Smart Lenses: visão do futuro
Hollywood já mostrou robôs, androides e congêneres, bonzinhos ou ameaçadores, olhando fixamente para alguma coisa enquanto uma sequência frenética de informações é exibida em sua visão subjetiva.
É a chamada visão do Robocop, já que o policial cibernético de Detroit foi o primeiro a usar tal recurso nas telas do cinema. A tal visão era realmente muito interessante: através disso o personagem conseguia ver desde as condições físicas do seu alvo até checar se estava armado, e mesmo a ficha criminal do elemento.
Além de acessar informações geográficas, características dos locais, e mais o que estivesse disponível. De repente, até o valor do pote de paçoquinha à venda no mercadinho da rua.
Tudo muito prático, mas era 1987, e nada disso ia além do delírio tecnológico do roteirista. Mas como aconteceu com muitas tecnologias antecipadas pela ficção (e temos uma série de matérias bem legais na Prensa sobre isso) alguém resolveu arregaçar as mangas e tentar algo muito parecido.
Quase vinte anos depois de Robocop, um protótipo de óculos de realidade virtual foi apresentado pela Microsoft. Sua principal função era traduzir placas de trânsito, indicar caminhos, pesquisar informações sobre o local e outras funcionalidades. Era legal, mas apresentou uma série de problemas e não foi além da fase de testes.
Em seguida veio o projeto do Google Glass. Um conceito mais avançado, moderno e disruptivo, como quase tudo criado lá pelos lados das empresas Alphabet.
Só que toda regra tem sua exceção, via de regra. E o Google Glass não deu certo. Não caiu no gosto do cidadão comum, apesar de parecer (e de certo modo, era) revolucionário. A empresa agora traz uma versão mais funcional, confortável e prática, voltada principalmente para o mercado profissional.
São seus olhos
Mas uma empresa de tecnologia sediada na Califórnia, Estados Unidos, pode dizer que está bem perto de deixar a turma do Google de olhos arregalados.
A Mojo Vision está perto de colocar no mercado as Mojo Lens. Aparentemente, uma lente de contato, daquelas que você coloca nos seus olhos para substituir os óculos, num processo que me dão aflição só de pensar.
Mas depois deste devaneio oftalmológico, continuemos a história. As Mojo Lens são minúsculas telas de led, chamadas muito apropriadamente de MicroLED. O fabricante as descreve como “uma interface de rastreamento ocular para acesso discreto de dados, permitindo acessar conteúdo apenas usando o movimento natural dos olhos”.
Parece um momento explícito de technobabble, mas é examente isso o que as tais lentes fazem. E é apenas o começo dessa tecnologia.
É considerada a menor, mais densa e dinâmica tela LED do mundo. Apesar do tamanho ridículo, tem uma estrutura robusta: em 0,5mm de diâmetro, é capaz de fazer a varredura com definição de 14 mil pontos por polegada (os famosos dpi). Só para uma comparação básica, uma imagem na internet costuma variar entre míseros 72 e 150 dpi.
A intenção da empresa não é nada modesta: não querem substituir óculos de realidade virtual, mas sim os celulares. Imaginam estas lentes (aflitivas) tomando o lugar de nada menos que os smartphones.
Pode parecer um pouco de pretensão, mas as lentes realmente tem potencial para isso. Com movimentos de olhos, podem realizar sobre a visão real boa parte das funções que hoje acessamos, dedo em riste, nas telinhas. Como dizem em seu material de divulgação, “Like nothing else on earth”, em português “como nada mais na Terra”.
Não pisque!
Uma das principais sacadas para o uso deste sistema é sua aplicação conjugada com realidade aumentada, uma das propostas presentes desde a ideia inicial lá da Microsoft, nos anos 2010.
Imagina-se que o usuário, sem precisar segurar nenhum device nas mãos, possa ter acesso imediato a informações de caminhos, a velocidade que está desenvolvendo numa corrida, batimentos cardíacos, só pra começar.
Numa apresentação para um cliente ou empresa, as informações poderão estar rodando apenas na sua cabeça enquanto o cliente acha que você é realmente genial, porque nem precisa olhar para aquele cansativo Powerpoint.
Isso se aplica infelizmente ao ambiente estudantil, onde a chance de “colar nas provas” com um gadget desses amplia a trapaça de modo impensável. O fabricante, muito menos criativo e antiético que eu, ressalta as possibilidades de uso das Mojo Lens em atividades esportivas. Num jogo de golfe (eu penso que será bem melhor usado em futebol), consegue medir distâncias, velocidade do vento, cronometrar tempo, e quem sabe até conexão com o VAR no futuro?
Outras aplicações envolvem medicina, engenharia, polícia (olha o Robocop aí), arquitetura, contato direto com o cliente, jornalismo e muito mais. Mas há um pequeno detalhe que abriu um ponto de interrogação na visão de futuro das lentes inteligentes: segurança de dados.
Olhar 43
Certo, tudo isso vai ser conectado em tempo integral à internet, computação em nuvem e tudo o mais; o que garante que tudo para o que você olha não seja instantaneamente transformado em dados e enviados sabe lá Deus pra quem?
Não por acaso, a Mojo Vision colocou um parágrafo destacado no hotsite do produto, garantindo por tudo o que há de mais sagrado neste planeta (e em outros) que os dados encarados não deverão ser compartilhados com ninguém, salvo desejo expresso do usuário.
Muito bom e bonito. Só que isso já existe para a internet atual, acessada desde desktops, notebooks, smartphones, tablets e geladeiras inteligentes; garantem que seus dados estarão seguros, não é mesmo?
Só que na maioria das instalações de qualquer aplicativo (ou software, que sou das antigas), você sempre tem aquelas cláusulas malandras que você deve aceitar, claro, após ler aquele contrato de dezessete mil, quatrocentas e vinte e duas páginas (revisão mais recente), que obviamente ninguém lê. E aí mora o perigo.
Diria mais, quem não garante que essa lente maravilhosa também não vai ter a capacidade de fazer sozinha suas anotações, através de algum também maravilhoso sistema de assistência pessoal.
De olhos e ouvidos abertos
Você sabe que Siri, Alexa, Cortana, Google, todos eles sempre estão ali te ouvindo, prontos a atender seu chamado. Mas não é o único momento em que estão ouvindo. Comente com alguém seu desejo de comprar, sei lá, sabonete. Seja até um pouquinho mais detalhista. Depois abra seu aplicativo de pesquisa preferido. Não se surpreenda quando uma oferta de sabonete de lavanda com alecrim saltar na tela. E não é teoria da conspiração. São só negócios.
O mesmo poderá (e deverá) acontecer com aplicativos baseados nestas smart lenses. Uma espiadinha nunca mais será a mesma. E as coisas poderão aparecer pra você, literalmente, num piscar de olhos.
Com essa questão da cibersegurança, as lentes de contato mega hiper super tecnológicas deverão passar por uma série de aprovações pelos órgãos reguladores dos Estados Unidos, assim que terminarem a atual fase de testes.
Ainda não há uma previsão exata do início da comercialização do equipamento, mas há uma série de desenvolvedores criando, adaptando e aprimorando os mais diversos aplicativos para uso específico no sistema operacional das lentes, que sem dúvida é uma das maiores apostas do setor nos últimos tempos.
Fico bastante à vontade para dizer que esse problema com dados pessoais roubados por lentes inteligentes não me atingirá. Por mais tentador que pareça, tentei usar durante um mês lentes de contato normais, analógicas. Burrinhas e inofensivas mesmo. Nunca mais.
Depois de uma série de pequenos acidentes domésticos, concluí que não era para mim. Irritação, ferimentos e mais uma série de recomendações expressas do oftalmologista, para jamais voltar a enfiar um treco desses nos olhos garantem minha saúde ocular e digital.
Mas… quem sabe quando sair a versão óculos?
Eu volto!
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.