Round 6 promete retorno e mais inferno capitalista
Mesmo jurando não ter uma ideia de como será o próximo roteiro, é difícil ele escapar da arapuca de reproduzir um retrato em cores quentes de como o capitalismo desesperança pessoas e as faz abraçar a ideia de jogar vida ou morte em troca de milhões, ao convencê-las de que esse é o único jeito de escapar da miséria, das dívidas, da humilhação diária por ser pobre.
A nova temporada pode trazer, segundo especulações dos fãs que são tidas como criativas por Hwang Dong-hyuk, do jogador protagonista Gi-hun e do policial Hwang Jun-ho retornarem como soldados ou como VIPs disfarçados para sabotar o jogo. Talvez, vencedores de edições anteriores brigariam por um valor triplicado em prêmio, por estarem falidos e ensandecidos por mais dinheiro.
Enfim, impossível de desvencilhar do fio condutor central. Uma jornada de suspense e crueldade do pobre odiando outro pobre e se submetendo aos desejos sádicos da burguesia, fazendo deles os seus. Assim foi traçado pelos manipuladores e assim os atolados em infortúnios aprendem e submetem-se aos comandos.
É o pobre reacionário e sem consciência de classe. Que quer se destacar, se diferenciar. O que bajula patrão, por considerá-lo vencedor, e despreza o morador de rua, por vê-lo derrubado na outra ponta do cabo de guerra como merecedor dos infortúnios já que não se esforçou. O que aceita a desigualdade social, ri dos humilhados que comem pé de galinha e exalta os investidores de offshore como os inteligentões.
O pobre que se dispõe a agredir os de seu entorno, em situação igual, por ter sido treinado a se desidentificar como classe trabalhadora. Não se vê em luta coletiva, mas como um indivíduo solitário, em competição, que vai chegar lá se der muito duro e eliminar seus concorrentes.
Netflix
Disposto a servir de diversão para as risadas alheias em programas de TV, que vão vender sua vitória efêmera como história de superação.
Quem vence é olhado como o talentoso e a prova de que basta dedicação para chegar lá, no topo. Quem perde, o preguiçoso e fracassado, que não é percebido como vítima de um sistema de privilégios e discriminações, mas sim da seleção natural que elimina os mais fracos e incapazes.
O pobre que virou marionete, manifestoche, que se deixou engaiolar em uma trama contra os vizinhos, que, na real, é contra ele mesmo. Que se meteu nesse ciclo vicioso de corrosão da solidariedade e que acha ser esperto colaborar com ele. Esperançoso de por imitar a sordidez dos seus algozes doutrinadores de elite se tornar um deles.
Resta a ele aceitar o inaceitável. As regras insanas, correr dos tiros, trair companheiros, pelegar e persistir no jogo, sem saber se chegará ao fim com vida ou dormindo sob um plástico preto em uma calçada.
Como foi exposto na primeira temporada, a sociedade é brutal com perdedores. Nenhum dos jogadores de Round 6 vislumbra chance no mundo exterior. Assim, quem sobrevive prossegue seja às custas da morte de quem for. Como se afirma em um dos episódios: "Há dois infernos. O pior é a realidade".
Batatinha frita 1, 2, 3… que vença o pior.
Este artigo foi escrito por Miguel Rios e publicado originalmente em Prensa.li.