Semana de Arte Moderna: por “leituras não rasas” do feminino no campo artístico
Fotografia de Zina Aita
O Brasil encontrou um lugar. Semana de Arte Moderna de 1922, ocorrida em São Paulo. Antes deste evento, os artistas brasileiros já tentavam demarcar esse lugar. O país era criativo e tinha valores artísticos e estéticos. Isso culminou na Semana de Arte Moderna de 1922, a qual teve desdobramentos importantes para a consolidação desses valores em nosso país.
A expressão artística brasileira se desenvolveu em um contexto político que parece não ter favorecido a formação de uma identidade cultural genuinamente nossa, portanto, romper com uma forma hegemônica de pensar a arte e a cultura não me parece que tenha sido algo simples, como não tem sido também nos dias atuais. Uma nova maneira de ver o mundo batia à nossa porta, não pela primeira vez. Futuramente, outras formas de compreender este mundo nos serão apresentadas e estaremos lá, homens e mulheres artistas, prontos para ouvir o que o novo tem a nos dizer na pesquisa, arte e literatura.
Acredito que o passado é uma referência para traçar caminhos de ação no contemporâneo. Ele tem muito a nos ensinar. Recorrer ao passado não significa retroceder. Em termos artísticos, os retrocessos, quando acontecem, servem para redirecionar os olhares a respeito das práticas artísticas e para repensar os conceitos de arte dos quais compartilhamos. Observo que há muito a ser transformado.
Cada conquista na construção de uma arte nossa merece ser comemorada, mas o debate promovido por esse importante evento, ocorrido há cem anos, não pode ser entendido como um fim em si mesmo. Entre os acontecimentos relevantes que antecederam e sucederam a Semana de Arte Moderna de 1922, composta por um grupo de pessoas da elite e marco da modernidade em nosso país, destaco a participação das mulheres.
Longe de ser uma participação predominante, mulheres como Tarsila do Amaral e Anita Malfatti destacam-se quando abordamos o tema da arte no Brasil. Entretanto, há também nomes como Antonieta Santos Feio, Maria Pardos, Abigail de Andrade e Georgina de Albuquerque (destaques na pintura), Nicolina Vaz de Assis e Julieta de França (escultoras). Todas essas mulheres, de alguma forma, inovaram na arte brasileira e colaboraram para a emancipação da mulher na sociedade e no campo artístico.
Tarsila do Amaral teve uma formação elitista. Com uma notória bagagem intelectual, dedicou-se de modo significativo às artes plásticas. A artista também dedicava-se à Literatura. A pintora não participou da Semana de Arte Moderna de 1922 e soube do que aconteceu no evento por meio das cartas que Anita Malfatti escrevia para ela. Após ter o primeiro casamento anulado, Tarsila do Amaral casou-se com Oswald de Andrade em 1926. Este, por sua vez, não era bem visto pela família dela. Juntos, Tarsila e Oswald produziram trabalhos de arte importantes no Brasil. A parceria artística foi bem sucedida, mas a relação sentimental não foi duradoura.
Considerados esses nomes e a importância do trabalho artístico de cada uma das mulheres citadas, algumas perguntas simples que ficam são: haveria mulheres que o discurso hegemônico preferia apagar do cenário artístico naquela época? Como seria reinterpretar o movimento modernista a partir de “leituras não rasas” do feminino no campo artístico contemporâneo?
Há documentos a respeito da Semana de Arte Moderna de 1922, mas há também lacunas no que tange à informações referentes à participação ou não de algumas artistas mulheres no evento. Há artistas mulheres pouco conhecidas que viveram naquela época e participaram da Semana de Arte Moderna ou do grupo dos modernistas e as informações do trabalho artístico desenvolvido por essas mulheres ainda são escassas ao grande público. Como exemplos, podemos citar Regina Graz, introdutora das artes têxteis modernas no Brasil, e Zina Aita, pintora, ceramista e desenhista mineira, cuja produção artística permanece pouco conhecida. Ela faleceu na Itália em 1968.
A ideia do que é ser mulher e artista bem poderia ser revisitada, a fim de se superar padrões de pensamento que colocam as mulheres como sujeitos cujas funções estariam restritas a tarefas voltadas ao lar, casamento e criação de filhos. Muitas questões surgem quando tentamos situar o feminino no campo artístico contemporâneo. Que não sejamos responsáveis por manter esses padrões determinantes onde a mulher precisa se esforçar muito para existir na sociedade e marcar o próprio nome na arte brasileira. Isso significa construir uma biografia emancipadora no campo artístico, um dos desafios colocados à mulher artista.
Material complementar:
Bate-papo sobre o livro “Tarsila do Amaral, a modernista” (Edições Sesc, 2018), com a autora Nadia Battella Gotlib. Mediação: Profa. Dra. Vera Bastazin (PUC-SP). Vídeo disponível aqui. Acesso em: 15 fev. 2022.
Blog Arte que Acontece. Plataforma com conteúdo voltado à difusão de arte contemporânea. Disponível aqui. Acesso em: 15 fev. 2022.
SESC Ideias- Diversos 22-Mulheres no Modernismo brasileiro: para alem de Anita e Tarsila. Disponível aqui. Acesso em: 17 fev. 2022.
Zina Aita. Disponível em: https://www.guiadasartes.com.br/zina-aita/obras-e-biografia. Acesso em: 17 fev. 2022.
ZINA Aita. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Disponível aqui. Acesso em: 17 de fevereiro de 2022. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978–85–7979–060–7
Texto publicado originalmente aqui.
Este artigo foi escrito por Rosa Acassia Luizari e publicado originalmente em Prensa.li.