Sally Rooney: um mergulho em nossas próprias mentes
Sally Rooney é uma escritora irlandesa, que nasceu em 1991. Membro do corpo de debate do Trinity College em Dublin, ela se formou em letras pela mesma universidade, onde também terminou um mestrado em literatura americana.
Sally já publicou três livros: Conversa entre amigos, Pessoas normais e Belo mundo, onde você está. Conversa entre amigos, um dos livros que mais divide opiniões, ganhou uma adaptação para uma série de televisão. Mas por qual motivo esse livro incomoda tanto?
Conversa entre amigos foi lançado em 2017 pela Faber and Faber e, diferente de muitos outros livros, foi submetido a um leilão por seus direitos de publicação, que acabaram sendo vendidos em doze países. O livro foi indicado para diversos prêmios e Rooney acabou ganhando o Prêmio Jovem Escritor do Sunday Times.
O livro explora as complexidades das relações humanas e o poder que cada pessoa é capaz de exercer na outra. Um livro que fala sobre amor, monogamia, amizade e mostra as fraquezas e forças das quatro pessoas envolvidas.
Na história, Frances, de 20 anos, é uma estudante e poeta que se apresenta frequentemente no círculo intelectual de Dublin com Bobbi, sua melhor amiga e ex-namorada. A atuação das duas e sua visão do mundo chama a atenção de uma jornalista renomada da cidade, Melissa, que está fazendo um perfil das jovens na cena cult da cidade.
As entrevistas e encontros fora de hora, conduzem as meninas a se aproximarem da vida da jornalista que é casada com Nick, um ator de cinema, que pode ser considerado famoso, talvez mais pela beleza do que por seu grande talento na atuação.
Inclusive, é através de Frances que este romance se desenrola ao longo da história. Ao entrar na vida da jornalista e de seu marido, uma realidade completamente diferente daquela em que ela está inserida, duas coisas acontecem: Bobbi e Melissa ficam cada vez mais próximas e ela se sente atraída por Nick.
"Mas o reconhecimento também pareceu fazer parte da apresentação em si, a melhor parte, e a mais pura expressão do que eu estava tentando fazer, que era me transformar nesse tipo de pessoa: alguém digna de elogios, digna de amor." Sally Rooney
Através das páginas, Frances nos confidencia que o seu ego sempre foi um problema, sempre em busca da aprovação de terceiros, seja o público para o qual se apresenta nas noites de Dublin ou de Bobbi.
Frances sempre fantasiou ser mais inteligente do que seus professores, colegas de classe, um gênio escondido e incompreendido. Mas esse sentimento passa a perder a força, ela se sente insegura quanto a sua escrita e com ela mesma, ainda mais após conhecer Nick e Melissa.
Bobbi, por outro lado, é a alegria da festa! Extrovertida, um talento natural para os palcos, o completo oposto de Frances, que é tímida, insegura e calada. Bobbi sempre foi seu apoio, a pessoa que faz com que ela tenha uma vida social e se liberte dessas amarras.
As amigas se veem em uma vida completamente diferente ao se aproximar do casal e vivenciar uma vida glamourosa e cheia de privilégios que os cerca. Apesar de tudo, Frances sente que Melissa não gosta dela e, nos jantares oferecidos pelos dois, ela se sente mais próxima e à vontade com o Nick, que se sente completamente desconfortável nessa bolha social que está inserido.
Frances, nossa narradora, percebe o quão pouco Nick se encaixa nesse círculo social e apesar de se sentir quase do mesmo jeito, se sente superior ao fato de fingir muito bem que faz parte desse mundo. Ela esperava alguém superficial, com pouca relevância, mas encontra algo a mais em Nick, algo mais profundo e complexo.
Das infinitas trocas de e-mails e convites para jantares e peças, os dois começam a flertar e ele se põe como um admirador do talento e da juventude de Frances. Enquanto ela se sente lisonjeada por toda a atenção que ele, um homem bem sucedido, bonito e mais velho, parece dar a ela.
A relação entre os dois e o inevitável affair começa a abalar a relação entre ela e Bobbi e entre ela e Melissa. Sally Rooney criou com muita maestria, um conflito interno da personagem. Bobbi não tem a mínima ideia do que está acontecendo, Melissa é uma personagem complexa, ao mesmo tempo em que ela parece indiferente ao marido, ela poderia ser alguém capaz de destruir alguém se quisesse.
Enquanto isso, Frances está vivendo uma vida não muito agradável. Ela ainda depende do pai para sobreviver, seus pais estão separados, ela praticamente não tem contato com a família e muito menos uma rede de apoio. Ela se acha mais adulta do que é e vê em Nick a oportunidade de ignorar suas responsabilidades e viver uma outra vida.
A completa incerteza entre o que Frances e Nick esperam um do outro é nítida ao longo das páginas. Ao revelar seus sentimentos, sem qualquer afirmação de afeto por ele, ela se despe e se expõe a probabilidade de um coração partido. O medo da rejeição, de não se sentir merecedora ou de se achar inferior a Melissa, dão o tom a essa história.
Frances faz jogos, mente para si mesma, finge não estar envolvida e apaixonada por um homem que está comprometido com outra pessoa. Seu ego não permite admitir o quanto está envolvida com Nick e talvez, esse seja o motivo da leitura ser incômoda.
Sally retrata o tipo de relação que nos acostumamos a construir, baseada na impressão que as pessoas querem passar, no medo de revelar os pontos fracos. Mas também expõe o vazio dos relacionamentos casuais, em que uma hora o desejo pode ser avassalador, mas depois torna-se algo doloroso, a falta de afeto começa a ecoar dentro de si.
Os personagens frequentemente se deixam submeter às vontades dos outros. Se sentem culpados por coisas quando não há motivos, tudo para obter a aceitação do outro. Relações desequilibradas, julgamentos injustos, tudo que nos faz seres humanos. A eterna sensação de que, talvez, não haja algo melhor que o que temos, que estamos destinados a aceitar aquele tipo de amor, de amizade. Frances e Nick experimentam, pela primeira vez, a sensação de equilíbrio, de afastamento de toda essa toxicidade ao se verem livres de Melissa e Bobbi.
Talvez o livro incomode justamente por isso, por ser um espelho da nossa sociedade. Como equilibrar nossas relações? Como buscar a racionalidade? Como escapar de hábitos tão enraizados em nós mesmos? Rooney nos mostra personagens escapando de suas vidas pré-programadas e de pessoas que demandam uma carga emocional muito grande dos outros.
Umas das coisas que mais gostei em Conversa entre amigos é como a Rooney consegue captar as relações de hoje, que são criadas e mantidas através da internet. O Google é usado como meio de busca para conhecer o outro, mensagens são trocadas durante uma festa, tudo é rápido, imediato. A comunicação é facilitada, mas os ruídos de comunicação estão lá.
O livro também faz uma crítica ao nosso estilo de vida. A quantidade de opções que temos ao alcance de um clique. Temos acesso às vidas de outras pessoas que nem ao menos conhecemos e é inevitável a comparação, a ansiedade por almejar algo que o outro tem ou o que o outro é.
É também sobre a fragilidade das pessoas, a fragilidade de suas relações, sobre insegurança e, ao mesmo tempo, a intensidade da vida. Sobre achar que o mundo nos deve algo, quando na verdade, não nos deve nada.
Este artigo foi escrito por Nathalya Dourado e publicado originalmente em Prensa.li.