. Ao chegar em frente à porta senti um forte calafrio. Parei. Era ela sim, estava de costas, mas era Rebeca! Que bobagem. Abro ou não? Novo toque. E agora? Por que esse calafrio tão intenso? Peguei na maçaneta e abri com a chave. Ela, começou a virar, foi quando vi que havia um machucado imenso na cabeça dela!!! Não tive tempo de fechar, Rebeca segurou e empurrou a porta. Tentei fugir mas tropecei em uma almofada e caí ao chão. Ela perguntou, com aquela voz que emitia os sons da noite passada:
- Lembra de mim? Você me machucou, agora sua alma será minha!
Tentei gritar mas nada saiu!... Ela se aproximou, olhou-me com os olhos vermelhos da criatura da noite anterior... E tudo se apagou.
Este artigo foi escrito por Arley Cordovil e publicado originalmente em Prensa.li.