O período que ele viveu nesse local foi curto, duas festas de Natal se passaram. Antes desse período, ele morou na capital, na casa de um compadre da família, sem seus irmãos, que foram antes, com sua mãe, para o interior. Seu pai estava na maior cidade do país buscando trabalho.
Nessa casa ele viveu um ano, no período da escola para terminar a alfabetização. Várias meninas e um menino dividiam com ele a atenção da dona da casa. Ele acordava cedo e, depois do café e pão com manteiga, caminhava para a escola no alto do morro, ficava do mesmo lado da escultura do Cristo Redentor.
Após a aula, do lado da escola, num campo amador de terra, onde corria muito e treinava chutes no gol, uma única bola era emprestada do senhor do barraco que ficava do lado do campo, um carroceiro que fazia carretos com sua mula por todo o bairro.
Bom, veja que comecei a história não pelo início. Vamos, então, retomar um pouco para contar de onde ele veio: do Acampamento do Anjo, nome do lugar onde moravam os empregados da Usina.
Durou pouco o entendimento do seu pai com seu avô, um típico Pantaleão, personagem de Chico Anísio, que contava histórias de tempos remotos.
Da roça, seu pai foi para a capital do estado, ele já tinha uma irmã e um irmão empregados numa indústria. Fazia três turnos dobrando aço mas, naquela época, o salário era mínimo e a casa ainda estava no reboque.
Naquele momento, a escola era oferecida pela companhia e ele começou no jardim de infância. Caminhava uns vinte minutos a pé, subia e descia morros.
Logo iniciou o primário, a escola ficava em frente ao jardim de infância e também era oferecida pela companhia onde o pai trabalhava. Ele já descia sozinho o morro até a escola.
Além de uma irmã e outro irmão, naquele momento, duas outras irmãs nasceram. Seu pai não tinha um salário para garantir uma condição de vida descente para os cinco filhos, assim, a convite de um amigo da época do interior, vai buscar oportunidade na maior cidade do país.
Quando seu pai foi embora, sua mãe, seu irmão e suas irmãs foram de volta para o interior, na sua cidade natal, e foram viver nos fundos da casa de sua avó paterna. Mas, como disse antes, ele ficou na casa do compadre e da comadre para terminar os estudos naquele ano.
Uma época onde todos seus medos, como aquele do trovão nas chuvas, ficavam escondidos dentro dele. Na escola, após o primário, foi para o primeiro ano do ginásio, a quinta série. Sua aula era pela manhã, ao nascer do sol. Ele subia, agora, outro morro, a escola ficava do mesmo lado do Cristo Redentor. Nesse momento, aos 11 anos caminhava só, atravessava o trânsito e passava por dentro do campo de futebol de várzea antes de chegar na escola.
Na volta passava novamente pelo campo, mas ele estava vazio. Na hora do almoço, o sol brilhava forte. Sempre tinha o almoço quando chegava na casa do compadre, ficava dentro do fogão, no forno, morno.
Depois corria para o campo no fundo da casa, jogava com bolas, na maioria, de plástico. Poucas vezes tinha alguma bola de couro.
Sua única brincadeira era chutar bola, sempre sozinho. Não soltava pipa ou jogava bolinha de gude como os outros moleques do bairro. Vou contar agora algo, não sei se é lenda, mas ele sempre conta: estava lá um dia, chutando no gol, mirava sempre a trave, e nesse dia acertou diversas vezes, não tem um número, mas disse que foram muitas.
Um senhor chegou perto e ele pensou em correr, tinha medo de adultos, mas ele o chamou de jogador, gostou e foi ao seu encontro. O senhor perguntou "quer treinar num time?", era o atual campeão brasileiro. Adorou a proposta! Aí ele disse, chame seu pai. Mas seu pai estava em outro Estado, então disse que estava sozinho e seu pai longe. O senhor então lhe disse "escreva para seu pai e peça a autorização dele".
Ele ficou empolgado e ansioso, nunca havia escrito uma carta, mas as aulas de português ajudaram. Já sabia escrever e fez a carta com a letra igual de sua mãe, bem arredondada. A carta pronta, agora, como enviar? Outra coisa que nunca havia feito. Perguntou ao Padrinho - era assim que chamava o compadre do seu pai. Seu Padrinho disse que seu pai não iria concordar, mas ele insistiu e a carta foi enviada.
Todos os dias após aquele dia, quando chegava da escola, perguntava se chegou a resposta. Passaram vários fins de semana quando, um dia, domingo, seu Padrinho, de folga e vindo da roça, na cozinha, depois de tomar seu aperitivo, uma pinga amarela, chama ele para uma conversa antes do almoço. O diálogo foi curto. Não disse que seu pai não iria concordar, ele disse "você tem que estudar para, no futuro, trabalhar. Futebol não dá camisa pra ninguém."
Devia ter enviado a carta para sua mãe, teria mais sorte. Ficou triste, tão triste que parou de ir para o campo, não queria ver o senhor que lhe ofereceu a oportunidade. Foi o fim de um sonho, mas voltaria a jogar, agora só diversão.
Logo, termina aquele ano e uma nova jornada se inicia quando ele voltou para o interior de Minas, na sua cidade natal. Sua mãe, seus irmãos e irmãs estavam lá, mas logo a família iria se dividir novamente. Sua mãe e os mais novos vão para a maior cidade do país e ele, com sua irmã e seu irmão, fica no interior para continuar os estudos.
Muita coisa aconteceu nesse período e todos os medos de antes continuavam dentro dele, mas superar os desafios foi sua luta.
Este artigo foi escrito por Jose Leite Coura e publicado originalmente em Prensa.li.