Reflexões sobre a prática do "fazer" psicopedagógico
O “fazer” psicopedagógico pressupõe solapar o potencial do indivíduo e potencializá-lo, delineando interdisciplinarmente um novo indivíduo quanto sujeito aprendente. A psicopedagogia inclui como método dar espaço a novas estratégias de ensino e recriar novos conceitos através do objeto que o sujeito aprende.
A postura do Psicopedagogo diante a aprendizagem é situar o ponto de encontro do sujeito com o objeto e o ponto de partida do sujeito com a aprendizagem. É através disso que iremos encontrar o perfil do aprendente, colher informações e avaliar.
Avaliar na psicopedagogia é estabelecer qual a conexão que aquele indivíduo tem com o objeto e o nível de compreensão que obteve durante as observações. Para que seja efetivo é necessário embasamento correto para uma futura intervenção, situando o psicopedagogo na posição de observante. Detalhe que não denominei como “observador”, pois é conotativo a qualquer outro material que possui a função de observar, como por exemplo, “observador” na física quântica é qualquer aparelho de medição quântica. Observante, nesse caso é mais pertinente, pois sugere que se cumpra a lei obediente, permanecendo nesta posição durante todo o processo de avaliação e até mesmo de intervenção, pois o ato de intervir não significa o fim do ato de avaliar.
"O olhar do psicopedagogo para as dificuldades de aprendizagem do sujeito necessita partir de uma leitura ampla, contextualizada, integrada em seus aspectos cognitivos, afetivos e sociais, familiares e motores. Um olhar que permita levantar hipóteses, formular desafios, buscar as verdadeiras causas dessas dificuldades, para só assim poder delineá-las e intervir sobre elas por meio de uma perspectiva mais promissora.” (BASTOS, Alice Beatriz Barretto Izique. Psicopedagogia clínica e institucional: diagnóstico e intervenção. São Paulo: Edição Loyola, 2015.)
Portanto, intervir é fruto dessa constatação prescreve do olhar psicopedagógico, ou seja, do processo avaliativo. Para chegar até o ato de intervir, subscreve passar por um processo incansável de coleta de respostas e através disto se faz necessário fazer as perguntas certas. Por isso que não existe avaliação sem o contato com a escola, a família, profissionais e o indivíduo. Dessa maneira permeia todo o processo avaliativo psicopedagógico, e também interventivo.
É importante ressaltar a escola como agente que integra o “fazer” psicopedagógico, pois é através dela que o sujeito estabelece o que aprende e o que não aprende. Através disto, surgirá a queixa da família ao psicopedagogo e será através disto que a investigação do psicopedagogo começará. Não basta a queixa, é necessário investigar quem nomeia como não aprendente, nesse caso, a escola.
O SIGNIFICANTE ESCOLA
O microcosmo social que a escola é, segunda Durkheim (DURKHEIM, Emile. Educação e Sociologia. São Paulo. Editora Melhoramentos, 1973.), provém de uma função social significativa, ainda mais para pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e outros transtornos. Parafraseando Jerusalinsky (JERUSALINSKY, Alfredo. A escolarização de crianças psicóticas. Estilos da clínica. Revista sobre a Infância com problemas. São Paulo. Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida, IPUSP. PP: 88-91.), a escola para esses indivíduos prevê um efeito terapêutico, na qual circunscreve uma leitura social diferente caso não estivessem inseridas nesse contexto. Seus atos viram artes, escreve Jerusalinsky:
“Se gritam demais, se aproximam demais, pulam demais, comem demais, põem a mão onde não devem, são simplesmente meninos e meninas, seguramente o são porque vão à escola."
A escolarização é fruto de uma constante relação professor-aluno, o qual circunscreve uma importante cadeia de conhecimentos. Sugere assim, a permanência do aluno num vínculo com o objeto de estudo. Os que desejam trabalhar com pessoas com TEA ou outros transtornos funcionam de “um modo peculiar: desejam saber como fazer o outro, que não deseja, desejar” (KUPFER, Maria Cristina Machado. Educação para o futuro: psicanálise e educação. São Paulo: Editora Escuta, 2001. 2ª ed.). Nesse sentido, a escola é um importante aliado para investigarmos o desejante e/ou o que não desejamos.
Ao indagar sobre a falta de escolarização do indivíduo por oito anos, o autor conclui:
“Ele concluiu: “disso eu não me ocupo”. Eu compreendo isso, porque evidentemente não pode se de tudo, e além do mais, na posição transferencial do analista, ele não pode produzir atos pedagógicos. Então ainda insisto: “Mas eu não pergunto se você se ocupa, eu pergunto se propõe que alguém se ocupe”. E vem seu revide: “Eu considero que a restituição da potencialidade simbólica, ou seja, a restituição da posição de inscrição sucessiva que permita simbolizar é o fundamental, o resto vai crescendo. Minha resposta: “Não, não vai crescer”. Não é uma derivação automática, porque o que durante oito anos ficou como saldo negativo na apropriação lógica do objeto, este déficit lógico que se acumulou durante oito anos não vai se saldar automaticamente como num passe de mágica só pelo fato de ele agora dispor de uma posição que lhe permita simbolizar. Ele vai ter que viver as experiências e passar pela experimentação que não atravessou, justamente porque não estava em condições de fazê-lo.” (JERUSALINSKY, Alfredo. A escolarização de crianças psicóticas. Estilos da clinica. Revista sobre a Infância com problemas. São Paulo. Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida, IPUSP. Pp: 92-93.)
Concluo que a psicopedagogia não ocupa o espaço que a escola ocupa, mas ocupa onde a escola não ocupa, mesmo que tenha que cobrar que ela se ocupe: o olhar individualizado. Pensando no coletivo como forma de observação do sujeito biopsicossocial, o psicopedagogo precisa se aliar aos agentes do universo escolar, estabelecendo uma conexão interdisciplinar, contudo, é necessário a promoção de uma orientação embasada no fazer psicopedagógico.
Este artigo foi escrito por Rafael Biancardini e publicado originalmente em Prensa.li.