Sergio Moro Confessa Prevaricação
O ex-juiz Sergio Moro deu mais uma demonstração de se considerar um cidadão acima do bem e do mal neste sábado, 30 de julho. Tudo começou quando Luciano Bivar desistiu de concorrer a presidência pelo União Brasil, partido de Moro. Logo a internet se viu entulhada de especulações sobre um possível apoio de Bivar para a candidatura a presidência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Essa conjectura dificilmente se tornará realidade, embora não seja impossível. No momento, o União Brasil estaria mais inclinado a se aliar ao Podemos, ironicamente o ex-partido do ex-juiz, e que, segundo se especula, lançará Álvaro Dias como candidato a presidente. Porém, a simples ideia de que seu partido poderia apoiar Lula a presidência deixou Moro visivelmente irritado. O suficiente para superar inibições e produzir prova contra si mesmo. Novamente.
O ex-ministro da justiça de Jair Bolsonaro usou sua conta no twitter para escrever o seguinte:
"PT e Lula de volta jamais. Eu desmontei a corrupção dos Governos do PT e executei a prisão do Lula. O resto é mentira da turma das fake news e das vivandeiras da corrupção"
Deveria causar perplexidade em quem ainda esperava ao menos uma tentativa tímida do ex-magistrado de ao menos parecer ético. De acordo com o artigo 145 da lei 13.105 de 2015 há suspeição do juiz:
I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;
II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio;
III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive;
IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.
O Supremo Tribunal Federal considerou Sergio Moro um juiz suspeito e anulou todos os processos em que julgou Lula porque ficou explícito que ele aconselhou uma das partes, a acusação. Aliás, aconselhou é eufemismo. Ele assumiu o papel de "chefe" dos procuradores do Ministério Público. O que significa que não apenas corrompeu o processo, mas atuou como corruptor dos procuradores. Importante ressaltar que o Ministério Público Federal não faz parte do Poder Judiciário e juízes e procuradores só podem tratar sobre o processo em que trabalham nos autos.
Além da suspeita, nunca esclarecida, de Moro ter recebido de presente um ministério de Jair Bolsonaro porque tirou Lula da corrida presidencial, deixando o caminho livre para o capitão do exército vencer o pleito em 2018. O ex-magistrado afirmou que só foi convidado após a oficialização da vitória de Bolsonaro, mas foi desmentido pelo vice-presidente general Hamilton Mourão, que revelou que Moro foi convidado pera ser ministro da justiça de Bolsonaro ainda durante a campanha pelo ministro da economia Paulo Guedes. Embora ele já tivesse condenado Lula, foi só após essa conversa com Guedes que Moro vazou de modo ilegal a delação do ex-ministro petista Antônio Palocci, que ajudou bastante na vitória do atual presidente, mas que foi considerada falsa pela Polícia Federal.
O próprio Comitê de Direitos Humanos da ONU considerou que o ex-presidente Lula teve seus direitos violados por um julgamento parcial. Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe (Opalc) da universidade Sciences Po de Paris, publicou um artigo no jornal The New York Times chamando a Operação Lava Jato de maio escândalo judiciário da história. Opinião compartilhada pelo ministro do Supremo Gilmar Mendes. Apesar de adorado pela maior parte da imprensa brasileira, Moro também já foi publicamente criticado por entidades como a Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia e o Instituto dos Advogados Brasileiros. Em 2019 o então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, o chamou de "chefe de quadrilha". Em maio de 2022 Moro se tornou réu em ação proposta por deputados do Partido dos Trabalhadores por prejuízos à Petrobras e à economia brasileira.
Só que agora parece que Moro decidiu jogar o que resta de sensatez às favas e deixar claro que é mesmo um juiz suspeito por todos os demais requisitos. apresentados no artigo 145. Especialmente o primeiro, ou seja, se enxergar claramente como um "inimigo" do homem que devia julgar com "imparcialidade". Não é a primeira vez que ele verbaliza uma frase incompatível com o cargo que ocupava. Em dezembro de 2021, o ex-juiz afirmou que "a Lava Jato combateu o PT de forma eficaz". Em seguida, se corrigiu e disse que a operação apenas "descobriu os esquemas de corrupção e mostrou quem o PT realmente é".
No entanto, desta vez não parece ter ocorrido ato falho e sim um sincericídio de alguém cada vez mais tomado de forte emoção. Pois sua fala é extremamente grave e incriminatória. Ao dizer que "desmontou a corrupção dos governos do PT" e afirmar que "executou a prisão de Lula" Moro confessa que prevaricou. Nesse ponto não cabe mais estabelecer o quanto o PT estava envolvido ou não estava nos esquemas de corrupção que ocorreram durante os governos Lula e Dilma, nem se a prisão de Lula foi ou não ilegal.
Nenhum juiz monta ou desmonta esquemas de corrupção nem executa ou deixa de executar a prisão de nenhum indivíduo. Todas as ações dos juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores devem ocorrer mediante provocação de outros atores, SEMPRE prezando pela manutenção da lei e da Constituição de 1988, da qual são guardiões. Sergio Moro simplesmente usou seu perfil público em rede social para dizer com todas as letras que usou seu cargo de juiz para exercer funções que cabem exclusivamente a procuradores de justiça e policiais para satisfazer um desejo pessoal. E que se orgulha disso. Este é um exemplo ilustrativo do crime de prevaricação.
Segundo o Artigo 319 do Código Penal o agente público prevarica quando:
- Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Um juiz que desde o início agiu com parcialidade, rompeu a separação constitucional entre os poderes para liderar a acusação, desrespeitou os direitos do acusado, enxerga declaradamente o acusado como inimigo, queria deliberadamente prendê-lo, alçando com tal prisão o seu futuro chefe ao cargo de presidente da República, o qual lhe garantiu um cargo de ministro em seu governo... não é um caso explícito de alguém agindo contra disposição expressa da lei para satisfazer interesse ou sentimento pessoal?
A essa altura do campeonato não choca mais assistir Moro relatando seus crimes contra a adminsitração pública como se fossem troféus de um campo de batalha, onde o outro lado sequer sabia ou poderia imaginar que ele era o adversário ao invés do árbitro da disputa. O que choca realmente é que Moro siga impune debochando das mesmas leis que um dia jurou defender.
O Brasil não retornará completamente a normalidade democrática enquanto a Operação Lava Jato e suas ações controversas e/ou criminososas não forem reavaliadas. E o país não retornará ao Estado Democrático de Direito enquanto Sergio Moro continuar se comportando como um cidadão acima da lei, como se não tivesse que prestar contas de seus atos como qualquer um de nós.
Este artigo foi escrito por Guilherme Cunha e publicado originalmente em Prensa.li.