A situação da preservação do patrimonio cultural no Brasil
Este é um assunto que recentemente ganhou repercussão, ou seja, para se pensar o Brasil e a cultura nacional, pensar no patrimônio artístico e cultural é essencial.
Recentemente, vimos muitas tragédias prejudicarem nossos arquivos arqueológicos, artísticos, de importância imaterial e histórica. Só a título de exemplo, podemos citar o recente incêndio da cinemateca de São Paulo, que perdeu um grande acervo de filmes. Anterior a isso, o incêndio que devastou o hoje reconstruído museu da língua portuguesa, que também deixou muitas perdas, e ainda em 2018 outro incêndio no Museu nacional do Rio de Janeiro estragou uma vasta coleção de itens, e a lista poderia ser maior se nos colocássemos um esforço de lembrança, o que não farei neste artigo porque já atingi o fim desejado, que é a justificativa do porquê estar escrevendo sobre esse tema, pois além da importância recente, existe a necessidade de não deixar com que acidentes como os já citados aqui ocorram novamente.
Para entender um pouco sobre a situação da preservação cultural, é necessário recorrer à história, tanto da arte quanto da civilização brasileira.
ONDE TUDO COMEÇOU
Não quero deixar subentendido que pensar no valor artístico e cultural é uma coisa recente, porém me oriento no sentido das políticas públicas que resultaram de todo o pensamento das figuras que desempenharam um papel crucial na tentativa de resgate histórico do Brasil. Infelizmente, muitas coisas se perderam ou sequer estão disponíveis para consulta, mas pelo grande esforço de instituições públicas podemos traçar uma linha temporal da preservação patrimonial.
Assim sendo, apesar de já existirem embates desde a época da colonização, um dos primeiros projetos de lei que pensou na defesa dos monumentos históricos e artísticos do país foi proposto pelo deputado pernambucano Luiz Cedro, no ano de 1920. Esse projeto, portanto, vinha na tentativa de se pensar as civilizações da América pré-hispânica, os sítios arqueológicos, o contato do europeu com o indígena, e também era resultado da preocupação de governos nacionalistas, como foi o caso do governo de Getúlio Vargas.
Outro movimento importante para a cultura nacional e tudo o que dela se desenvolve foi o modernismo, e não podemos deixar de descartar alguns nomes importantes dessa vertente artística para desenvolver um projeto sólido de preservação cultural, alguns foram muito importantes para a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, como por exemplo Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Além disso, data dessa época o “projeto Mário de Andrade”, que instituiu a criação do SPHAN (Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), anterior ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Algumas leis e instituições já existiam na época de criação do IPHAN (década de 30), mas nenhuma possuía a mesma abrangência. A título de exemplo cito aqui a Inspetoria de monumentos históricos (criada em 34), Serviço de proteção florestal (que também fiscalizava o patrimônio cultural), decreto nº 22.698 de 11 de maio de 1933 (decreto que incumbe ao ministério da agricultura a fiscalização das expedições nacionais que possam afetar os sítios arqueológicos), o anteprojeto de lei federal do jurista Jair Lins (elaborado na relatoria da comissão designada na organização do patrimônio histórico e artístico de 1925), projeto de lei federal do deputado José Wanderley de Araújo Pinho (projeto de lei mais desenvolvido com o intuito de proteger o patrimônio artístico dos estados), e para finalizar, também aconteceram muitas conferências, que contribuíram para a formulação de leis nacionais no assunto do patrimônio artístico e histórico (Conferência de Atenas, Conferências Internacionais Americanas).
No entanto, somente depois da promulgação da constituição de 34, da instituição do IPHAN e do Instituto do Tombamento, começaram as políticas mais efetivas nessa área, mas sempre encontrando muitas resistências, desde a dificuldade de fiscalização de locais privados voltados simplesmente para atividades comerciais de exploração indevida dos sítios naturais arqueológicos até a venda de acervos de obras relevantes para a cultura nacional.
O QUE É IMPORTANTE QUANDO SE TRATA DE PRESERVAÇÃO CULTURAL?
Um parecer crítico, que me parece muito importante, é a necessária relação entre o incentivo a pesquisas e a estudos, e o incentivo na criação de instituições públicas, que devem andar juntos. Ou seja, existe uma demanda de criação do respeito a nossa história, que só pode se desenvolver nas escolas. Pensar, primeiramente, em um currículo escolar de nível puramente técnico, é pensar em um modelo de cidadão pouco preocupado com os valores e com a sua própria cultura. Segundo, desvalorizar ou precarizar museus, exposições, bibliotecas, etc, é precarizar não apenas um acervo riquíssimo para pesquisas, mas também para a identidade nacional, para a compreensão de quem somos e da onde viemos. Existe uma clara relação entre Estado (no nível do governo), academia (no nível das instituições de nível superior) e sociedade no geral que deve ser levado em conta, principalmente pela hierarquia que o Estado possui na elaboração de políticas que podem fazer com que esses três elementos dialoguem mais do que acontece atualmente, pois hoje em dia a sociedade tem pouco acesso, a universidade pouco incentivo e o governo só se propõe a realizar parcerias público-privadas, o que leva a destruição do patrimônio histórico e artístico porque se destrói toda essa relação.
QUAL A CAUSA DA PRECARIZAÇÃO QUE VIVEM HOJE AS INSTITUIÇÕES?
Existem muitas justificativas para a precarização, e que não vem de agora. Mudanças no quadro de funcionários, na legislação trabalhista, nos currículos educacionais, nas instituições de ensino, que ao contrário de melhorar facilitam a destruição, são fatores mais essenciais. Como exemplo, eu cito a redução do quadro de funcionários que sofreu a cinemateca nacional durante o governo Dilma, que foi de 120 funcionários para menos de 30, e que ajudou a precarizar ainda mais as atividades realizadas ali, e isso foi fruto de uma política de corte de verbas, que depois com Temer se aprofundou, e teve continuação com Bolsonaro. Uma série de políticas públicas mal feitas contribuíram para o resultado que vemos hoje, e se precisamos pegar os cacos do que sobrou da nossa valiosíssima cultura, é porque deixamos de defender a nossa história e nossa arte.
REFERÊNCIAS:
SALA, D. Mário de Andrade e o Anteprojeto do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, [S. l.], n. 31, p. 19-26, 1990. DOI: 10.11606/issn.2316-901X.v0i31p19-26. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/70041. Acesso em: 13 out. 2021.
SILVA, R. C. P. da. A trajetória inicial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/IPHAN na preservação do patrimônio arqueológico. Academia, 2000. Disponível em: https://www.academia.edu/5385726/A_trajet%C3%B3ria_inicial_do_Instituto_do_patrim%C3%B4nio_Hist%C3%B3rico_e_Art%C3%ADstico_Nacional_IPHAN_na_preserva%C3%A7%C3%A3o_do_patrim%C3%B4nio_arqueol%C3%B3gico. Acesso em: 13 out. 2021
Este artigo foi escrito por Vinícius Bocanegra e publicado originalmente em Prensa.li.