Skate: da clandestinidade às Olimpíadas
Eu aposto que nesses últimos dois dias você leu ou ouviu em alguma rede social a seguinte pergunta: O que você fazia quando tinha 13 anos de idade?
A autora aqui recorda que nessa idade fugia de qualquer prática esportiva e preferia bons e velhos livros. É por isso não tenho nenhuma medalha olímpica - atenção: contém ironia - na minha pequena coleção de méritos.
Mas não posso dizer o mesmo de Rayssa Leal. Com apenas 13 anos, a maranhense tornou-se a brasileira mais jovem a receber uma medalha olímpica — e a sétima medalhista mais jovem em toda a história dos Jogos Olímpicos de Verão.
A jovem recebeu medalha de prata na categoria street na estreia do skate como modalidade Olímpica nas Olimpíadas de Tóquio 2020.
Apesar do sucesso do skate na sua estreia, a prática do esporte nem sempre foi reconhecida dessa forma. Há um tempo, pessoas que andavam de skate era consideradas transgressoras e sofriam perseguições por políticos.
Por exemplo, em agosto de 1986, o então prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, deu sua primeira ordem para restringir a prática do skate no Parque do Ibirapuera, orientando a Polícia Militar a apreender os skates. Dois anos depois, a ordem viraria proibição oficial, posteriormente estendida para toda a cidade de São Paulo.
As ordens geraram tensões entre os praticantes do esporte, que se reuniram em uma manifestação. Eles foram de skate do metrô Paraíso ao parque do Ibirapuera, com a intenção de entregar "uma carta com mais de 6 mil assinaturas" pedindo a reconsideração da proibição e a construção de uma pista no local ou em outra área pública.
Hugo Fernandes on Twitter/Reprodução
A trajetória do skate no Brasil
A Revista YEAH! E a Overall surgiram na década de 1980 com o avanço da popularização do esporte.
De origem californiana, a prática do skate foi introduzida e começou a se desenvolver no Brasil no final da década de 1960. Segundo o historiador Leonardo Brandão, professor da Universidade Regional de Blumenau (FURB), “o skate ganhou mais popularidade durante a segunda metade do século 21”.
No início, o skate era conhecido pelo nome de “surfe de asfalto” e “surfinho”. Isso porque os skatistas apenas deslizavam pelas ruas e calçadas imitando as manobras que os surfistas realizavam nas ondas do mar.
A partir do ano de 1977, a prática do skate se tornou mais popular e passou por um processo de “esportização”. Começa então a existir um mercado de publicações especializadas, campeonatos, equipes, treinadores, equipamento de proteção, marcas e empresas interessadas em patrocinar o esporte e seus atletas.
Segundo a jornalista Cecília Moisés Gonçalves, “de 1985 pra frente, o skate lotava os estádios e as equipes profissionais eram fortíssimas, tanto estrangeiras quanto nacionais”.
Com a profissionalização do skate naquela época, o esporte começou a se remontar e criar seu próprio estilo, abandonando o apelido de “surfe de asfalto”. Surgiu então o street skate, ou skate de rua.
O street skate se desenvolveu no Brasil misturado à cultura punk e com o mesmo espírito de transgressão e rebeldia.
Essa modalidade consiste em utilizar bancos, escadas e qualquer objeto que possa servir de apoio para que o atleta execute manobras.
Paulo Anshowinhas, editor da revista Yeah! disse uma vez que “Os skatistas não se preocupam com a etiqueta social, nem com o sistema que tentam lhes impor. Criam uma anarquia urbana e circulam sem nenhum tipo de autoritarismo. São os filhos do futuro! Não se importam com comentários ou críticas, pois banalidades já estão cansados de ouvir. Eles pensam diferente do Status Quo e se comportam como tal”.
Dá para imaginar, com essa citação de Paulo, que a prática do skate não agradava de forma alguma os mais conservadores e impositores de regras. E foi nessa época que Jânio Quadros determinou todas as restrições ao esporte na cidade de São Paulo.
Mas como qualquer mandato, o de Jânio chegou ao fim e uma nova pessoa chegou ao posto de prefeito da cidade de São Paulo.
A primeira mulher eleita na cidade de São Paulo, Luiza Erundina (PT), em um de seus primeiros atos como prefeita, revogou a Lei 25.871, de 6 de maio de 1988, que proibia a prática de skate nas ruas da cidade.
Foto tirada por perfil de Erundina no Facebook
Em entrevista à Folha da Tarde, publicada na edição de 16 de julho de 1990 sob o título de "Erundina: a prefeita que ama o skate", ela disse: "Eu me sinto comprometida com os skatistas da cidade [...] Meu compromisso com eles é tão sério que ainda pretendo fazer parte de algum clube que reúna skatistas, embora já não tenha mais idade para fazer o mesmo que essa rapaziada maravilhosa de nossa cidade faz sobre um skate. Na nossa gestão vamos criar condições para que os adeptos deste esporte possam praticá-lo adequadamente."
A escalada ao topo do pódio
Na virada do século, foi criada a Confederação Brasileira de Skate (CBSk). Segundo o Datafolha, naquela época já haviam mais de 2,7 milhões de skatistas no país.
De lá para cá, o skate foi deixando cada vez mais de ser uma prática marginalizada e sua popularização em grande escala, fez o esporte chegar até os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020.
No Brasil, um dos maiores divulgadores do skate foi o cantor Chorão e a banda Charlie Brown Jr. Estrelas internacionais do skate como Tony Hawk e Tony Alva levaram a prática do esporte de volta à juventude.
A inclusão da prática nos Jogos Olímpicos pavimenta os caminhos para uma nova geração de atletas e, ao subir ao pódio para pegarem suas medalhas, Rayssa Leal e Kelvin Hoefler –medalha de prata na categoria masculina - são novos nomes que levarão o skate a “voar alto”.