Ruth de Souza, a primeira-dama negra do teatro brasileiro
Uma das figuras fundamentais do teatro e teledramaturgia brasileiros é Ruth de Souza. Considerada uma das principais atrizes de nosso país, de fama nacional e internacional, tendo atuado em peças de teatro, filmes e novelas.
Sua luta por uma maior representatividade foi responsável por abrir o caminho para outros atores e atrizes negros que não dispunham de espaço e visibilidade na televisão e cinema nacional.
Ruth Pinto de Souza nasceu em 1921, no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, filha de Alaíde Pinto de Souza e Sebastião Joaquim Souza. Ainda pequena, foi morar no sítio do pai em Minas Gerais, onde viveu parte da infância com os pais e os dois irmãos mais novos, Maria e Antônio.
Sua relação com a sétima arte começou desde cedo. Seu sonho de ser atriz nasceu em sua primeira sessão de cinema, na qual assistiu com sua mãe “Tarzan, O filho da Selva”. Ruth tinha 9 anos e tinha acabado de se mudar para Copacabana, Rio de Janeiro, após a morte do pai.
Uma estrela negra no teatro brasileiro
Ruth de Souza - Crédito: Cinemateca Brasileira.
Na época não era comum ver atores e atrizes negros. Em 1944, determinada a aprender a atuar, Ruth tomou conhecimento do Teatro Experimental do Negro (TEN), uma companhia de teatro recém-criada pelo ator, ativista e político Abdias do Nascimento.
A intenção da companhia era propor uma nova dramaturgia e, ao mesmo tempo, valorizar os atores afrodescendentes diante do racismo existente. Logo, o TEN colaborou não só com os primeiros passos de Ruth, mas combateu o que hoje é conhecido como black face, quando um ator branco é pintado para interpretar um negro em uma peça de teatro ou no cinema.
Aliás, foi o TEN que levou pela primeira vez um artista negro, na posição de artista principal, ao Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
A estreia de Ruth com o grupo ocorreu no Teatro Municipal, em 8 de maio de 1945, com a peça “O Imperador Jones”, fazendo o papel de uma escrava. Foi justamente na década de 1940 que a atriz contracenou com aquele que se tornaria seu amigo, o Grande Otelo.
A atriz Ruth de Souza e o ator Grande Otelo, em 1953- Crédito: Acervo UH/Folhapress.
Mais adiante, Ruth viria a se tornar uma estrela da extinta produtora de cinema Vera Cruz, mas antes disso atuou em filmes da produtora Atlântida, que resultaram em algumas parcerias com Grande Otelo como “Falta Alguém no Manicômio” (1948) e “Também Somos Irmãos” (1949). A atriz também contracenou com Otelo na novela “Sinhá Moça”, de Benedito Ruy Barbosa, em 1986.
Luta e resistência em seus papéis
Outro período que foi marcante para a careira de Ruth foi 1950, quando ela passou um ano nos Estados Unidos, graças à bolsa de estudos que ganhou da Fundação Rockefeller. Lá frequentou a renomada Universidade Harvard, em Washington, e a Academia Nacional do Teatro Americano, em Nova York.
Ruth já era figura presente no cinema desde 1948 com "Terra violenta”, adaptação do romance “Terras do sem fim", de Jorge Amado. Mas foi com a sua atuação como escrava Sabina em “Sinhá Moça”, dirigido por Tom Payne, que Ruth se tornou a primeira atriz brasileira indicada a um prêmio internacional: o Leão de Ouro, no Festival de Veneza de 1954.
Na ocasião, ela disputava o prêmio de Melhor Atriz com Katherine Hepburn (que na época já tinha vencido o primeiro dos 4 Oscars de sua carreira), Lili Palmer e Michele Morgan.
Sua interpretação no longa lhe rendeu também o prêmio “Saci”, conferido aos melhores do cinema nacional pelo jornal O Estado de São Paulo. O prêmio foi recebido em cerimônia no Teatro Municipal.
Além de Sabina, a atriz representou outras personagens nas décadas de 1950 e 1960 aludindo à luta e resistência negra na sociedade brasileira. Entre elas, a performance de Ruth como um dos maiores nomes da literatura nacional, Carolina Maria de Jesus (1914-1977), autora do livro “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”.
Em 1969, Ruth continuava a desbravar territórios. Seu papel em “A Cabana do Pai Tomás”, da TV Globo, fez dela a primeira atriz negra a protagonizar uma novela.
Da esquerda para a direita, Carolina Maria de Jesus, o jornalista Audálio Dantas e Ruth de Souza em visita a Favela do Canindé (1961) - Crédito: Coleção Ruth de Souza.
Sem dúvidas, talento, luta e pioneirismo são palavras que definem muito bem a trajetória de Ruth de Souza. Ela alcançou muitos marcos no teatro e teledramaturgia, sendo responsável por pavimentar uma estrada para os atores e atrizes negros que viriam depois dela.
Ruth deixou um incontestável legado. Ela reconfigurou o imaginário cultural brasileiro em relação à população negra. Fez-se presente nos palcos menos de seis décadas após o fim da escravatura, superando diversos preconceitos.
A atriz ainda conseguiu em vida o reconhecimento pela sua primorosa atuação, algo ainda raro para muitas mulheres negras. Com mais de 70 anos de atuação, a atriz fez parte de mais de 25 peças teatrais, 30 novelas e 30 filmes.
Este artigo foi escrito por Luana Brigo e publicado originalmente em Prensa.li.