Sobre Rússia, Ucrânia, OTAN, GTA e Watchmen
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Já dizia Edmund Burke que “Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la.” Mas, às vezes, até quem conhece bem sua própria história acaba repetindo seus piores capítulos, desde que seja conveniente.
Mesmo em pleno ano de 2022, a “solução” buscada por muitos líderes mundiais continua sendo as mais arcaicas.
Em especial, Vladmir Putin, que como um belo representante da escola comunista da URSS: quando tudo está ruim para o país e para os “camaradas”, a “solução” é: vamos à guerra!
As táticas também são as mais arcaicas possíveis: Demonizar seus “inimigos”, ressucitar antigos fantasmas (como o nazismo) para tentar justificar o injustificável, ou reacender uma corrida nuclear ao ameaçar coalizões que possam “comprar a briga”, etc.
Parafraseando um autor desconhecido, que viria bem a calhar se fosse mesmo Lênin o autor da frase: “Acuse os adversários do que você faz. Chame-os do que você é!”
De diferente mesmo, só as armas. Mais tecnológicas, destruidoras e “inteligentes” do que nunca. Mas na prática, todas as guerras são sempre iguais.
A desculpa é sempre “atacar apenas instalações militares com armas inteligentes, capazes de acertar os alvos com precisão.” O grande problema é que hoje temos celulares e redes sociais…
Graças a eles, podemos ver mísseis não tão inteligentes assim detonando prédios, praças e instalações civis.
Ou então tanques pilotados por soldados “patriotas”, que receberam um “brinquedo poderoso” e “se divertem” passando por cima de carros de civis inocentes como se fosse alguma missão do game GTA.
“A diferença entre a realidade e a ficção é que a ficção faz mais sentido.” Mark Twain.
Até a propaganda de guerra é a mesma. Mesmo na era das lives, exibindo as barbáries em tempo real e resolução 4K, os representantes de relações exteriores russos tem inutilmente e com a maior cara de pau tentado minimizar os fatos.
Segundo eles, “O ocidente não está ciente de fato do que está ocorrendo na Ucrânia”, e “as redes sociais precisam ter mais compromisso com o que é veiculado.”
É claro que não há “mocinhos” nesta guerra. Os únicos inocentes de fato, como sempre, são os cidadãos. Neste caso, os ucranianos.
O problema vem desde a União Soviética. Na verdade, na extinção dela. O território ucraniano sempre foi um centro de desenvolvimento tecnológico da URSS. E quando houve a separação, a Ucrânia simplesmente “herdou” o terceiro maior arsenal nuclear do mundo na época.
Tanto que se comprometeu a devolver parte deste arsenal, de cerca de 3 mil armas nucleares em 1994, no Tratado de Budapeste, assinado então pela Ucrânia, Rússia, EUA e Reino Unido.
Era a “paz selada” entre Rússia, Ucrânia e OTAN. E realmente foi, até 2014, quando o então presidente ucraniano Viktor Yanukovich, que era aliado da Rússia, foi deposto após intensas manifestações populares, que começaram com a rejeição do presidente a entrar para a União Européia.
Desde então, a Ucrânia começou as conversas com a OTAN para integrar o bloco. Como retaliação,no mesmo ano, a Rússia investiu contra a região da Criméia, ao sul da Ucrânia e anexou a região ao seu território, deixando claro que não toleraria mais um vizinho, e dessa vez, incômodo em potencial se aliar aos seus inimigos históricos.
Em 2019, entrou em cena então (literalmente) o ex-comediante Volodymyr Zelensky, atual presidente ucraniano, que ignorou as ameaças russas e intensificou as conversas com a OTAN, chegando a pedir garantias do bloco caso viesse a ser atacado.
Garantias essas que não vieram. Principalmente depois que Joe Biden assumiu a presidência dos EUA, no ano passado, e deixou claro todo seu despreparo para lidar com situações militares no fiasco retumbante da retirada de tropas americanas do Afeganistão.
Rússia, EUA, armas nucleares, politicagens, comediante… Já vimos uma história assim em algum lugar…
Com a Ucrânia tendo “rasgado” o Tratado de Budapeste desde 2014, tendo eleito um presidente que ninguém levava a sério e com a América mais preocupada em ser “inclusiva” do que ter um líder de pulso forte, o cenário se tornou tudo o que o autocrata Putin queria.
E o que ele realmente quer com esta guerra fica mais nítido a cada dia: enfraquecer a Ucrânia a ponto de se tornar irrelevante a entrada dela na OTAN, ou forçá-la a desistir dessa ideia.
Muito se fala em terceira guerra mundial, mas talvez o temor não seja para tanto. É apenas uma “briga de quinta série” entre rivais em que a OTAN fez o papel daquele que “bota pilha” e observa, tipo: “se fosse comigo, eu não deixava!”
O inusitado disso tudo é que a UE agora passará a ser não só um tratado de livre comércio, mas também de cooperação bélica, e a Ucrânia (ou o que sobrar dela) será anexada ao bloco, que tem aplicado sanções duríssimas em várias esferas contra a Rússia.
E quem tem “roubado a cena” no cenário mundial é Zelensky, que contra todas as prerrogativas tem conseguido liderar a resistência ucraniana até mesmo pegando em armas, ao mesmo passo que tem conseguido unir ainda mais a Europa.
E enquanto o mundo e principalmente a Europa se posiciona de forma dura contra os russos, nosso querido presidente Jair Bolsonaro, que recentemente visitou Putin, mesmo com a tensão já deflagrada na região, limitou-se a dizer o seguinte:
“_ É preciso tomar cuidado com o que se fala, pois o Brasil importa gás da Rússia.”
Enquanto os ucranianos tem um ex-comediante presidente, nós temos um presidente comediante…
“É uma piada. É tudo uma piada. Achei que sabia como era. Achei que sabia como era o mundo. Fiz umas coisas erradas…Mas aquilo era a porra de uma guerra!” Frase do personagem O Comediante, no filme Watchmen (2009).
Hello, darkness, my old friend…
Este artigo foi escrito por Eliezer J. Santos e publicado originalmente em Prensa.li.