Resenha da série Betty em Nova York-Por trás das aparências
Imagem: os protagonistas da série Betty em Nova York.
Sinopse: Betty Rincón é uma jovem mexicana que vive nos EUA e enfrenta desafios para se estabelecer em um emprego porque, segundo critérios definidos socialmente, ela não teria a aparência “desejável” para ocupar o cargo para o qual está intelectualmente preparada. Betty enfrenta discriminação e humilhações quando começa a trabalhar em uma empresa de moda, a V&M, e precisa lidar com diversos obstáculos para provar que imagem não é tudo.
Uma das cenas que me chamou a atenção na primeira temporada/primeiro episódio da série Betty em Nova York, foi quando Betty, concorrente a uma vaga de efetivação no banco onde era estagiária, deixa de ser contratada por não atender aos critérios estabelecidos pela presidência da instituição: eficiência, talento, motivação e beleza.
Betty recebeu apenas uma placa de gratidão, mesmo sendo qualificada para o cargo. A sensação de fracasso ao ser dispensada do banco deixa Betty sem coragem de voltar para casa e contar a todos o ocorrido. Após ser dispensada, a personagem aparece em uma cena onde chora ao lembrar do sofrimento que passou quando era criança por causa da aparência.
Nas aulas de balé, a mãe da protagonista da série ouve a professora dizer que a menina não faria parte do corpo de bailarinas porque o balé é uma arte sublime, é elegante, delicado, não é feito para garotas feias e sem graça. Algumas garotas nasceram para brilhar como estrelas, e outras nasceram para assisti-las brilhar da plateia, disse a professora. A mãe da menina não aceita a crítica e diz à professora que a filha será bem-sucedida.
Mesmo diante da situação que Betty enfrentou no banco, a mãe e os amigos receberam-na com alegria, sem qualquer crítica ou questionamentos. O apoio dos pais e do melhor amigo, Nicolas, foi fundamental para Betty Rincón ser quem é. Outras cenas do primeiro episódio também mostram situações em que pessoas ridicularizam Betty na empresa Valencia & Mendoza (V&M) por não corresponder aos padrões de beleza que eles esperavam e ela ainda nem havia sido contratada.
No setor de recursos humanos da mesma empresa, o Sr. Smith, responsável pela seleção e contratação de funcionários, reconhece a qualificação de Betty por meio de entrevista e análise do currículo. Betty é contratada pela V&M e os problemas estão apenas no começo.
Armando, presidente da empresa, confia-lhe as principais tarefas como secretária pessoal e isso deixa Patrícia profundamente irritada. Esta desejava o mesmo cargo que Betty e era a melhor amiga de Marcela, proprietária da empresa e noiva de Armando.
Com sérios problemas financeiros, Patrícia pede um emprego à melhor amiga e disputa o cargo de secretária principal com Betty, mais qualificada do que ela. Mesmo com todos os desafios, Betty ganha a confiança de Armando não só por seu profissionalismo, mas também por ajudá-lo a sair de situações embaraçosas da vida pessoal que envolvem traição e mentiras.
Quando teve certeza de que Betty ajudava Armando a esconder a verdade a respeito das traições dele com outras mulheres, Marcela a demitiu. Armando, ao saber da demissão, faz com que Betty retorne à empresa e volte a ocupar o cargo de secretária.
Hostilizada por vários funcionários por causa da aparência, Betty estava em um mundo novo, cheio de pessoas consideradas belas, mas com ausência de ética e caráter. Era constantemente agredida por quem trabalhava com ela, menos pelas amigas que, em alguma medida, também sofriam com o problema dos estereótipos.
Entre os episódios três e quatro da primeira temporada, Betty supera muitos desses problemas ao conseguir provar a sua competência por meio da análise e explicação do plano de negócios da empresa, elaborado por Armando e revisado por ela.
A invisibilidade deixa de ser palavra de ordem e Betty recebe uma proposta tentadora de Daniel, irmão de Marcela, para que deixe de trabalhar com Armando e se torne secretária dele na empresa que administra. A proposta é recusada em nome dos valores da protagonista e ela continua como secretária de Armando, mesmo precisando muito de dinheiro para resolver problemas particulares. Betty evidenciou a importância do poder da ação em detrimento do poder das ideias nesta situação.
Com esta atitude, ela mostrou que não é a aparência que determina quem somos. Há quem supervalorize o exterior. Corpo-cabelo-peso-roupa e já não somos livres.
O ser me parece uma construção mental, então, não há com o que se preocupar. Você pode ser aquilo que imagina. Minha experiência me faz pensar: o que traduz a tua própria individualidade é o que te define, ainda que o mundo olhe a aparência.
Talvez a casca contenha o que de mais importante há em cada um de nós. Se isso é verdade, o que está dentro da gente pouco importa. O mundo mede pela aparência, dizem. Somos insultados a todo momento quando a sociedade vê em nós algo que não a agrada.
Parece que temos a obrigação de sempre agradar a alguém para sermos aceitos e bem-vindos nos seletos grupos onde somos validados por meio de critérios subjetivos. Se escapamos ao gosto desses grupos, precisamos estar preparados para receber críticas e rejeições. O português Antero de Quental escreveu: vejo os votos da minha mocidade receberem somente escárnio e insulto. Insultos à parte, vamos vivendo.
Não apenas a mocidade recebe insultos. Em qualquer fase da vida, eles surgem e, se buscar orientar tua vida por esses insultos, triste será a maturidade ou os dias a ti destinados. Se somos definidos por critérios, então sejamos capazes de nos definir por critérios estabelecidos por nós mesmos.
Ninguém melhor do que você para encontrar um meio de se autoconstruir e se autodefinir. Dessa forma, o papel da crítica pode ser amenizado. Sêneca escreveu sobre o processo de, com o tempo, se tornar um amigo melhor para si mesmo (HOLIDAY & HANSELMAN, 2021, p. 253). É isto. Sejamos nossos melhores amigos e a crítica ver-se-á nula ou sem graves efeitos. Se o maior império é ser imperador de si mesmo, que possamos fazer o melhor dos governos.
Referência bibliográfica
HOLIDAY, Ryan; HANSELMAN, Stephen. A vida dos estoicos: a arte de viver, de Zenão a Marco Aurélio. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2021.
Filmografia
BETTY EM NOVA YORK. Direção: Gustavo Loza. Produção: Telemundo Global Studios. Netflix. 2019. 5535min. Disponível em: https://www.netflix.com/watch/81091827?trackId=255875003. Acesso em: 21 abr. 2022.
Este artigo foi escrito por Rosa Acassia Luizari e publicado originalmente em Prensa.li.