Rua do Medo: A maldição de Shadyside
As luzes se apagam. Você está sozinho. O telefone toque e ninguém responde. Seu carro quebra em uma cidade que nem está no mapa. Alguém te observa. Essa são algumas cenas bem características de uma produção slasher. Você provavelmente lembrou da sequência de filme Pânico e a ideia por trás é essa mesma. Temos um psicopata, uma lâmina muito afiada e um grupo de pessoas com pouca ou nenhuma noção de sobrevivência.
Recentemente a Netflix fez uma homenagem a esse subgênero do terror, inspirando-se em algumas histórias dos livros de R. L Stine, autor famoso por escrever a saga literária Goosebumps, que ganhou série de TV nos anos 90 e dois filmes em 2015 e 2018, respectivamente.
E se por um lado o streaming amenizou a série Sweet Tooth — já que sua HQ consegue ser bem sombria — no caso de Rua do Medo a situação foi inversa. A diretora dos filmes, Leigh Janiak, optou por cenas bem mais sangrentas, focando no público adulto, diferente de Stine que mira no infanto-juvenil.
A produção resultou na trilogia Rua do Medo (Fear Street), que é ambientada em 1994, 1978 e 1666, respectivamente. Dessa forma, o expectador só tem uma completa visão da história no último filme. Aliás, ninguém teve que esperar muito tempo. Todos os filmes foram disponibilizados com uma semana de diferença.
A bruxa vive para sempre
Os três filmes se unem em uma única história que atravessa quase 300 anos. Sarah Fier, uma mulher condenada à morte por bruxaria em 1666, virou uma lenda para os moradores de Sunnyvalle e Shadyside, duas cidades que apesar de próximas, não poderiam ser mais diferentes.
Se por um lado temos Sunnyvalle como símbolo de prosperidade e desenvolvimento, por outro Shadyside segue um caminho bem diferente há anos. Conhecida como a capital dos assassinatos, a cidade é famosa pelos surtos periódicos de algum de seus moradores, o que sempre resulta em um número considerável de mortes. Um lugar realmente amaldiçoado.
O início da trilogia (1994 – parte 1) é repleto de referências a clássicos como Halloween (1978), It: A Coisa (2017), por exemplo, as séries Stranger Things, Goosebumps e Clube do Terror. Os fãs de Pânico (1996) provavelmente tiveram um déjà vu quando Heather (Maya Hawke) é perseguida por um assassino mascarado com uma faca depois de atender ao telefone, assim como Drew Barrymore no filme de Wes Craven.
Heather, como a maioria dos personagens em filmes slasher, não tem tanta sorte e é a primeira de muitas mortes - Imagem de reprodução.
Outra referência nessa cena é ao próprio R.L. Stine, escritor da saga literária. Antes da morte de Heather, é possível ver um pouco da loja em que a moça trabalha. Nela, há uma estante repleta de livros de um autor chamado Robert Lawrence.
Na trama, esse será o primeiro de uma série de assassinatos que volta a perturbar Shadyside, levando o grupo de jovens formados por a investigar se a lendária bruxa Sarah Fier tem levado pessoas comuns a cometer massacres.
Duas cidades em conflito
A escolha da Netflix em apresentar as narrativas em ordem cronológica reversa, ou seja, dos tempos atuais até a origem da maldição dos Shadysiders, é um ponto positivo de Rua do Medo. Isso instiga a curiosidade e até fomenta teorias sobre o passado de Sarah Fier. Mas não chega a ser um recurso tão novo, “mostrar a origem de tudo” no filme de conclusão.
Uma dinâmica muito forte construída na trilogia é aquela entre moradores de Sunnyvalle e Shadyside. Levando em conta seu histórico, os Shadysiders são vistos – e muitas vezes até se veem – como pessoas sem futuro ou perspectiva de vida. Sua cidade está condenada, por algo que nem mesmo eles conseguem explicar, mas que não lhes permite prosperar.
O irônico é que as duas cidades tiveram sua origem em uma colônia da Nova Inglaterra chamada Union, que se separou justamente em 1666, ano da morte de Fear.
As diferenças e inimizades são evidentes desde o primeiro filme, mas é em Rua do Medo 1978 que notamos isso mais de perto, quando somos transportados para o Acampamento Nightwing, onde jovens das duas cidades precisam conviver durante as férias de verão. Lá a má sorte de Shadyside fica declarada a cada competição perdida, pois é óbvio que nem ali a cidade conseguiria ser bem sucedida.
Aliás, já sabemos bem o que acontece em acampamentos de verão nos filmes de terror dos anos 1970. E Nightwing vira o novo Crystal Lake.
Era um problema em 1666... E em 1994 também
A trilogia Rua do Medo apresenta múltiplas narrativas, mas certamente o relacionamento de Sam (Olivia Scott Welch) e Denna (Kiana Madiera) é uma vitória para representação no gênero, especialmente quando falamos de Denna, uma jovem não-branca e lésbica como protagonista.
Ironicamente (ou não), a condenação de Sarah Fier em 1666 tem como pano de fundo os mesmos problemas enfrentados pelas jovens em 1994: a não aceitação de seu relacionamento com outra mulher. Uma crítica certeira do streaming. Muitas vezes as bruxas nascem dos nossos próprios preconceitos.
Este artigo foi escrito por Luana Brigo e publicado originalmente em Prensa.li.