Resenha: A Cachorra - Pilar Quintana
Quando o luto tem fim? Quando a impossibilidade de ter um filho destrói além do ponto de reparação? Com esses questionamentos e tantos outros, atravessamos a trajetória de Damaris, uma mulher próxima da meia idade e que vive uma vida completamente vazia. O casamento foi se perdendo e esvaindo ao longo do tempo, especialmente após ser informada da impossibilidade de engravidar. E ela tentou, e muito, mas entendeu que ter um filho biológico era impossível. Ela tem a infertilidade como um fardo pesado, dolorido, sufocante e angustiante. Algo que ela tem certeza de que carregará para o resto da vida.
Em sua casa, os cachorros são tratados em um profundo ódio pelo seu marido, eles existem apenas para proteger a residência e nada mais. Porém, tudo muda quando Damaris descobre que uma das moradoras da cidade tem uma cachorra para entregar para adoção. Ela adota o pequeno filhote e coloca o nome da filha que perdeu. Damaris trata a cadela como um remendo da própria vida, um conserto para tudo o que, até então, faltava nela.
A personagem principal é moldada por uma sociedade concebida em uma ideia de mãe e de família. Em muitas partes ela se sente inútil, completamente sem serventia, como se tivesse falhado com ela, com o marido e com a sociedade. O julgamento não vem apenas dela, mas da própria família. E esse sentimento acaba se enraizando e moldando tudo o que ela é.
Em poucas páginas, ela criou um universo complexo, nos entregou diversas relações entre os personagens e o próprio ambiente onde a história se passa, além da relação daquele local com os animais.
A Cachorra nos mostra a trajetória de uma mulher que está se perdendo, perdendo sua essência. Ela que, em sua visão, nasceu para ser esposa e depois mãe, acaba não conseguindo ser nenhum dos dois, o que dá espaço para o sentimento de ter fracassado.
Ao adotar aquele animal, fica claro que ela não a enxerga como um cachorro. Ela cria expectativas, faz planos e se frustra quando o filhote não segue exatamente o que ela planejou e tudo isso nos leva ao fardo que ela carrega e que para sempre vai carregar. Presa em um ciclo sem fim, obrigada a conviver em uma solidão eterna.
Pilar Quintana nos entrega uma história sobre destruição, violência, amor e luto, todas as suas camadas e todas as maneiras que somos capazes de expressar. Damaris se olha no espelho e não se enxerga, enxerga o que o outro vai ver nela.
Este artigo foi escrito por Nathalya Dourado e publicado originalmente em Prensa.li.