Sanduíche de picanha: parece, mas não é
Não desceu bem... | Imagem: Oliver Sjöström / Pexels
Nos já distantes anos 1970 e 1980, havia um famoso comercial de xampu anticaspa, cujo diferencial era parecer com um xampu “normal” enquanto combatia as moléstias do couro cabeludo. Seu slogan ficou imortalizado nos anais da publicidade brasileira: “Parece, mas não é”.
Utilizando às avessas este conceito, alguém dentro da indústria alimentícia, mais precisamente naquela rede internacional de lanchonetes conhecidas por um grande “M” amarelo, teve a ideia genial: por que não fazer um sanduíche com cara de picanha, com jeito de picanha, com gosto de picanha, mas… sem picanha?
No meu tempo, isso tinha outro nome: estelionato. Ou propaganda enganosa, se quiser pegar leve. Vivemos num período em que as questões morais andam continuamente em xeque, mas ninguém na empresa colocou a mão na cabeça e pensou que isso não era exatamente ético? Que a chance de dar problema era, no mínimo, previsível?
Sabor amargo
Não parece que tenha ocorrido, pois no final de abril, a rede de restaurantes anunciou ao mercado, com toda pompa e circunstância, seu picanhamente delicioso sanduíche. Com gosto de picanha, cheiro de picanha, mas tão picanhamente real quanto um álbum do Milli Vanilli, que cairia como uma luva na trilha sonora do comercial.
Tão certo como o fato de que as batatinhas murcham assim que esfriam, ganhando consistência de neoprene, a malandragem picanhística deu errado. Daria certo caso aqueles adolescentes e seu cachorro estúpido… digo, a página Coma com os Olhos, que fala sobre comida no Facebook e no Instagram, não tivesse detectado que a picanha estivesse só no nome, além do molho com “aroma de picanha”.
Gostinho indigesto
A “brincadeirinha” levou a rede de restaurantes a ser notificada pelo Procon de São Paulo, e com o rabo entre as pernas, admitir nas redes sociais que “vacilou”. Vamos combinar que foi um jeito muito bonitinho de pedir desculpas por uma tremenda lambança.
De quebra, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) abriu um processo a fim de analisar todo o material veiculado na mídia. Para quem não está familiarizado, a função do órgão é fazer o balizamento ético de qualquer peça de publicidade, em respeito à concorrência de mercado e claro, ao consumidor.
A próxima providência da rede foi suspender a comercialização do produto em todo o território nacional, o que deve ter doído parcialmente no bolso, já que como a carne não era picanha mesmo, possivelmente será aproveitada no preparo de outras iguarias.
Sobremesa acompanha?
Não obstante, o Ministério da Justiça deu um prazo bastante apertado para que a empresa esclareça a campanha publicitária do lançamento dos sanduíches, e se havia a possibilidade de “induzir o consumidor ao erro”. Coisa bastante pro forma, em bom juridiquês, pois o pobre coitado que comeria o hambúrguer não teria a menor chance de identificar em suas papilas gustativas que a picanha não era picanha.
De volta às redes sociais, a lanchonete do “M” amarelo publicou, sorridente, que irá relançar o sanduíche com um novo nome, “mas com o mesmo sabor”, ou seja, admitindo do jeito certo o conceito do “parece, mas não é”. E também é claro que as redes sociais ecoaram a trapalhada de um modo bem sarcástico:
Reprodução: Twitter
Ficou feio. Bastante feio. Abrindo precedentes para que as redes de fast food concorrentes não façam a mesma besteira, e provavelmente lhes dando munição para atingir a líder em futuras campanhas publicitárias. Afinal, em publicidade, propaganda e política, explorar o erro alheio é quase uma obrigação.
Mas que lanche infeliz!
Não que a prática de vender gato por lebre seja novidade em redes de lanchonetes. Na imensa maioria delas, não restringindo apenas às que vendem hambúrgueres, é muito comum mostrar nos cardápios e materiais de divulgação sanduíches que parecem o Paraíso na Terra, e te entregam no máximo o purgatório, com altas doses de colesterol ruim.
Pouco tempo depois desta denúncia, a página Coma com Os Olhos pegou outra lorota, agora da lanchonete concorrente. Aquela que te dá uma coroa de cartolina. O sanduíche de costela, quem diria, não tem costela!
Também não causa estranheza o motivo dessa pequena pegadinha engendrada nesses sanduíches: com o preço da carne bovina no mercado, seria suicídio econômico vender um hambúrguer com um corte de carnes nobres, pelo mesmo preço praticado nos demais sanduíches.
Porém nada justifica a prática desonesta. Vai levar algum tempo para conseguir varrer todos os pedacinhos de picanha para baixo do tapete, e isso certamente será explorado à exaustão pelos detratores. Vai ficar a lição.
Eu volto.
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.