Reforma tributária, um medíocre enredo teatral
O brasileiro se habituou a associar um tema que se alongue a novelas. A sequência de fatos vai construindo o enredo como se fosse de capítulos pré-imaginados por um autor qualquer. A capacidade do autor de atrair público, atenção e admiração é que vai ditar o desenrolar da história.
Contudo, em novelas, não há espaço para improvisação; no teatro, sim. E muito espaço, em especial quando os atores são sagazes, perspicazes e conhecedores das regras do jogo. Usam tais regras como instrumento de defesa de interesses próprios. Por isso, os elos reforma tributária-técnicas teatrais são muito mais evidentes que os elos reforma tributária-novelas.
Por isso, a reforma tributária está associada a teatro neste artigo. O leitor da Prensa vai...:
vislumbrar mais claramente como o sistema tributário brasileiro atravanca o crescimento geral
notar como esse mesmo sistema contempla pequena parte dos brasileiros, os mais ricos
descobrir o que um bom código de tributos pode fazer em benefício de uma sociedade
A macroeconomia atual tem dependência real de um sistema tributário em países minimamente desenvolvidos. Como um todo, sua função é essencial, pois interfere no crescimento de diversas maneiras.
Por outro lado, o sistema tributário define a quantidade de suor (e, em muitas situações, de sangue) com a qual empresas e cidadãos participam daquele desenvolvimento. O filósofo e escritor suíço Jean-Jacques Rousseau já observava esses efeitos de interferência na relação entre cidadãos de uma sociedade em sua obra O Contrato Social, de 1792.
Deve-se levar em consideração que “interferir” pode resultar em benefícios ou malefícios. Lamentavelmente, interfere sob essa segunda condição no Brasil.
Reforma tributária é reforma de sistema
O verbete “sistema” nasceu no universo grego antigo como derivado de “synistanai”. As partes que o compõem têm maior valor semântico por si mesmas para o tema deste artigo que o próprio verbete em si. Os pensantes gregos assimilavam “syn” como “junto” - ou mais adequadamente, “manter-se junto”; já “hístanai” tem valor cognitivo de “fazer ficar em pé” - ou, de maneira mais apropriada, “fazer funcionar”.
Nesse sentido, pode-se assumir “sistema” como “junto para funcionar”. Assim, não é possível “estar junto sozinho”; é preciso partes, elementos, componentes para que “estejam juntos de forma interligada para fazer algo funcionar”. Por isso, o conjunto de taxas, impostos, contribuições etc. é chamado de “Sistema Tributário”. Essas peças têm, em teoria, a função de fazer a economia de uma sociedade funcionar.
Como é sabido por meio de estudos acadêmicos, artigos, matérias jornalísticas e outras fontes do conhecimento, o sistema tributário nacional é complicado. As regras que o compõem tornam seus elementos-partes uma terrível mistura de efeitos desastrosos e destrutivos do desenvolvimento do país.
Aresta histórica do sistema tributário brasileiro
Marco A. P. Ferreira é advogado pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - Facesf e mestrando em Direito, Governança e Políticas Públicas pela Universidade Salvador - UniFacs. Em 2017, publicou artigo contundente no site Âmbito Jurídico, em que apresenta uma série de arestas referentes ao sistema tributário nacional.
Ferreira argumenta que o sistema tributário nacional se mostrava verdadeiro antro de despropósitos antes de 1965. Juristas e estudiosos de antes desse ano consideravam os componentes tributários como sistema autônomo. Contudo, outros viam com clareza a desarmonia existente entre as regras e normas do processo em si.
Nessa conjuntura de situações, os fatos criavam ambiente propício a conflitos que nasciam na análise de normas deformadas. Assim, entraves, ações ilegais por parte de contribuintes e outros obstáculos eram notórios no dia a dia jurídico e econômico do país.
Nesse ano de 65, o governo instituiu a Emenda Constitucional nº. 18, que proveu de regras todo o processo. Assim, toda a metodologia de arrecadação de tributos tornou-se minimamente regulada. Dessa maneira, pôde, na prática, passar a ser chamada de “Sistema Tributário”.
Uma visão mais comportamental
A introdução do artigo “A história do Brasil pelos tributos”, de Valéria de Pina Santos, advogada pela Universidade Católica de Pernambuco, parece estar bem presente na percepção do brasileiro prático sobre o sistema e a reforma tributários. Esse brasileiro tem aversão a impostos em geral. Considera-os verdadeiro acinte a sua cidadania.
Entretanto, essa aversão tem a ver com o retorno desse investimento. Os serviços produzidos são medíocres quando comparados com outras sociedades do mesmo nível econômico que o Brasil. Ou seja, o brasileiro critica os impostos pagos não por incivilidade, mas por desilusão.
Nesse cenário - e fortalecendo-o -, diz a advogada que os instrumentos de arrecadação apresentam deficiência. E deficiência histórica, já que a noção exploratória inconsequente, encontrada nas entrelinhas de cada um desses instrumentos, vem da época da colonização. A construção do Estado brasileiro ao longo dos séculos reflete essa deficiência na organização econômica, jurídica e social. Trata-se de “resquícios [coloniais] da organização tributária e orçamentária”, conforme argumenta Valéria e se vê no próximo capítulo, abaixo.
O nascedouro tributário
Você, leitor, viu acima a origem da palavra “sistema”; veja agora a de “tributo” para formatar mais firmemente o conceito de “sistema tributário”. O termo é dos tempos da Roma Antiga; os imperadores avançavam com seus exércitos sobre as diversas tribos espalhadas pela Europa de então. Cada uma delas tinha, certamente, um chefe social que os romanos chamavam de “tribuno”.
Os componentes das tribos pagavam aos tribunos certa porcentagem de seus bens. Cada tribo tinha suas próprias regras, mas os imperialistas nomearam essa porcentagem de “tributo”. Portanto, um sistema tributário tem, em sua essência, a função de arrecadar valores de cada componente da tribo, de maneira compulsória, para que todos sejam beneficiados.
Quanto ao Brasil, foi natural que a noção de Direito, incluindo o contributário, sofresse efeitos do Direito já instituído em Portugal. Dessa noção, surge a taxa que é considerada o primeiro imposto no país: "quinto do pau-brasil". Pelo nome - “quinto” é o mesmo que “20% -, já se nota que a exploração da produção teve início naquela época.
Sistema tributário real
A realidade do sistema de tributos hoje é deprimente. Acaba causando uma série de entraves em áreas sensíveis na relação cidadão-Estado e empresa-fisco. Economistas usam o conceito de Carga Tributária Bruta - CTB. De certa maneira, a CTB se torna uma espécie de termômetro dessa relação.
Afinal, ela identifica a quantidade de suor, mencionada acima, com a qual pessoas físicas e jurídicas contribuem para manutenção do Estado. A CTB brasileira se elevou em mais de 43% desde 1988, ano da promulgação da Constituição. Em 2005, já estava em torno de 34% do Produto Interno Bruto - PIB, saindo dos 23% daquele ano.
O brasileiro prático não assimila muito bem o significado desse avanço; contudo, especialistas garantem que esse percentual coloca o Brasil no ranking das piores sociedades para investidores internos e externos. Essa percepção negativista não se dá em função do valor porcentual em si - há países com porcentual semelhante -, mas pelos caminhos e pelas razões de ter avançado tanto.
Por essa análise, tem-se que a elevação da CTB ocorre por ânsia arrecadatória sem nortes específicos. Situações controversas políticas e/ou necessidades práticas por ineficiência em controladoria e gestão acabam gerando ajustes na carga.
Esse cenário é resultado de características negativas no processo de arrecadação tributária. Veja algumas delas.
Inseguridade Jurídica
Falta de objetividade e de transparência na instituição de muitos impostos é campo fértil para questões jurídicas. Não à toa, a área de Direito Tributário tem se mantido entre os braços mais rentáveis para profissionais de Direito.
Empresas e indivíduos recorrem com constância de decisões jurídicas. Assim, cria-se ambiente inseguro tanto para as três esferas do governo como para o contribuinte.
Passos intrincados
As regras que conduzem a maioria dos impostos são complexas, intrincadas. Há um verdadeiro emaranhado de normas que causa idas e vindas em decisões corporativas importantes. No dia a dia do cidadão, a desilusão com pagamento de taxas, em especial nas que se referem a bens e serviços, distancia o indivíduo da satisfação de pertencer a uma comunidade.
A rotina corporativa auxilia no desenvolvimento de uma nação. No Brasil, aquelas normas e regras são oriundas das três esferas federativas. Algumas taxas municipais conflitam com outras estaduais e estas com federais.
Além disso, segundo dados do Banco Mundial, as empresas brasileiras são as que mais perdem tempo no processo de interpretação, cálculo e pagamento de seus tributos. Eram mais de 2600 horas anuais em 2014; com a evolução tecnológica, esse tempo vem caindo, mas o país continua em primeiro lugar nesse quesito..
A paralelo, há a tábua de alguns benefícios eventuais e temporários oferecidos por autoridades em algum momento. Enquadrar-se nela nem sempre é tarefa fácil justamente em razão daquela complexidade.
Disparidade
A confusão dos passos mencionados acima é uma das razões da disparidade percebida pelos alvos dos tributos. Comumente e ao contar dos dados, as classes menos favorecidas são as mais atingidas por impostos e taxas municipais, estaduais e federais. Considerando-se cálculos percentuais, o valor anual despendido pelos mais pobres é maior que o valor das classes mais abastadas.
Desilusão
A aplicação dos recursos originados no sistema tributário é motivo de críticas desde o tempo do Império. O brasileiro não consegue ver linha associativa entre o que paga de impostos e os serviços que recebe em troca.
Com isso, nota-se grande desilusão por parte do contribuinte. Assim, é grande a tendência de esse contribuinte buscar alternativas que o desobriguem do ônus dos impostos. O mesmo “fenômeno” ocorre no âmbito das empresas.
Sistema tributário ideal
Qualquer sociedade civilizada precisa de tributos para se manter; a parcela produtiva (empresas e indivíduos) dessa sociedade, então, precisa pagar tributos. Um sistema tributário ideal é aquele que oferece equilíbrio entre esses dois fatores.
Dessa maneira, eventuais obstáculos à competitividade são anulados ou, então, minorados. Afinal, a concorrência entre os elementos produtores de bens e serviços se torna transparente na relação com o fisco, o que promove segurança no momento de decisões importantes.
Previsibilidade
Uma reforma tributária consistente para um sistema ideal dispõe de condições de previsão de investimentos. As empresas podem simular cenários de futuro próximo ou distante com mais assertividade e segurança. Com isso, os efeitos benéficos podem se refletir em campos diversos, como aumento na taxa de empregos, investimento em maquinários e estratégias e até mesmo intensificação na própria malha de arrecadação.
Custo Brasil
Qualquer mínimo processo produtivo requer um custo em sociedades capitalistas. Esse custo se origina na estrutura logística da macroeconomia que rege essa sociedade. Quanto mais fluidas forem as engrenagens do sistema, menor será o custo do processo. Claramente, esse custo é repassado para o mercado.
O sistema tributário brasileiro é um dos entraves que mais encarecem o Custo Brasil em razão dos percalços antevistos no capítulo anterior deste artigo. Portanto, um esquema de tributos ideal busca minimizar os custos internos de produção de bens e serviços.
Assim, a visibilidade logística se amplia e possibilita aplicação de recursos em decisões com objetivos de crescimento geral. Dessa maneira, o Brasil se torna atraente para o mercado externo.
Incentivo ao empreendedor
Sabe-se que o Brasil é um dos países com mais mini e microempreendedores. A disposição do brasileiro ao trabalho o leva a buscar autonomia econômica como jamais visto em outros lugares. Entretanto, mesmo com benefícios tributários diferenciais, o microempreendedorismo sofre efeitos da má gestão da arrecadação.
Uma boa reforma tributária proporciona claridade no universo obscuro dos tributos nacionais. Assim, o empreendedor, seja mini, micro, pequeno ou médio, se incentiva muito mais a desenvolver seus próprios negócios.
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Imagem de capa - Especialistas alertam que o tempo para boa reforma tributária já passou (Crédito: Foto Caroline Ferraz - sul21.com.br)
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Este artigo foi escrito por Serg Smigg e publicado originalmente em Prensa.li.