Índice de Saúde Financeira: o furo no bolso brasileiro
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) com apoio do Banco Central (BC) criou uma maneira de ajudar o brasileiro a medir sua saúde financeira, que certamente tem sido abalada em tempos de pandemia e crise econômica.
A ferramenta é conhecida como Índice de Saúde Financeira do Brasileiro (I-SFB/Febraban) e mensura como o lida com dinheiro no decorrer do tempo. Ela também compara o índice individual de cada um com a média nacional e identifica vulnerabilidades. Qualquer pessoa pode fazer a análise sem nenhum custo.
O I-SFB apresenta dois objetivos:
Macro: permitir a análise agregada dos brasileiros, para contribuir no aperfeiçoamento de políticas públicas e da ação privada em prol da educação financeira;
Micro: fazer o diagnóstico da saúde individual financeira, para identificar lacunas e personalizar estratégias de educação financeira.
A situação da população brasileira
O desenvolvimento do I-SFB está integrado às ações delimitadas pelo Acordo de Cooperação Técnica (ACT), instituído pelo BC e pela Febraban no fim de 2019.
O índice se baseia em 15 questões sobre saúde financeira e sua pontuação vai de 0 a 100. Quanto maior, melhor a situação econômica. A escala de pontos classifica o usuário em uma das sete faixas: ótima, muito boa, boa, ok, baixa, muito baixa e ruim.
Mais de 5200 entrevistas foram realizadas, considerando diversos extratos sociais como idade, sexo, grau de instrução, renda, região do país e estado civil.
Segundo a pesquisa estas são as estatísticas de cada faixa:
8,1% dos brasileiros apresentam situação financeira ótima, ou seja, mais segurança e liberdade nos gastos;
19,2% têm situação muito boa e mantém suas contas em dia, mas ainda assim precisam construir patrimônio;
14,3% da população está em uma situação boa, com finanças estabilizadas, mas sem recursos sobrando no final do mês;
10,1% mostram uma situação ok, com limite financeiro apertado, arriscando o equilíbrio;
15,6% estão com a saúde financeira baixa, há sinais de desequilíbrio e risco de estresse financeiro.
21,1% estão com a saúde financeira muito baixa e o aumentam as chances de chegar a uma situação insustentável.
Infográfico que mostra a pontuação dos pesquisados no Índice de Saúde Financeira dos Brasileiros - Fonte: Febraban
De acordo com o estudo realizado, a média do I-SFB é de 57 pontos, ou seja, a vida do brasileiro em termos financeiros está equilibrada, mas isso implica em um equilíbrio que pode ser facilmente afetado, ainda mais em plena época de crise financeira. Ao todo, 48,3% estão abaixo da média e 41,6% acima.
A Febraban e o BC consideraram 5 conceitos de saúde financeira na elaboração do I-SFB:
Capacidade de realizar suas obrigações financeiras correntes.
Capacidade de fazer boas escolhas financeiras.
Disciplina e autocontrole para atingir metas.
Capacidade de garantir seu futuro financeiro.
Segurança e confiança quanto ao futuro financeiro.
Políticas públicas voltadas à educação financeira
A ferramenta da Febraban e BC não vem apenas para dar suporte à população brasileira, mas pode ser aproveitada por alguns setores como o público. A partir do banco das informações coletadas, o setor público poderá criar políticas mais assertivas quanto à educação financeira. Do mesmo modo, o setor financeiro terá mais capacidade para desenhar produtos bancários mais adequados às necessidades dos brasileiros.
O I-SFB já vem sendo usado como subsídio para outra iniciativa da Febraban: a Plataforma de Educação Financeira Meu Bolso em Dia, com previsão de lançamento para outubro de 2021.
A plataforma será gratuita para o usuário, sendo interativa e gamificada. Através dela a pessoa receberá um diagnóstico personalizado por uma inteligência artificial, que tomará como base seu índice como a principal ferramenta de análise.
Analfabetismo financeiro, o lugar do Brasil nessa questão
Não é nenhuma novidade que o brasileiro não apresenta bons números ligados à educação financeira. Embora o ISFB mostre uma balança mais equilibrada entre ganhos e gastos da população, ao ampliarmos nosso olhar, vemos que o quadro ainda precisa melhorar. Em 2018, na pesquisa do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), o Brasil ficou na 17ª posição no ranking de competência financeira entre membros da OCDE. Eram apenas 20 países na classificação.
E ao encarar os números brasileiros, a situação não melhorou muito em relação aos anos anteriores. Em 2015, o Brasil ocupou a última posição entre as 17 nações avaliadas no quesito competência financeira.
O país que ocupa a primeira colocação é a Estônia, seguida por Finlândia, Canadá, Polônia e Austrália. Uma das explicações para o sucesso da Estônia é a priorização da educação de alta qualidade logo nos primeiros anos. Aliás, outro ponto de destaque do país é ser um dos maiores exemplos de governo digital no mundo. A maioria dos serviços oferecidos pelo governo digital estoniano é acessada online.
Uma das razões para a posição brasileira é a falta de consciência em crianças e jovens. O resultado é uma verdadeira bola de neve que só tende a crescer na vida adulta.
De acordo com indicador de Bem-Estar Financeiro, mensurado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), em agosto de 2019, quase sete em cada dez (68%) brasileiros entrevistados reconhecem não ter capacidade de lidar com imprevistos financeiros. Apenas 9% dizem que conseguem arcar com as despesas que extrapolam o orçamento.
É preciso encarar o fato que o controle financeiro da população brasileira é uma questão comportamental e cultural. E uma das consequências em não saber lidar com dinheiro é um alto índice de inadimplência e uma população que, em grande parte, já fez sua cota de dívidas. Dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) reafirmam isso.
Em agosto de 2021, o Brasil atingiu um novo recorde, 11,890 milhões de famílias endividadas, ou seja, 72,9% dos lares brasileiros estão com as contas em atraso. Isso representa um aumento de 1,5 ponto percentual em relação a julho, cuja taxa de endividados era de 71,4%.
Esse é o nono mês consecutivo de aumento e o maior percentual de famílias endividadas, desde que a CNC iniciou a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic).
Seu dinheiro te assusta?
Há outro aspecto menos aparente que o analfabetismo financeiro, mas que também influencia: a “fobia financeira”. A expressão pode soar um tanto estranha, afinal uma pessoa com medo de dinheiro? Na verdade, a fobia está em lidar com o próprio dinheiro (ou a falta dele) e não é tão incomum. Um terço da população brasileira sente algum tipo de cansaço ocasionado por preocupações sobre finanças. E as queixas não param por aí.
Segundo o estudo “O bolso do brasileiro”, feito pelo Instituto Locomotiva com 1.501 entrevistados, 46% da população afirma ter com frequência sintomas como ansiedade quanto à sua situação financeira.
Já 47% se sentem inseguros ao encarar informações de serviços financeiros. Outro dado preocupante: esse medo faz com que 21% evitem abrir boletos e extratos bancários e 39% adiem tomadas de decisão financeiras, por receio de encarar seu orçamento.
A pesquisa comprovou que, durante a pandemia, sete em cada dez pessoas passaram pela experiência de ver as contas não fecharem, e 90% delas gostariam de saber como investir, planejar recursos e organizar as despesas.
Educação Financeira Infantil
No Brasil, o ano de 2020 começou com 61 milhões de pessoas com o nome negativado no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). E de acordo com o Banco Mundial, somente 3,64% dos brasileiros fazem sua reserva para a aposentadoria. Esse é um dos menores índices do mundo, sendo a média na América Latina de 10,6%.
Países emergentes como México (20,85%), África do Sul (15,93%) e Rússia (14,56%) apresentam números melhores. Outro dado que nos deixa aquém: apenas 28% da população brasileira declara ter poupado algum dinheiro entre 2019 e 2020. Este é o 14.º pior índice do mundo.
E quando falamos sobre como lidamos com nosso dinheiro é preciso também pôr na mesa a questão da educação financeira infantil.
De acordo com a OCDE e a ONU, o sistema público de ensino na Finlândia é considerado um dos melhores do mundo. O país possui como uma de suas prioridades o ensino de educação financeira desde cedo. Outros países como Suécia, Israel, Noruega, Dinamarca e Canadá também investem na alfabetização financeira infantil.
Em terras brasileiras, as iniciativas quanto à educação financeira infantil ainda são recentes. Foi apenas em 2020 que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) adicionou educação financeira aos temas presentes nos currículos de todo o país. A pesquisa Ibope Inteligência de 2020 também revela que somente uma pequena parcela dos brasileiros (21%), dentre as classes A, B e C, teve acesso à educação financeira na infância.
Promover este tipo de educação desde cedo certamente é um bom começo para que mais pessoas se sintam confortáveis ao lidar com suas finanças e façam bons investimentos. Sempre sabendo poupar para manter a balança equilibrada. Mas além de um questionário que mostre a situação atual do bolso brasileiro, é preciso que as ações sejam mais palpáveis do que simplesmente entender de 0 a 100 qual a nossa nota.
Este artigo foi escrito por Luana Brigo e publicado originalmente em Prensa.li.